EUA compram mais do México do que da China pela primeira vez em 20 anos

Redução em 20% de importações do país asiático mostra como padrões de comércio global mudaram

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Ana Swanson Simon Romero
Washington | The New York Times

No meio da pandemia, enquanto as cadeias de suprimentos globais se desgastavam e o custo de enviar um contêiner para a China aumentava quase vinte vezes, Marco Villarreal viu uma oportunidade.

Em 2021, ele renunciou ao cargo de diretor-geral da Caterpillar no México e começou a cultivar laços com empresas que procuravam transferir a produção da China para o México.

Villarreal encontrou a Hisun, montadora chinesa de veículos off-road, que o contratou para estabelecer uma planta de US$ 152 milhões em Saltillo, polo industrial no norte do México.

Villarreal afirma que empresas estrangeiras, especialmente aquelas que procuram vender na América do Norte, veem o México como uma alternativa viável à China por várias razões, incluindo as tensões comerciais entre os Estados Unidos e o país asiático.

"As estrelas estão se alinhando para o México", disse.

Workers at Preslow, a fourth-generation apparel business, in Tizayuca, a small manufacturing town about an hour northeast of Mexico City,
Fábrica em Tizayuca, no México; EUA importaram mais do país vizinho que da China pela primeira vez em 20 anos - Bryan Denton - 30.nov.2022/The New York Times

Dados divulgados nesta quarta-feira (7) mostraram que o México superou a China e se tornou a principal fonte de importações oficiais dos Estados Unidos pela primeira vez em 20 anos —uma mudança significativa que mostra como as tensões crescentes entre Washington e Pequim estão alterando os fluxos comerciais.

O déficit comercial dos Estados Unidos com a China diminuiu significativamente no ano passado, com as importações do país caindo 20% para US$ 427,2 bilhões, mostram os dados.

Consumidores e empresas americanas recorreram ao México, Europa, Coreia do Sul, Índia, Canadá e Vietnã para peças de automóveis, calçados, brinquedos e matérias-primas.

As exportações mexicanas para os Estados Unidos foram aproximadamente as mesmas do ano passado, de US$ 475,6 bilhões.

O déficit comercial total dos Estados Unidos em bens e serviços, que consiste em exportações menos importações, diminuiu 18,7%.

As exportações totais dos Estados Unidos para o mundo aumentaram ligeiramente em 2023 em relação ao ano anterior, apesar de um dólar forte e de uma economia global fraca.

As importações dos EUA caíram com os americanos comprarando menos petróleo bruto e produtos químicos e menos bens de consumo, incluindo telefones celulares, roupas, equipamentos de camping, brinquedos e móveis.

A baixa recente nas importações e a queda no comércio com a China têm sido em parte um reflexo da pandemia.

Os consumidores americanos presos em casa durante a pandemia compraram notebooks, brinquedos, testes de Covid-19, roupas esportivas, móveis e equipamentos de exercício doméstico fabricados na China.

Mesmo com as preocupações com a Covid-19 diminuindo em 2022, os Estados Unidos continuaram a importar muitos produtos chineses, ano em que os gargalos nos portos congestionados dos EUA finalmente foram resolvidos e as empresas reabasteceram seus estoques.

"O mundo não conseguiu acesso suficiente a produtos chineses em 2021 e se empanturrou de produtos chineses em 2022", disse Brad Setser, economista e pesquisador sênior do Conselho de Relações Exteriores. "Tudo está se normalizando desde então."

Mas além das oscilações incomuns nos padrões anuais nos últimos anos, os dados comerciais estão começando a fornecer evidências convincentes de que anos de tensões crescentes têm corroído significativamente o relacionamento comercial dos Estados Unidos com a China.

Em 2023, as importações trimestrais dos Estados Unidos da China estavam aproximadamente no mesmo nível que há 10 anos, apesar de uma década de crescimento na economia dos EUA e do aumento das importações dos EUA de outros lugares do mundo.

"Estamos nos desvinculando, e isso está pesando muito nos fluxos comerciais", disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody's Analytics, sobre os países

Os economistas afirmam que a diminuição relativa do comércio com a China está claramente ligada às tarifas impostas pelo governo Trump e mantidas por Joe Biden.

Pesquisas de Caroline Freund, diretora da Escola de Política e Estratégia Global da Universidade da Califórnia em San Diego, mostraram que o comércio com a China caiu para produtos que têm tarifas altas, como chaves de fenda e detectores de fumaça, enquanto o comércio de produtos que não têm tarifas, como secadores de cabelo e fornos de micro-ondas, continuou a crescer.

Ralph Ossa, economista-chefe da OMC (Organização Mundial do Comércio), disse que o comércio entre os Estados Unidos e a China não entrou em colapso, mas tem crescido cerca de 30% mais devagar do que o comércio entre esses países e o resto do mundo.

Houve dois episódios na história recente em que o comércio dos EUA com a China diminuiu consideravelmente, disse ele.

O primeiro foi quando as tensões comerciais entre os países se intensificaram em 2018. O segundo foi quando a Rússia invadiu a Ucrânia, levando os Estados Unidos e seus aliados a impor sanções rigorosas e a reorganizar ainda mais as relações comerciais globais.

"Houve um período em que a geopolítica não importava muito para o comércio, mas com a incerteza aumentando no mundo, vemos que o comércio se torna mais sensível a essas posições", disse Stela Rubinova, economista pesquisadora da OMC.

Alguns economistas alertam que a diminuição do comércio dos Estados Unidos com a China pode não ser tão acentuada quanto os dados mostram.

Isso ocorre porque, assim como a Hisun, produtora chinesa de veículos, algumas multinacionais transferiram partes de sua produção da China para outros países, mas continuaram a obter matérias-primas e peças da China.

Em outros casos, as empresas podem simplesmente estar roteando mercadorias que são na verdade fabricadas na China por meio de outros países para evitar tarifas dos Estados Unidos.

As estatísticas comerciais dos Estados Unidos não registram esses produtos como originários da China, mesmo que uma parte significativa de seu valor tenha sido criada lá.

Fábrica de botões de plástico em Tizayuca, no México - Bryan Denton - 30.nov.2022/The New York Times

Freund, que escreveu um artigo recente sobre o assunto, disse que o relacionamento comercial entre os dois países estava "definitivamente sendo atenuado, mas não tanto quanto as estatísticas oficiais sugerem".

Ainda assim, os riscos geopolíticos estão claramente levando as empresas a buscar outros mercados, especialmente aqueles com baixos custos e relações comerciais estáveis com os Estados Unidos, como o México.

Enquanto o investimento estrangeiro direto em países em desenvolvimento caiu 9% em 2023, o fluxo desse investimento para o México aumentou 21% no ano passado, de acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

Outra economia afetada pelas mudanças entre os Estados Unidos e a China tem sido a Coreia do Sul. Assim como o México, a Coreia do Sul está sujeita a tarifas mais baixas porque possui um acordo de livre comércio com os Estados Unidos.

Em dezembro, as importações dos Estados Unidos vindas da Coreia do Sul foram as mais altas registradas.

As empresas sul-coreanas também se beneficiaram especialmente da nova legislação climática do presidente Joe Biden.

O governo dos Estados Unidos está oferecendo créditos fiscais para consumidores que compram veículos elétricos, mas estabeleceu certos limites para a obtenção de peças desses carros da China.

Como grandes fabricantes de baterias e componentes para veículos elétricos, as empresas sul-coreanas aproveitaram a oportunidade de participar das cadeias de suprimentos de veículos em expansão nos Estados Unidos.

Um fabricante sul-coreano de baterias, SK On, investiu US$ 2,6 bilhões em uma fábrica na Geórgia e está construindo novas instalações na Geórgia, Tennessee e Kentucky em parceria com a Hyundai e a Ford.

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