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Milei diz que não precisa do Congresso para salvar economia da Argentina

Presidente afirma que evitou hiperinflação e aposta em decretos para aprovar reformas econômicas

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Ciara Nugent Michael Stott
Buenos Aires | Financial Times

O presidente da Argentina, Javier Milei, afirmou que está pronto para contornar os parlamentares de oposição que bloquearam suas reformas econômicas e deve contar com decretos e outros poderes executivos para implementar seu plano radical de austeridade.

Sua estratégia para reviver a combalida economia é avaliada por analistas como de alto risco, mas Milei mostra confiança. Em entrevista ao Financial Times, ele disse que está avançando mais rápido do que o esperado com um ajuste fiscal tão drástico que avalia não ter paralelo "no mundo".

Segundo Milei, a chance de argentinos comuns se revoltarem contra o seu plano é "zero". Sobre como diminuir a pobreza na Argentina, que alcançou o maior patamar em 20 anos e atinge 57% da população, afirmou: "Você não sai da pobreza por mágica. Você sai da pobreza com capitalismo, poupança e trabalho duro".

Javier Milei, presidente da Argentina, cerra o punho direito durante discurso
Javier Milei afirma que não precisa do Congresso para executar plano para recuperar economia - Anna Moneymaker / Getty Images via AFP

Um outsider político empossado em dezembro com a promessa de "passar a motosserra no estado", Milei surpreendeu a Argentina ao obter o primeiro superávit orçamentário do país em 12 anos em janeiro. Isso foi alcançado reduzindo os pagamentos às províncias, congelando orçamentos e não reajustando totalmente as pensões e benefícios pela inflação, que está em 254% no acumulado de 12 meses.

Economistas alertaram que cortes de gastos tão drásticos podem não ser sustentáveis. Mas Milei, ex-economista e comentarista de TV, acredita que, tendo reduzido a inflação de um pico de 25,5% ao mês em dezembro para 20,6% em janeiro e uma expectativa de 15% em fevereiro, pode reverter a crise econômica este ano sem o apoio do Congresso.

"Evitamos a hiperinflação", disse o líder autodenominado anarcocapitalista. "Nosso objetivo é continuar reduzindo a inflação... [e] terminar de limpar o balanço do Banco Central. Uma vez que isso ocorrer, planejamos suspender os controles cambiais... o FMI (Fundo Monetário Internacional) estima que poderíamos fazê-lo até o meio do ano", afirmou.

A agenda de reformas de Milei enfrentou problemas quase imediatos quando o Congresso, dominado pela oposição, começou a desfazer centenas de medidas de desregulamentação propostas pelo presidente argentino em seu amplo projeto de lei.

Em vez de ver o projeto de lei "despedaçado", o presidente o retirou e planeja esperar até depois das eleições legislativas de meio de mandato no próximo ano, antes de tentar novamente a aprovação com um pacote abrangente.

Decretos para governar sem o Congresso

Porém Milei revelou que tomará outras medidas para avançar com grandes partes de sua agenda de reformas e que está pronto para fazê-lo sem o Congresso.

"Há outras reformas que podemos executar através de decreto... mudando a aplicação das leis, e tudo isso faremos", disse o mandatário. Ele destacou que cerca de um terço de suas mil medidas de reforma propostas foram incluídas em um decreto de emergência que permanecerá em vigor a menos que senadores e deputados votem para rejeitá-lo.

"Enquanto o Congresso tiver sua composição atual, achamos difícil aprovar as reformas porque o que ficou claro com o [projeto de reforma econômica] é que os políticos... não veem problema em prejudicar os interesses dos argentinos para manter seus privilégios", declarou o presidente.

Milei admitiu que "a longo prazo você precisa do Congresso", mas insistiu que o histórico de baixo nível de investimento na Argentina mostra que as empresas poderiam obter grandes retornos a curto prazo com uma pequena injeção de capital.

O presidente acredita que a suspensão dos controles cambiais pode criar um círculo virtuoso de recuperação econômica. "Podemos ter muito investimento, apesar de não termos mudanças institucionais... e isso poderia ser o ponto de partida para que, no próximo ano, a Argentina cresça de maneira forte, sólida, sustentável, com baixa inflação", afirmou.

Ele aposta no crescimento do seu partido, La Libertad Avanza, nas eleições do próximo ano para aprovar as reformas. "Estamos prontos para enviar de volta todas as reformas após 11 de dezembro de 2025. Enviamos 1.000, mas ainda temos mais 3.000 para apresentar."

Enquanto isso, Milei continuará a enviar reformas paulatinamente ao Congresso para expor o que ele classificou de jogos políticos da casta de políticos profissionais do país. "Aqueles que votarem contra serão identificados como os inimigos da mudança", disse, repetindo um discurso adotado durante a votação das reformas no Congresso.

Apesar do aumento dos níveis de pobreza e da oposição do movimento sindical peronista do país, Milei mantém a confiança de que sua popularidade e sua franqueza com os argentinos antes da eleição sobre a necessidade de mudanças econômicas dolorosas o levarão adiante.

"A palavra que melhor representa este governo é esperança", afirmou o anarcocapitalista, que aponta ter pesquisas que mostram um aumento de argentinos que acreditam na melhora da economia em seis meses.

A Argentina terá de pagar US$ 5,5 bilhões a credores privados externos em 2025, e com reservas ainda insignificantes, o país corre o risco de outro calote a menos que consiga refinanciar a dívida retornando aos mercados de capital internacionais.

Milei disse que a Argentina estará em posição de fazer isso no próximo ano. "Se mantivermos um déficit zero, é claro que seremos capazes de alcançar isso", analisou.

De acordo com um relatório da consultoria Invecq, quase metade do ajuste fiscal que o governo fez para atingir um superávit em janeiro veio foi resultado da ausência de reajuste às pensões e aos gastos sociais pela inflação, embora alguns benefícios tenham sido aumentados.

Analistas alertam que a chave para o sucesso de Milei será ver por quanto tempo os argentinos mais pobres, que já suportaram aumentos de preços desenfreados, tolerarão tais medidas. A confederação de sindicatos da Argentina já realizou uma greve geral nacional em janeiro contra o novo governo, além de vários protestos menores.

Mas o presidente afirmou que não teme um protesto de proporções maiores como o que atingiu o vizinho Chile em 2019, quando manifestações contra a desigualdade e os serviços públicos precários causaram conflitos nas ruas, paralisando o país por meses.

"Não há chance de uma revolta social, a menos que haja um evento politicamente motivado ou [envolvendo] infiltrados estrangeiros", disse ele.

Sem mostrar provas, Milei afirmou que ativistas da Venezuela e de Cuba participaram de protestos recentes disfarçados de fotógrafos. "Governos de esquerda trabalham juntos para tentar sabotar aqueles que não são como eles", afirmou.

Alianças com EUA, Israel e Ucrânia

Nas relações internacionais, o presidente argentino priorizou alianças com países que ele afirma defenderem a liberdade, citando os EUA, Israel (que ele visitou no início deste mês) e a Ucrânia (para a qual ele doou dois helicópteros militares russos).

Milei disse que planeja sediar um "encontro de apoio da América Latina" para a Ucrânia ainda este ano, marcando uma diferença acentuada em relação ao Brasil, de Lula, e ao México, de Andrés Manuel López Obrador, que adotaram uma posição mais neutra.

Milei se encontra com Trump durante convenção em Maryland, nos EUA
Milei se encontra com Trump durante convenção em Maryland, nos EUA - Divulgação/Presidência da Argentina/AFP

Uma aliança crucial para a Argentina é com os EUA, o maior acionista do FMI, à medida que o fundo avalia quanta flexibilidade dar ao governo de Milei nos próximos anos em relação ao empréstimo de US$ 44 bilhões que o país está lutando para pagar, e se emprestar mais.

Na última sexta-feira (23), o presidente se reuniu com Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, em Buenos Aires. No dia seguinte, Milei voou para Maryland, nos EUA, para falar em uma conferência política conservadora e abraçou o ex-presidente do país Donald Trump, provável rival de Joe Biden nas eleições presidenciais deste ano, nos bastidores.

"Espero que na próxima vez [que nos encontrarmos], você seja o presidente", disse Milei a Trump em um vídeo do encontro compartilhado por assessores de ambos os líderes.

Economista profissional antes de entrar para a política, Milei afirmou que pensadores de livre mercado da Escola Austríaca estão entre suas influências mais importantes e rejeitou o que chamou de "lixo keynesiano" que favorece mais intervenção governamental.

Confiantes em suas bases ideológicas, o presidente outsider rejeitou a ideia de que sua terapia de choque econômico era arriscada. "Por que seria arriscado, quando estou fazendo exatamente o que os livros didáticos dizem que preciso fazer?", concluiu.

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