Descrição de chapéu Entrevista da 2ª

Revisão de gasto já poupou bilhões e pode atingir qualquer despesa, diz Tebet

Ministra afirma que antecipação de precatórios de R$ 30 bi neste ano economizou R$ 2 bi e não descarta revisão de benefícios sociais

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São Paulo

Simone Tebet mostra com cautela umas poucas tabelas de um caderno de números que discutiu com Fernando Haddad, da Fazenda.

Numa delas, há uma estimativa de revisão de gastos de R$ 50,6 bilhões em três anos (2024 a 2026) apenas no INSS e no Proagro, de auxílio a agricultores prejudicados por "fenômenos naturais, pragas e doenças". Dá quase R$ 17 bilhões por ano, mais do que a previsão oficial de receita com a tributação dos fundos exclusivos, dos "ricos".

Apenas a antecipação do pagamento de R$ 30,1 bilhões em precatórios deste ano rende uma economia de R$ 2 bilhões (em juros e correção), revelou a ministra do Planejamento e Orçamento em entrevista à Folha, na sexta-feira (23). Nesse caso, evitou-se despesa sem que fosse preciso bulir com ninguém.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, durante entrevista à Folha, em São Paulo - Marlene Bergamo - 23.fev.24/Folhapress

Na pauta está uma análise mais detalhada dos motivos da despesa com precatórios, de R$ 87 bilhões neste ano. Mais importante, "tudo está sobre a mesa" de discussão, menos o reajuste do salário mínimo acima da inflação.

No mais, vai se debater a vinculação do valor de benefícios sociais ao valor do mínimo e o piso de despesas em saúde e educação, diz Tebet. Talvez não neste ano, politicamente inviável.

Essas economias não significam "corte", mas "revisão", insiste a ministra. A escolha de palavras não é um meio de dourar a pílula, diz. As decisões de gasto e redirecionamento de despesas são do governo.

O trabalho do ministério é mesmo de revisão, em parceria com ministérios e "gestores", a pedido deles ou por sugestão de Tebet e seus secretários, fazer mais com menos ou melhor. O que será do dinheiro poupado é assunto do governo em geral.

Esta a novidade do trabalho de "revisão", dizem a ministra e seus secretários: parceria e incentivos. No caso de um ministério ter de lidar com um "decreto" de corte de gastos, mas não apenas, discutem-se ganhos de eficiência e o redesenho da política pública.

A ideia não é apenas levar dinheiro para o Tesouro, para a meta fiscal, mas obter ganhos adicionais e deixar eventuais recursos extras com o ministério envolvido na avaliação. A ministra cita exemplos de avanços no Ministério da Previdência, no INSS, e no Ministério do Desenvolvimento Social.

Sobre a presença de mulheres no ministério e no STF, que diminuiu ao longo do governo Lula 3, Tebet diz que não fala de política nem comentou esse assunto com o presidente, mas que discursa com frequência sobre o tema e que espera "compensações", como a nomeação de mulheres para o Supremo em um eventual governo Lula 4.

Tebet, do MDB, afirma que não vai subir em palanques de candidatos bolsonaristas que venham a ser apoiados por seu partido. Diz que o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, "um democrata", "que veio de baixo", do seu partido, não deveria ter ido à manifestação convocada por Jair Bolsonaro, o que disse ao presidente do seu partido, Baleia Rossi.

A senhora tem falado mais sobre um avanço dos planos de revisão de gastos. O que é prioridade para 2024 e 2025? Como fazer para isso chegar à prática?
Há coisas para serem anunciadas, embora a gente prefira fazer em silêncio a falar. Contesto essa ideia de que há lentidão na revisão de gastos. Essa agenda não é fácil. Em 2023, começamos a implantar uma cultura de planejamento. Não sucedemos um governo qualquer. Lula não está sucedendo Fernando Henrique.

Estamos sucedendo um governo disruptivo, sabemos aí da tentativa de golpe, e disfuncional, um desgoverno em que tudo era possível. Recriamos o ministério, criamos a Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas. Já havia o Conselho de Monitoramento de Políticas Públicas, com estudos fantásticos, mas de políticas em andamento, por vezes quando o leite já derramou, quando é ineficiente.

Agora, está começando uma avaliação ex-ante [prévia]. Uma cultura de planejamento vai levar dez anos. Mas estou otimista, porque os outros ministérios da Junta de Execução Orçamentária (Fazenda, Casa Civil, Gestão) estão cobrando revisões.

É revisão ou corte de gasto?
O Brasil gasta muito e mal. Mais do que falar em superávit ou em déficit, e o meu compromisso é ajudar a zerar o déficit, o principal objetivo da avaliação de políticas públicas, da revisão, é a qualidade de gastos. Temos uma contribuição para a meta fiscal, com a organização da máquina pública, com revisão e com corte mesmo, quando tem erro, fraudes e desperdícios.

O nosso papel principal é garantir qualidade do gasto público e fazer com que o recurso chegue à ponta, para quem mais precisa. Não vamos deixar faltar um centavo em programas sociais relevantes e eficazes para conseguir meta zero.

Simone Tebet durante entrevista à Folha, em São Paulo - Marlene Bergamo - 23.fev.24/Folhapress

Quais exemplos de revisões?
O caso do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), do Wellington Dias, com o Bolsa Família, de [exclusão] de 1,7 milhão de famílias unipessoais [artificiais, criadas para receber mais um benefício]. Pusemos uma meta de economizar R$ 7 bilhões para o Orçamento Geral da União e [dissemos] o "resto é seu" [o resto da possível economia fica no MDS]. Ele entregou os R$ 7 bilhões, havia fraude mesmo e conseguiu mais R$ 2 bilhões.

Salvo engano, ele me disse que fechou o ano com quase R$ 11 bilhões de economia. O que se conseguiu além dos R$ 7 bilhões voltou para o MDS, para fazer política social, para diminuir a fila do Bolsa Família, o que ele fez. É preciso ter metas e uma cenourinha [um incentivo]: que a sobra além da meta fique com o ministério.

O que mais?
No INSS, havia um objetivo inicial de [poupar] R$ 12,5 bilhões [no ano]. Estamos avaliando o seguro-defeso [uma espécie de seguro-desemprego para pescadores em períodos de proibição sazonal de pesca], auxílio-acidente, auxílio-doença, benefício de incapacidade permanente e Benefícios de Prestação Continuada (BPC).

Há o caso do Atestmed, mérito todo do INSS, criatividade deles. Por falta de médicos para fazer perícia, acabávamos pagando licença médica por acidente por mais tempo do que o necessário. Então, inverteu-se o processo de verificação e se concederam os benefícios apenas com apresentação de documentação. Esse programa, implantado a partir de maio, gerou algo em torno de R$ 5,6 bilhões [em 2023]. No ano inteiro podem chegar a R$ 7 bilhões, pelo que eles estão avaliando.

E a revisão do BPC (Benefício de Prestação Continuada, para idosos e pessoas com deficiência muito pobres), o que vai ser ?
A cada dois anos pela legislação, tenho que ver se aquela pessoa realmente se enquadra [nos critérios para receber o benefício]. Nunca foi feito, né? Mas isso é assunto do INSS, da Previdência. O nosso papel como ministério-meio, é planejar, organizar e coordenar. Mas, se a gente não tiver envolvimento do ministério, se ele não acreditar que possa contribuir, que ele vai ter uma parcela desse recurso [poupado] para implementar políticas públicas, não se vai avançar.

E o caso do seguro-defeso?
O benefício para pescadores. Segundo os dados da Pnad, a gente tem 240 mil, 250 mil pescadores. Só que a gente está pagando para 940 mil. Outro exemplo, o do Proagro, que vamos estudar. No ano passado, contingenciamos quase R$ 5 bilhões [suspendeu-se este gasto do previsto no Orçamento]. O Proagro é uma espécie de programa de seguro rural, para calamidades, clima etc., para agricultura tradicional, a maior parte para agricultura familiar. O Proagro saiu de R$ 1,7 bilhão em 2021 para R$ 5,2 bilhões em 2022 e para R$ 9,4 bilhões em 2023. Tivemos um pouquinho mais de problema de clima, mas não justifica passar de R$ 5 bilhões para R$ 9,4 bilhões.

O que o INSS deve fazer com o BPC é como o que foi feito no Bolsa Família, não vai mexer na estrutura. Pode se fazer um recadastramento, tirar tantas pessoas, mas para dar para quem precisa, não é nem para fazer economia, é para fazer justiça social. Para crescer, o Brasil precisa de investimento privado e precisa de investimento público, até para mim, que sou, assim, mais liberal. Por que não tem dinheiro público para investir? Porque a gente gasta muito e mal, tem esses desperdícios, erros e fraudes.

Um exemplo de despesa grande é a dos precatórios.
No Orçamento deste ano, precatórios são cerca de R$ 87 bilhões. A cada ano, aumenta mais. No PAC, tem só sessenta e poucos bilhões de investimento. Não tem lógica. Estamos num grupo de trabalho, com o comitê de riscos fiscais, capitaneado pela AGU, a fim de estudar o que está acontecendo com as requisições de pequeno valor, que somam cerca de R$ 30 bilhões.

A Fazenda, a AGU e nós, para não ser pegos de surpresa, ficamos com a lupa naquelas dívidas acima de R$ 1 bilhão. Mas a gente tem que cuidar desses pequeninos. Não é para segurar, é para rever a legislação, o que há de decisões do Supremo, mudar o pensamento e decisões do governo [a fim de evitar demandas judiciais e precatórios]. É trabalho de um ano, visão de 2025.

Esses casos são problemas conhecidos. Quais outras grandes áreas de revisão?
Nada é proibido. A única coisa que está interditada é a valorização do salário mínimo acima da inflação. Essa sempre vai acontecer. Mas, veja, só com esses programas do INSS e outros [mencionados acima] estamos falando de [poupar e/ou evitar despesa desnecessária] R$ 50 bilhões em três anos.

A revisão de gastos não está lenta. Está dentro do possível, de acordo com uma vontade política, de acordo com a que a gente sabe que o Congresso toparia fazer. Tem uma pauta que a gente tem de discutir, uma vez que o salário mínimo sobe acima da inflação, que é a indexação dos benefícios [sociais, do INSS]. Não estou dizendo que é para acabar com tudo, mas é uma pauta que a gente tem de enfrentar. Não estou dizendo que o presidente aceitaria, mas esse é o nosso papel. Não dá para mexer no BPC, mas dá para mexer no abono salarial? No seguro-desemprego?

Benefícios previdenciários também?
Temos de discutir tudo.

Haddad havia falado no ano passado de rever a vinculação do gasto em saúde e educação ao aumento da receita.
Haddad é mais otimista com a política. Acho que vamos colocar [a discussão], não estou dizendo que neste semestre, pode ser que apresentemos o relatório para o presidente neste ano, vamos colocar na mesa o piso de saúde e educação. Nada está interditado. Nosso papel é apresentar os dados. Aí vem a discussão política. Há "ene" maneiras de rever o piso de educação e saúde.

Imaginando, você pode atrelar ao novo regime fiscal, ao crescimento de até 70% [do aumento total da receita]. Mas nem comecei a mexer com isso. O que se pode dizer é que está tudo na mesa, mas é um ano em que, sendo realista, a coisa não anda. Mas, mesmo que algumas coisas sejam barradas, por decisão política ou porque não passa no Congresso, temos convicção de que temos muita gordura para cortar.


Raio-X | Simone Nassar Tebet, 54

Ministra do Planejamento e Orçamento. Candidata a presidente da República em 2022, ficou em terceiro lugar, com 4,16% dos votos. Foi senadora (MDB-MS) de 2015 a 2023, vice-governadora de Mato Grosso do Sul (2011), prefeita de Três Lagoas (2005-2010) e deputada estadual (2003-2004). Advogada e professora, formou-se em direito na UFRJ e fez mestrado na PUC-SP.

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