Ampliação de empréstimos a estados e municípios entra no radar de órgãos de controle

Forte expansão das operações chamou atenção da CGU, que deve averiguar critérios de análise de risco

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Brasília

A injeção de recursos em estados e municípios patrocinada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por meio da concessão de empréstimos, sobretudo via bancos públicos, entrou na mira dos órgãos federais de controle.

A expansão do crédito chamou a atenção da CGU (Controladoria-Geral da União), que tem entre suas competências acompanhar a atuação das instituições financeiras oficiais. O órgão deve se debruçar sobre esse tema específico, com o objetivo de entender se as operações foram feitas respeitando critérios de análise de risco.

O assunto também costuma ser acompanhado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e se relaciona com o monitoramento da evolução da dívida pública, feito de forma permanente pelo órgão.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros; banco foi recordista de crédito a estados e municípios em 2023 - Adriano Machado - 16.jan.23/Reuters

Como mostrou a Folha, o governo Lula turbinou a concessão de crédito a estados e municípios em seu primeiro ano de mandato e permitiu a liberação de ao menos R$ 43,3 bilhões em dinheiro novo para gastos e investimentos.

O valor foi 142% maior do que em 2022, segundo o levantamento da reportagem feito a partir de dados do Banco Central.

Do montante concedido, R$ 38,7 bilhões (89,3% do total) vieram de Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Só o BB emprestou R$ 19,9 bilhões, de acordo com os registros —um aumento de 800% em relação a 2022.

Para este ano, o espaço para novos empréstimos será ainda maior, de até R$ 74,2 bilhões.

Algumas das instituições oficiais já estão com aprovações bilionárias engatilhadas, em um indício de que o dinheiro deve continuar irrigando os governos locais em 2024.

Segundo interlocutores do governo, a CGU observa com atenção o aumento no fluxo de recursos federais para estados e municípios. No entanto, como neste caso se tratam de empréstimos, o órgão enfrenta maiores limitações para fiscalizar o uso da verba na ponta, já que são ações tocadas pelos governos locais.

Por isso, a estratégia é analisar a questão sob o ponto de vista da concessão dos financiamentos pelos bancos, que são instituições federais sob a jurisdição da CGU.

O TCU, por sua vez, tem histórico no acompanhamento dessas operações.

Em 2017, o tribunal de contas abriu uma auditoria para averiguar a decisão do governo Dilma Rousseff (PT) de conceder, entre 2012 e 2014, garantias bilionárias a estados que já estavam em péssimas condições financeiras —entre eles o Rio de Janeiro, que deu o calote na União apenas alguns anos depois, em 2016.

As regras da época permitiam ao ministro da Fazenda, em uma única canetada, abrir uma exceção e autorizar a operação com garantia federal independentemente da capacidade de pagamento do ente. Boa parte do crédito foi dada a estados com notas C e D, as piores na classificação de risco do Tesouro Nacional.

Em 2018, o TCU entendeu que houve "culpa grave" do então ministro Guido Mantega e do secretário do Tesouro Nacional à época, Arno Augustin, e aplicou uma multa de R$ 10 mil a cada um.

Antes mesmo do julgamento, o governo Michel Temer (MDB) eliminou o dispositivo que permitia a aprovação das garantias aos estados em dificuldades em caráter de exceção. Desde então, essas operações vinham se mantendo numa faixa de até R$ 20 bilhões ao ano.

A atual guinada na política de concessão de empréstimos atende a um pedido de Lula, que já na campanha eleitoral prometia facilitar o acesso de estados e municípios a recursos para ampliar investimentos e contribuir na sustentação da atividade econômica. Mas a decisão também aproveita uma brecha criada na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Em 15 de dezembro de 2022, o governo passado decidiu retirar do limite fixado pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) as operações contratadas por entes que aderiram a planos de ajuste acompanhados pelo Tesouro Nacional. Isso inclui estados que renegociaram suas dívidas com a União em 1997 e aqueles que ingressaram em programas de socorro mais recentes, como o RRF (Regime de Recuperação Fiscal).

A decisão criou uma esteira paralela de empréstimos que, só neste ano, pode ficar em R$ 48,2 bilhões. O governo Lula assumiu e não só manteve as exceções, mas também aprovou um limite extra de R$ 26 bilhões para 2024.

O Tesouro confirmou à Folha que o espaço total neste ano é a soma dos dois valores (ou seja, R$ 74,2 bilhões), embora "não seja possível precisar o valor global que será contratado".

O crédito para estados e municípios é um elemento relevante para compreender o quadro fiscal e econômico do país. Quando não são desvirtuados para bancar despesas correntes (como aumentos salariais), esses empréstimos puxam os investimentos a curto prazo, impulsionando o PIB (Produto Interno Bruto).

O problema é que o ingresso de dinheiro novo, via crédito, abre espaço para ampliar despesas. Quando esse fôlego acaba, há risco de desequilíbrio e dificuldade para bancar obrigações com servidores e credores. Ele também afeta o endividamento do governo como um todo.

Dentro do governo, técnicos mais antigos veem a expansão das operações com preocupação e se referem ao quadro como um "liberou geral".

O posicionamento dos bancos é de que as aprovações seguem diretrizes estabelecidas na política de crédito de cada instituição.

O BB disse em nota que 93% das operações têm garantia do Tesouro Nacional e a inadimplência da carteira com o setor público é zero, o que a instituição aponta como evidência de "qualidade de nossas análises e das operações".

O BNDES afirmou que a avaliação é realizada por unidades do banco "dedicadas exclusivamente a avaliações de risco de crédito, cadastral e de integridade, segregadas das unidades de negócio do banco". Segundo a instituição, as operações também seguem diretrizes estabelecidas pelo Banco Central e são submetida à avaliação colegiada previamente ao processo de deliberação sobre a concessão do crédito.

A Caixa informou que "atua com protagonismo" na concessão de crédito aos entes subnacionais e que os contratos têm garantias da União ou dos próprios estados e municípios, "não havendo registro de operação em situação de inadimplência".

"A Caixa esclarece que as contratações realizadas em 2023 obedeceram aos limites definidos na resolução CMN 4.995 e encontram-se regularmente registradas no Cadip [sistema do Banco Central]", afirmou.

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