Comento o caso do professor Anderson, 50, que quer comprar imóvel para deixar para dois filhos

Aquisição de qualquer bem pode ser sempre analisada diante do aspecto financeiro e subjetivo, que nem sempre convergem

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Michael Viriato Araujo

É professor e assessor da Casa do Investidor e autor do blog De Grão em Grão, na Folha. Foi professor de finanças do Insper, da USP e da FGV nos últimos 15 anos. Possui as certificações financeiras CFA e CFP

Tenho vontade de comprar um apartamento dando de entrada parte de minhas economias e financiando o restante, com prestações próximas ao que atualmente pago de aluguel e condomínio (cerca de R$ 1.800). A princípio, penso em registrar o apartamento no nome de meus dois filhos, tendo eu o direito a usufruto. Assim, eu não precisaria mais pagar aluguel e poderia deixar um patrimônio para eles. Eu gostaria de saber sua opinião sobre este plano e qual momento seria mais adequado para executá-lo.

Anderson, 50

Professor

A aquisição de qualquer bem pode ser sempre analisada diante de duas óticas distintas: a financeira ou quantitativa e outra subjetiva que pode ser expressa por razões diversas. Nem sempre as duas visões convergem para o mesmo diagnóstico. Quando não há consenso entre as duas, apenas a própria pessoa consegue ponderar qual das duas vai prevalecer. Esse é o dilema que vamos enfrentar hoje.

Quando decidimos a compra de um bem de pequeno valor, por exemplo, uma camiseta, o custo de tratar o aspecto quantitativo é desnecessário e é mais razoável apenas responder à pergunta: é realmente necessária a compra desse bem?

Algumas vezes pode até ser que a aquisição não seja necessária, mas a satisfação que a utilização do bem pode trazer mais do que compensa.

Nos bens de elevado valor, por exemplo, automóveis ou imóveis, a análise quantitativa deve ter cadeira cativa. Isso ocorre pois a aquisição pode comprometer a trajetória de sua vida financeira.

Anderson, 50, é professor do ensino público e tem vontade de ter um segundo imóvel - Adobe Stock

Anderson passa por esse dilema. Ele é professor do ensino público, tem 50 anos e está refletindo a compra de um segundo imóvel.

Transcrevo sua dúvida: "Tenho vontade de comprar um apartamento dando de entrada parte de minhas economias e financiando o restante, com prestações próximas ao que atualmente pago de aluguel e condomínio (cerca de R$ 1.800). A princípio, penso em registrar o apartamento no nome de meus dois filhos, tendo eu o direito a usufruto. Assim, eu não precisaria mais pagar aluguel e poderia deixar um patrimônio para eles. Eu gostaria de saber sua opinião sobre este plano e qual momento seria mais adequado para executá-lo."

Talvez você tenha notado, mas destaco que Anderson não falou "que precisa", mas que "tem vontade" de comprar um imóvel.

Sua condição é particular. Ele já tem um imóvel, mas este é ocupado por sua ex-esposa junto com os dois filhos. Ele se separou e hoje mora de aluguel. O custo mensal deste aluguel é de R$ 1.100 e o imóvel que ele deseja comprar é de aproximadamente R$ 275 mil.

O primeiro teste quantitativo para entender se vale ou não comprar um imóvel é dividir o custo do aluguel pelo valor do imóvel. Esta razão representa a taxa de aluguel.

Hoje a taxa de aluguel de Anderson é de 0,4% ao mês. Multiplicando esta taxa por 12, encontramos o valor de 4,8% ao ano. Esta é a taxa de juros que Anderson deve comparar com aplicações financeiras para decidir quantitativamente se aplica seu dinheiro em um imóvel ou em um CDB rendendo IPCA+6% ao ano. A taxa de juros líquida de IR na aplicação financeira é próxima da taxa de aluguel.

Anderson tem todo o dinheiro disponível para a aquisição. Logo, ele poderia ficar indiferente entre comprar ou não o imóvel se ele acredita que o imóvel vai se valorizar pelo menos o IPCA no futuro. Entretanto, ele não pretende usar todo o dinheiro, mas sim financiar o imóvel.

Já a decisão de financiar seria um péssimo negócio. Um financiamento encarece a aquisição de forma considerável. Principalmente neste momento, em que as taxas de juros estão mais elevadas.

Logo, ele deve decidir apenas entre comprar à vista ou manter o aluguel e, nesse caso, a decisão deve considerar os aspectos subjetivos, pois passa pelo critério quantitativo se ele espera que o imóvel se valorize do IPCA.

Mas, Anderson não deseja comprar o imóvel simplesmente para sair do aluguel. Ele deseja colocar o imóvel no nome dos dois filhos para deixar um patrimônio para eles. Esse é o critério subjetivo com o qual ele justifica seu desejo. Entretanto, essa não é uma boa justificativa.

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Primeiro, ele deve considerar que vai ter de pagar o imposto de doação se pretende doar agora o imóvel com reserva de usufruto. Entretanto, esse não é o principal problema.

O segundo problema vem da dissonância entre achar que está se fazendo algo bom e o beneficiário não perceber como algo positivo.

Vou dar um exemplo que ocorreu comigo. Há um mês meu irmão voltou dos EUA e me trouxe um iPhone último modelo. Ninguém pode negar que é um baita presente. Entretanto, eu não gosto de Apple. Agradeci imensamente, mas expliquei para ele que ou eu o venderia ou o subutilizaria, pois não abandonaria o meu Samsung. Resolvemos que era melhor ele mesmo ficar com o celular, pois o dele não era o último modelo, ele gosta de Apple e meu sobrinho ficaria com o antigo dele.

Muitos pensam em deixar algo para os filhos e logo cogitam em imóvel. Esse pode não ser o melhor presente e dou outras razões. Anderson tem 50 anos. A maior probabilidade é que ele viva por mais de 30 anos, ultrapassando os 80.

Coloco aqui minha opinião como filho de um pai que tem imóvel. Eu não me imagino morando na casa que meus pais moravam há 30 anos. Inclusive, estou em outra cidade. É muito importante considerar que os filhos não vão morar no mesmo imóvel dos pais, nem, possivelmente, em um imóvel que você deseja comprar para eles hoje.

Em 30 anos, esse imóvel que Anderson pretende comprar hoje deve estar longe do desejo de seus filhos.

A situação fica ainda mais complexa quando se tem mais de um filho, pois o imóvel só serviria para um deles. Daí a briga está armada. Essa situação costuma gerar brigas familiares, pois um dos filhos deseja alugar, outro vender ou morar no imóvel sem pagar aluguel.

Sugiro uma perspectiva que acredito ser mais apropriada. Os filhos de Anderson possuem 21 e 22 anos. Logo eles vão sair da faculdade e vão também deixar de morar com a mãe. Assim, o imóvel em que hoje mora a mãe pode se tornar grande apenas para ela. Nesse momento, ela mesma pode querer se mudar para algo mais apropriado à nova realidade.

A sugestão seria esperar esta situação chegar e vender o imóvel maior. Com o dinheiro e as economias, será possível comprar dois imóveis com tamanho mais apropriado para a nova condição de cada um do casal.

Assim, se resolvem três problemas. Primeiro, resolve-se o problema da separação justa dos bens do casal. Segundo, evita-se o pagamento de IR desta venda, pois o recurso seria usado para a compra de outro imóvel. Por fim, por serem dois imóveis de tamanho mais equilibrado, a sucessão patrimonial para os filhos será mais simples se ainda houver a intenção de adquirir um imóvel para essa finalidade.

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