Manifesto pede mais impostos para ultraprocessados na reforma tributária

Por enquanto, há discussões sobre taxação seletiva que incida somente sobre fumo e bebidas alcoólicas

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São Paulo

Um manifesto que reúne médicos de várias áreas, como o oncologista Drauzio Varella, ex-ministros da Saúde, como Artur Chioro e José Gomes Temporão, personalidades, pesquisadores, economistas, entidades científicas e da sociedade civil está pedindo a inclusão do imposto seletivo sobre produtos ultraprocessados na reforma tributária.

Esse imposto tem como objetivo tributar a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao ambiente. No estudo em que calculou qual seria a alíquota dos novos tributos, o Ministério da Fazenda considerou um imposto seletivo que incida somente sobre fumo e bebidas alcoólicas.

A proposta é que os ultraprocessados, produtos fabricados com muitos aditivos químicos, além de excesso de açúcar, sal e gordura, como refrigerantes, salsichas e salgadinhos de pacote, façam parte desse grupo. O tema ainda será regulamentado em lei complementar.

Estudos mostram que a tributação é a política pública mais eficaz para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde - Adobe Stock

O manifesto também defende que esses produtos não devam receber qualquer tratamento fiscal favorável com alíquotas reduzidas.

"É um tema [os malefícios dos ultraprocessados] que ganhou uma robustez inquestionável do ponto de vista da ciência. Não podemos deixar passar a reforma tributária, uma oportunidade histórica, sem pautar isso. É muito importante trazer esse tema para o debate público", afirma Paula Johns, diretora-executiva da ACT Promoção da Saúde, que assina o manifesto.

Mais de 55 países já adotaram uma tributação majorada sobre algum tipo de produto ultraprocessado ou bebidas adoçadas. A tributação de produtos nocivos à saúde conta com apoio de 94% da população, segundo pesquisa Datafolha de 2023.

De acordo com o documento, o Brasil vive um momento particularmente delicado no que diz respeito à garantia da alimentação adequada, direito humano previsto na Constituição Federal.

"Temos um contexto de elevada insegurança alimentar e fome e, ao mesmo tempo, assistimos a um crescimento alarmante dos indicadores de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes e câncer, que têm como uma de suas principais causas a alimentação não saudável", diz um trecho.

Para enfrentar esse duplo desafio, afirma o manifesto, é necessário atuar em duas frentes. De um lado, estimular os alimentos saudáveis, essenciais à vida, como arroz, feijão, frutas, legumes e grãos. Isso deverá ser feito principalmente por outro instrumento criado pela reforma tributária, a cesta básica nacional de alimentos com alíquota zero.

Do outro lado, defende o documento, é preciso desincentivar, por meio do imposto seletivo, os produtos ultraprocessados, que têm se tornado cada vez mais baratos e acessíveis à população.

Pesquisas científicas têm demonstrado a associação de produtos ultraprocessados a várias doenças ligadas à obesidade, como as cardiovasculares e o câncer. Globalmente, a obesidade leva a custos diretos de saúde e perda de produtividade da ordem de US$ 2 trilhões anuais

Estudo recente da USP (Universidade de São Paulo) revelou que 57 mil pessoas entre 30 e 69 anos morrem todos os anos no Brasil em decorrência do consumo desses produtos. Isso corresponde a 10,5% de todas as mortes precoces de adultos nessa faixa etária.

"Do ponto de vista da saúde e da economia, é fundamental buscar formas de mitigar parte das externalidades causadas por essa categoria de produtos comestíveis que não agregam nada em termos nutricionais e causam danos à saúde, impactos ambientais e custos ao sistema de saúde", diz Johns.

Esses produtos também geram impactos ambientais importantes. A emissão de gases de efeito estufa oriundos dos ultraprocessados aumentou 245% entre 1987 e 2018, enquanto sua pegada hídrica cresceu 233%.

Segundo o documento, diversos estudos mostram que a tributação é a política pública mais eficaz para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde.

O Brasil já deu o primeiro passo na regulação desses produtos com a decisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de 2021 de obrigar os fabricantes a colocar uma advertência na parte frontal das embalagens.

"Agora, com a regulamentação da reforma tributária, o governo federal e o Congresso Nacional têm a oportunidade de avançar significativamente na garantia do direito à alimentação adequada e saudável ao implementar o imposto seletivo para produtos ultraprocessados", diz o manifesto.

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