Tarifa de Itaipu deveria ter caído para US$ 10,77 com fim da dívida

Análises foram feitas por grupo técnico da própria usina, mas tarifa ficou em US$ 16,71; OUTRO LADO: Itaipu nega projeção

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São Paulo

A tarifa de energia de Itaipu Binacional poderia ter caído para US$ 10,77 pelo kW (kilowatt) no ano passado, quando foi quitada a dívida para a construção da hidrelétrica.

O dado consta de projeção feita por grupo de trabalho interno da própria hidrelétrica, o Cecuse (Comitê de Estudos para Avaliação do Custo Unitário do Serviço de Eletricidade de Itaipu).

A Folha teve acesso a estudos tarifários anuais e as projeções do grupo em diferentes anos.

O Cecuse é o grupo técnico com representantes do Brasil e do Paraguai. Foi criado nos anos de 1990 justamente para, anualmente, fazer estudos tarifários a partir dos custos. Também faz projeções.

Usina Hidrelética Itaipu Binacional
Vista da hidrelética Itaipu Binacional; divide foi paga, mas despesas subiram - 29.10.23 - José Fernando Ogura/ANPr

Historicamente, o valor definido no estudo tarifário é submetido à diretoria, ao conselho e aprovado.

A Folha também conversou com pessoas que acompanham a empresa. Todas confirmaram que os cálculos do Cecuse mostrando a queda do valor da tarifa são conhecidos em diferentes órgãos do governo.

As projeções mostram que a dívida contraída para a construção da hidrelétrica cairia em 2022 e seria quitada no ano seguinte após o pagamento de um valor residual, o que levaria a fortes reduções nos custos e, consequentemente, da tarifa e da conta de luz.

O levantamento do Cecuse destaca que a tarifa ficou congelada em US$ 22,60/kW de 2009 a 2021. A dívida, então, consumia pouco mais de US$ 2 bilhões por ano.

Em 2022, essa despesa caiu para US$ 1,4 bilhão, e isso permitiria que a tarifa caísse para US$ 18,75. No entanto, o valor fixado foi de US$ 20,75/kW, 10,66% acima.

No ano passado, o custo anual da dívida ficaria abaixo de US$ 300 milhões, o que, pela projeção do Cecuse, levaria a tarifa aos US$ 10,77. O valor fixado, no entanto, foi de US$ 16,71, 55% mais que o previsto pelo comitê.

Especialistas que conhecem as normas do tratado e seus anexos afirmam que a discrepância entre o projetado pelo grupo técnico e o valor efetivamente praticado é uma demonstração de que os governos dois lados da fronteira estão elevando os gastos de Itaipu com obras e projetos socioambientais à medida que as despesas com o pagamento da dívida foi caindo.

Detalhe: 85% da energia de Itaipu é paga por brasileiros das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O valor é obrigatoriamente debitado na conta de luz.

Pelo definido no acordo bilateral, a tarifa de Itaipu é o valor necessário para manter a hidrelétrica em operação e cumprindo suas obrigações, como pagar royalties aos municípios afetados pela usina.

Obras e projetos socioambientais são registrados na contabilidade de Itaipu como despesa de exploração. No governo Jair Bolsonaro (PL), a dívida começou a cair, mas os gastos com obras escalaram, e a despesa de exploração passou a subir.

O primeiro diretor-geral de Itaipu da gestão bolsonarista, o general de Exército Joaquim Silva e Luna, fez ajustes, cortou pessoal, enxugou a estrutura operacional, revisou convênios e patrocínios nos dois anos em que ficou no comando. Com a economia, ampliou o plano de investimentos da usina mantendo o valor da tarifa.

Em abril de 2021, Luna e Silva foi substituído pelo também general João Francisco Ferreira, que ficou apenas dez meses no cargo e pediu exoneração.

O último diretor-geral na gestão Bolsonaro, almirante Anatalicio Risden Junior, assumiu em janeiro de 2022 anunciando o compromisso de ser um negociador com o Paraguai. Coube à sua gestão acompanhar a discussão do primeiro reajuste tarifário em 13 anos graças à redução do custo de dívida de US$ 2 bilhões ao ano para US$ 1,4 bilhão.

Foi quando a despesa de exploração, que ficava entre US$ 760 milhões e US$ 800 milhões por ano, ultrapassou US$ 1 bilhão pela primeira vez na história.

Risden encerrou o mandato distribuindo um anúncio em que destacava 26 empreendimentos financiados pela tarifa de energia na gestão bolsonarista de 2019 a 2022. Bolsonaro foi a inúmeros eventos no Paraná, não raro acompanhado do presidente do Paraguai, para lançar ou inaugurar obras.

O Paraná foi um dos 14 estados onde ele venceu no segundo turno da eleição presidencial de 2022, com 62,40% dos votos válidos.

Anúncio de obras de Itaipu; gestão bolsonarista divulgou empreendimentos da usina - Divulgação

Existia a expectativa de que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) revisse essa estratégia, uma vez que é preciso reduzir o custo da energia brasileira, cada vez mais cara. No entanto, ela foi ampliada e críticos dizem que para repetir a receita política de Bolsonaro.

O novo diretor-geral, Enio Verri, anunciou o programa "Itaipu Mais que Energia", prevendo investimentos de R$ 1 bilhão em projetos de desenvolvimento regional. Ao mesmo tempo, expandiu a área de abrangência da usina para atender todos os 399 municípios do Paraná e outros 35 de Mato Grosso do Sul.

Já foi anunciado ainda que Itaipu vai custear uma nova área para as emas no Palácio do Alvorada. Em 28 de março, Itaipu formalizou que vai investir R$ 752 milhões para concluir a Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana). Estuda colocar R$ 1 bilhão em obras de saneamento em Belém, para a cidade receber a COP-30, conferência da ONU sobre mudanças climáticas.

O balanço consolidado de Itaipu referente ao ano passado ainda não foi divulgado, mas a projeção é que a despesa de exploração tenha subido para casa de US$ 1,5 bilhão.

Atualmente, há uma queda braço entre Brasil e Paraguai pela tarifa de 2024. Provisoriamente, o Brasil está aplicando o mesmo valor do ano passado, mas o governo de Santiago Peña quer mais.

Itaipu afirma que projeção inexiste

OUTRO LADO

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa negou que a projeção tenha sido feita, apesar de a Folha ter tido acesso aos documentos da empresa e ter complementado a apuração com relatos de pessoas ligadas à Itaipu que também tiveram acesso aos dados.

"A projeção citada na matéria inexiste dentre os documentos oficiais da entidade", afirmou o texto.

A assessoria manteve o argumento de que a tarifa é fruto de entendimento entre Brasil e Paraguai, com base em custos definidos nos acordos bilaterais.

"Destacamos que a tarifa de Itaipu, definida anualmente por consenso entre Brasil e Paraguai, considera as despesas de exploração (operação, manutenção, gestão da empresa e projetos socioambientais), os encargos do Anexo C (como o pagamento dos royalties) e os empréstimos e financiamentos (entre eles, a dívida de construção da usina). Em 2023, em vista da diminuição das obrigações contraídas com a dívida da construção da usina, fruto de árdua negociação entre a gestão brasileira e paraguaia, a tarifa de Itaipu reduziu 19,5%."

A assessoria afirmou ainda que Itaipu continuará mantendo recursos para investir nas diretrizes estabelecidas pelo governo federal e de acordo com sua missão: "Gerar energia elétrica de qualidade com responsabilidade social e ambiental, contribuindo com o desenvolvimento sustentável no Brasil e no Paraguai".

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