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Inovação nem sempre traz progresso, escrevem economistas do MIT

Daron Acemoglu e Simon Johnson dizem que tecnologias podem piorar a qualidade de vida e alertam que pode ser o caso da IA

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Rafael Cariello

Jornalista e historiador, é coautor de 'Adeus, Senhor Portugal' com Thales Zamberlan Pereira

Poder e Progresso: Uma Luta de Mil Anos entre a Tecnologia e a Prosperidade

  • Preço R$ 114,90 (512 págs.); R$ 44,90 (ebook)
  • Autoria Daron Acemoglu e Simon Johnson
  • Editora Objetiva
  • Tradução Cássio Arantes Leite

Quase todos os países do mundo têm renda per capita mais alta, hoje, do que a da Inglaterra em 1800. Em média, bolivianos e indianos produzem mais e vivem melhor, em 2024, do que os súditos do rei George 3º.

O fato de que mesmo nações reconhecidamente pobres sejam mais prósperas, atualmente, do que a maior potência global de dois séculos atrás serve como prova da transformação engendrada, em escala planetária, pela Revolução Industrial.

foto em preto e branco de homem branco de terno sem gravata e com óculos e cavanhaque
O influente economista turco Daron Acemoglu, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) - CODY O'LOUGHLIN/Cody O'Loughlin/The New York Times

Por que ocorreu tamanha reviravolta, capaz de gerar enormes desigualdades, mas também um aumento generalizado de expectativa e de qualidade de vida? A resposta curta é a seguinte: porque a partir do final do século 18 passamos a ter fábricas e, nelas, máquinas modernas; depois locomotivas e trens ligando as cidades; e um pouco mais tarde, barcos a vapor a cruzar oceanos.

Foi a adoção de soluções tecnológicas novas, uma depois da outra, que multiplicou a quantidade de bens, alimentos e serviços que cada trabalhador é capaz de produzir. A chave do progresso e do futuro esteve —está— na inovação tecnológica. É difícil encontrar um economista que não concorde, em termos gerais, com essa explicação.

Talvez fique mais fácil a partir de agora. Em "Poder e Progresso: Uma Luta de Mil Anos entre a Tecnologia e a Prosperidade", os economistas Daron Acemoglu e Simon Johnson defendem que o progresso não deriva, de forma automática, das inovações tecnológicas. Depende do tipo de inovação.

Algumas têm efeito agregado positivo, criando novos postos de trabalho e elevando a renda. Mas há outras que não fazem mais do que substituir trabalhadores, promovendo uma piora da qualidade de vida da maioria das pessoas, mesmo quando aumentam a produtividade das fábricas e o lucro dos patrões.

Aos mais conservadores, pode soar como discurso de algum antigo colega de faculdade, entreouvido na salinha esfumaçada do DCE. Vale então lembrar que um dos coautores, Acemoglu, é provavelmente o economista mais produtivo e influente do mundo há um quarto de século.

Dada a carteirada ("você sabe quem está lendo?"), voltemos ao argumento. Acemoglu e Johnson concordam que nos últimos dois séculos a humanidade conheceu padrões inéditos de prosperidade. E concordam que essa prosperidade nasceu do aumento do número de fábricas e da quantidade de gente que passou a morar nas cidades. Mas não porque o uso de maquinário e o aumento de produtividade da indústria tenham se convertido automaticamente em prosperidade.

Mais importante, segundo eles, foi o fato de que as fábricas permitiram que os trabalhadores se reunissem em um espaço comum, onde puderam engendrar um contrapoder operário. Sindicatos e partidos social-democratas viriam a influenciar, por meios políticos, a adoção de novas tecnologias específicas, do tipo capaz de criar prosperidade compartilhada, a partir de meados do século 19.

A ideia fica mais compreensível por contraste histórico. Na Idade Média, argumentam os autores, também foram criadas tecnologias que aumentaram bastante a produtividade agrícola e industrial dos feudos. A adoção de moinhos de vento e inovações no funcionamento dos moinhos hidráulicos, por exemplo, permitiram que a produção por hectare praticamente dobrasse entre os anos 1000 e 1300. E, no entanto, a nova tecnologia beneficiou apenas uma minoria de proprietários.

A vida dos camponeses, sujeitos a um regime servil e sem disputar a renda gerada pelos novos moinhos, só piorou, nesse mesmo período. O perigo que enfrentamos hoje, com a inteligência artificial e seus impactos econômicos, é o de repetir algo dessa história medieval, defendem os autores.

O argumento político, eminentemente progressista, de Acemoglu e Johnson é inteligente, bem embasado, mas faz parte de um debate que ainda está em aberto.

Acemoglu tem produzido artigos acadêmicos que sustentam a hipótese de que certos avanços tecnológicos podem ter efeitos agregados negativos sobre emprego e renda. Outros bons pesquisadores já encontraram, contudo, efeitos opostos.

O livro não apresenta esse debate. Tampouco procura ser convincente, nem se desdobra em argumentos sobre outras proposições —que estão longe de ser consensuais— contidas em suas páginas. Prefere apostar em uma espécie de divulgação para um público amplo imaginário, que os autores talvez considerem desinteressado ou incapaz de seguir as idas e vindas, pontos e contrapontos de ideias complexas.

A aparente facilitação promovida pelo texto de Acemoglu e Johnson, ao adotar o tom ligeiro de livros de não ficção "de aeroporto", cumpre na verdade um papel elitista, de quem só se dispõe a dialogar de verdade com seus pares. Ou nos inteiramos dos prós e contras de suas ideias acompanhando artigos em revistas especializadas de economia, ou temos que nos dar por satisfeitos com certa deitação de regra tatibitati.

Corajoso e provocador na sua ideia central, "Poder e Progresso" é para lá de conservador na forma, soando às vezes como uma grande carteirada acadêmica.

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