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Júlio Pimentel cria novas teses fundamentais para ler a América Latina

'Sobre Literatura e História' passeia por teorias e mergulha em Cortázar, Piglia, Borges e até autoficção mais recente

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Beatriz Resende

É professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Sobre Literatura e História: Como a Ficção Constrói a Experiência

  • Preço R$ 99,90 (272 págs.); R$ 44,90 (ebook)
  • Autoria Júlio Pimentel Pinto
  • Editora Companhia das Letras

"Sobre Literatura e História: Como a Ficção Constrói a Experiência", de Júlio Pimentel Pinto, reúne ensaios que já haviam sido publicados, organizando reflexões sobre teoria da história e literatura.

Homem branco careca veste camisa branca de botão
Júlio Pimentel Pinto, historiador e autor de 'Sobre Literatura e História: Como a Ficção Constrói a Experiência'. - Arthur Silva/Divulgação

Na primeira parte: "Teoria", juntam-se a historiadores como Hayden White pensadores decisivos para liberar o estudo da obra literária de seus críticos disciplinares: Jean-Paul Sartre, Jacques Rancière e Georges Didi-Huberman, além de escritores como Mario Vargas Llosa e Italo Calvino. Se tais autores aproximam o estudo da literatura da história, outras referências como Le Goff e Carlo Ginzburg não deixam de se revelar narradores carregados de literariedade.

Nas seções seguintes: "Diálogos" e "Leituras", o livro desenvolve caminho original ao lançar mão do comparatismo, recurso importante no estudo de obras literárias em cotejo com outras disciplinas. Assim, temos Julio Cortázar e Edgar Allan Poe ou Sousândrade e Marti, parceria absolutamente original, e ainda Ricardo Piglia e as utopias cubanas.

Profundo conhecedor da literatura latino-americana, Pimentel se desloca da obra de Juan Carlos Onetti, autor que aponta ser a ficção é o único local onde ainda se pode viver, até a geração pós-boom, contestadora do realismo mágico.

O Brasil aparece com Milton Hatoum e a importância das dimensões de passado e memória. Afirma o professor: "O passado é estrutura do tempo e a memória é estratégia de investigação, mas é preciso identificar o que suporta o tempo e a memória".

Capa de livro com riscos pretos e título escrito em azul
Capa do livro 'Sobre Literatura e História', de Júlio Pimentel. - Divulgação

É claro que o livro atravessa a obra de Borges nadando de braçada, mas é Piglia quem rouba a cena. Como diz o autor, é uma obsessão. Aparece e reaparece por quase todos os textos.

Os diários de Emilio Renzi, onde surgem os duplos do escritor, "mesclam história, memória, ficção e exercício de crítica" e oferecem várias chaves para a proposição de juntar história e ficção. A posição do leitor diante do texto é preocupação indicada já na apresentação como "personagem central e decisivo".

A quarta parte é a mais desafiante. "Mais teoria" discute o diário como álbum. É o ensaio mais recente e parte dos "Cadernos Proibidos" de Alba de Céspedes. A escritora, porém, é apenas um gancho. O corpus de Pimentel é o canônico, e o cânone é patriarcal, masculino. Escritoras não são objeto de estudo, nem mesmo as irmãs Victoria e Silvina Ocampo.

No capítulo, o apoio de Roland Barthes com o conceito de biografema é importante para o entendimento do que há de ficcional ou autobiográfico nos diários. A "escrita de si", em suas múltiplas formas, de Foucault até agora, vem se tornando recurso fundamental na literatura contemporânea, mexendo de forma decisiva nas relações entre ficcional e experiência histórica.

Questões como a morte do autor recebem novas configurações na literatura que evidencia o íntimo, o privado e o público. A pergunta de Ricardo Piglia/Emilio Renzi que fala em "recolha de circunstâncias" é fundamental: "Num diário ou num texto de ficção, quem diz eu?".

Silvia Molloy fala em formas diversas de autofiguração, Didier Eribon e Édouard Louis, fazendo de suas vidas literatura ou ensaio sociológico, afirmam que a chave de si mesmo está na classe social de que vieram. Annie Ernaux identifica seus romances como "autossociobiográficos".

O autor aponta que história e ficção constroem a experiência e o trabalho de ficção "se dedica a estetizar o real". A discussão contemporânea e sobretudo a escrita das mulheres ("fragmentos da experiência vivida", em Alba de Céspedes) onde o relato da vida cotidiana é legitimado, indicam também uma outra direção: a experiência constrói a ficção.

Para ler tais autores, "Sobre Literatura e História" é fundamental e as teses levantadas merecem ser levadas adiante, chegar até hoje. É novamente Annie Ernaux quem diz, ao final de "Uma Mulher": "Isto não é uma biografia, nem um romance, evidentemente, talvez alguma coisa entre literatura, sociologia e história".

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