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Virginia Woolf e Victoria Ocampo inventam uma à outra em troca de cartas

Livro inédito reúne a correspondência entre escritoras britânica e argentina ao longo da década de 1930

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Lívia Prado

Historiadora e tradutora, tem mestrado em estudos latino-americanos

Victoria Ocampo e Virginia Woolf – Correspondência

  • Preço R$ 76 (208 págs.)
  • Autoria Victoria Ocampo e Virginia Woolf
  • Editora Bazar do Tempo
  • Tradução Emanuela Siqueira, Nylcéa Pedra e Rosalia Pirolli

Em 1934, durante uma exposição em Londres do fotógrafo Man Ray, que ela visitava na insólita companhia de Aldous Huxley, Victoria Ocampo conhece Virginia Woolf.

A intelectual argentina sabia muito bem quem era a escritora britânica, que então já publicara obras de prestígio internacional como "Mrs. Dalloway". Do encontro nasceria uma amizade que duraria até a morte de Woolf em 1941.

Ilustração de Victoria Ocampo e Virginia Woolf. - Greta Coutinho/Divulgação

Essencialmente epistolar, essa amizade pode ser desbravada em "Victoria Ocampo e Virginia Woolf – Correspondência", da editora Bazar do Tempo. O volume reúne cartas trocadas pela duas de 1934 a 1940, algumas inéditas até a edição argentina, que lhe serve de base.

Buscando ser um tributo às mulheres dedicadas ao ofício das palavras em diferentes épocas e países, a versão brasileira soma os próprios paratextos aos argentinos. Esse palimpsesto vertiginoso de notas poderá cansar o "leitor comum" elogiado por Woolf e deleitar o leitor acadêmico.

Além das cartas, o livro recolhe o lugar-comum que classifica a relação entre as duas escritoras como assimétrica. Assim a definia a própria Ocampo, que situava no encontro com Woolf o ponto de partida de sua consolidação como agente cultural.

O ensaio "Um Teto Todo Seu" ajudara a argentina a entender suas circunstâncias de mulher dentro da patriarcal intelectualidade de seu país. Para Ocampo, Woolf ficara curiosa por sua origem exótica. Já ela teria buscado, nessa amizade, a "chave do tesouro".

Há um desequilíbrio inevitável no livro: enquanto se preservaram 23 das 25 missivas de Woolf para Ocampo, apenas três das cartas destinadas à britânica sobreviveram ao fogo da própria autora. Daí a necessidade de, quase sempre, ler as perguntas e respostas de Woolf imaginando as de Ocampo.

Essa lacuna é em parte compensada pela inclusão do ensaio "Virginia Woolf em seu diário", em que conhecemos a capacidade crítica "afiada tal como uma faca" que Woolf supunha em Ocampo.

Virginia também parecia se divertir vendo em Victoria uma metonímia das "terras infinitas" da América do Sul, que imaginava sobrevoada por grandes borboletas. Advertia no "sangue latino" um contraponto à sua Londres cinzenta e à Europa do entreguerras que vivia "sob a sombra do desastre".

É significativo que o cenário de seu primeiro romance, "A Viagem", de 1915, seja esse elusivo continente que ela nunca conheceu. Em uma de suas cartas a Ocampo, o Uruguai —mencionado em seu conto "Kew Gardens"– aparece grafado como "Uraguay", referindo-se, aliás, à Argentina.

Ocampo, pelo contrário, ia frequentemente à Europa. A tal ponto que pergunta à sua interlocutora: "Como fazer, Virginia, para colar a Europa e a América e secar o oceano que as separam? É como se o meu coração pudesse suportar apenas o clima sul-americano, ao passo que minha mente pudesse suportar apenas o clima europeu".

Não era só na geografia que Victoria se deslocava até Virginia. Enquanto esta escrevia em sua língua materna, aquela se movia entre o inglês e o francês, nos quais fora alfabetizada.

Ainda assim, "Correspondência" desmente a assimetria da relação. Ocampo cobria a distância entre elas com um acúmulo de capital cultural, posição social e trânsito entre personalidades da época. Se é verdade que se vinculou a Woolf por uma admiração genuína, também o fez como parte de seu projeto autoral. O controle que exerceu sobre a posteridade do "espaço não tão privado da carta" é prova disso.

A dimensão transacional da relação fica também evidente. Além de discutirem o elevado e o mundano, as duas fazem negócios nas cartas. Graças a elas, a editora Sur, de Ocampo, publica obras como "Um Teto Todo Seu" e "Orlando", levadas ao espanhol por Jorge Luis Borges.

Ocampo apresenta Woolf ao rio da Prata, mas também se respalda nela para se legitimar como escritora autobiográfica e editora. De Virginia, precisava não da chave, mas da confirmação de que o tesouro existia.

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