Congresso precisa rever regras de tarifa de Itaipu, diz Academia de Engenharia

Entidade diz que 'tese de negociação' fere tratado e eleva conta de luz e pede reembolso aos consumidores

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São Paulo

Os governos de Brasil e Paraguai construíram uma "tese de negociação" para inflar a tarifa de Itaipu e criar um caixa extra para bancar obras. A articulação fere o tratado binacional e penaliza o consumidor de energia, especialmente os brasileiros, que arcam com 80% dos custos da usina binacional. Essa é a avaliação de um documento extenso e detalhado sobre os reajustes tarifários de Itaipu redigido pela ANE (Academia Nacional de Engenharia).

Nesta sexta-feira (6), estudo foi enviado para aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, e para o diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Sandoval Feitosa.

A imagem é dividida em duas partes. À esquerda, um grupo de quatro homens, todos vestidos formalmente, acenando para a câmera. O homem no centro, com um terno escuro e gravata, parece ser o foco principal. À direita, três homens estão posando para a foto, com um deles fazendo um gesto de 'joinha'. Eles estão em um ambiente ao ar livre, com um fundo que inclui água e árvores.
À direita, os presidentes do Paraguai, Santiago Peña, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; à esquerda, os ex-presidentes paraguaio, Mario Abdo Benitez, e brasileiro, Jair Bolsonaro - Lucio Tavora - 28.jul.2023/Xinhua, Alan Santos - 1.dez.2020/PR/Montagem

O documento afirma que o Congresso precisa analisar os termos do acordo firmado em 16 de abril deste ano por ministro de ambos países. Esse termo de entendimento, alerta a entidade, elevou indevidamente, para os anos de 2024, 2025 e 2026, a tarifa de Itaipu, tecnicamente chamada de Cuse (Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade).

Pelo Brasil, o referido acordo for negociado pelos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Mauro Vieira (Relações Exteriores).

Segundo a ANE, o documento pode ser contestado porque confronta o artigo 49, inciso I da Constituição Federal. Esse trecho determina que "é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional' —caso do acordo.

"O mais relevante de todos os itens desse acordo internacional resultará numa conta 'adicional' para os consumidores de ambos os países de US$ 670 milhões por ano. Caberá aos consumidores brasileiros arcarem com cerca de 80% desse custo, algo da ordem de US$ 540 milhões por ano, a partir de 2024, com poucas chances de haver retroatividade após aprovação", detalha o documento.

"O MME concedeu entrevistas prometendo um cashback de US$ 300 milhões por ano alegando que tal valor 'neutralizaria' e 'zeraria' o impacto do acordo nas contas dos consumidores, mas o fato é que tais US$ 300 milhões representam apenas 55% dessa elevação."

A ANE detalha as inconsistências de reajustes anteriores, negociados em 2022, no final do governo de Jair Bolsonaro (PL), e 2023, já na gestão de Luis Inácio Lula da Silva (PT), para defender o ressarcimento mais amplo aos consumidores brasileiros (leia abaixo, projeções para esse cashback por estado).

Reafirmando dados já publicados em reportagens da Folha sobre o tema, o texto detalha como o dois países foram negociando o aumento da chamada despesa de exploração de Itaipu, onde são contabilizados desembolsos com obras e projetos socioambientais, à medida que o custo da dívida para a construção da usina foi caindo.

"A partir de 2022, quando o serviço da dívida começou a diminuir e, em 2023 e 2024, quando o serviço da dívida foi zerado, a tarifa de Itaipu poderia ter baixado significativamente. Mas não diminuiu porque o extinto serviço da dívida foi substituído por novas despesas, não previstas no tratado original e de questionável legitimidade à luz do Tratado, as chamadas 'benfeitorias socioambientais'", destaca o texto.

Nesses três anos, os governos aumentaram a despesas de exploração artificialmente, de US$ 700 milhões para US$ 2,2 bilhões, diz a ANE. Isso impediu que a tarifa tivesse a queda correta e justa para os consumidores. A tarifa, que deveria estar em US$ 9, segundo a ANE, mas está em US$ 19,28.

A ANE também esmiúça outros itens do acordo.

Pede atenção, por exemplo, sobre a autorização para o Paraguai exportar, desde já, energia para o Brasil. A Ande, estatal do Paraguai da área de energia, realizou o leilão no final de julho e, nesta sexta-feira (6), divulgou as empresas habilitadas. Até agora, porém, não detalhou como fará o fornecimento, alerta a ANE.

Para a entidade, é preciso condicionar a comercialização de qualquer energia do Paraguai para o mercado brasileiro à existência de meio físico, com viabilidade efetiva dessa energia escoar para o Brasil.

"É sabido tecnicamente que não há condições físicas de haver fluxo de energia do sistema do Paraguai para o sistema do Brasil via elo de corrente contínua de Furnas, exceto a própria energia de Itaipu", destaca a ANE.

"É importante que tal tema venha ser melhor esclarecido antes de qualquer pagamento por parte de comercializadoras brasileiras à operadora Ande, sob o risco de se estar negociando uma energia que, na verdade, já estaria vendida. Não seria aceitável que os consumidores brasileiros pagassem duas vezes pela mesma energia."

A ANE também pede o fim do acordo operativo de Itaipu. O documento assinado pelos ministros prorroga esse acordo, que vigorou de 2007 a dezembro de 2023. A entidade explica que ele dá vantagem ao Paraguai para ficar com a energia adicional produzida por Itaipu, que custa um quinto do custo da produção principal, prejudicando o Brasil. Segundo a ANE, isso fere Artigo III do Tratado, que determina na igualdade de direitos e obrigações entre os sócios.

No alerta, a entidade cita reportagem publicada pela Folha, .que mostra que, até 2022, os consumidores brasileiros do mercado cativo já teriam pagado R$ 9 bilhões por causa do acordo operativo.

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