Eleição nos EUA não preocupa OMC, diz diretora-geral

Segundo Iweala, reforma em solução de conflitos, boicotada desde Trump, será acelerada neste ano

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A diretora-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), Ngozi Okonjo-Iweala, disse não estar preocupada com as eleições nos Estados Unidos neste ano e o potencial resultado do pleito sobre o futuro da instituição.

Ela afirma que a organização, marcada nos últimos anos por um enfraquecimento iniciado pelo governo de Donald Trump –que concorre novamente à presidência do país em pleito marcado para daqui a menos de dois meses–, deve se voltar à entrega de resultados para que não haja espaço para contestações de quem for eleito.

Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), fala a jornalistas em Genebra em conversa que incluiu a Folha
Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), fala a jornalistas em Genebra em conversa que incluiu a Folha - Divulgação / OMC/Divulgação / OMC

"Eu não quero me preocupar com quem está sendo eleito e onde, porque não tenho controle sobre isso. Nós temos controle sobre a entrega de resultados da OMC", afirmou em resposta à Folha durante encontro com um grupo de cerca de 20 jornalistas.

"Se quem for eleito vir que a OMC é uma organização em ação, produzindo resultados e funcionando, será muito mais difícil para a pessoa dizer qualquer coisa sobre a organização ou tentar fazer qualquer coisa", disse.

Segundo ela, isso faz a equipe da instituição ficar "ansiosa" para terminar trabalhos, como aqueles ligados a novos acordos –que têm como objetivo, por exemplo, impulsionar investimentos estrangeiros diretos e estabelecer novas regras para a indústria pesqueira.

Se quem for eleito vir que a OMC é uma organização em ação, produzindo resultados e funcionando, será muito mais difícil para a pessoa dizer qualquer coisa sobre a organização ou tentar fazer qualquer coisa

Ngozi Okonjo-Iweala

Diretora-geral da OMC

Mas entre as missões mais importantes da OMC, e que a chefe da instituição promete acelerar, está a reforma do mecanismo de resolução de disputas entre membros, após a crise no Órgão de Apelação desencadeada pelos Estados Unidos.

O Órgão de Apelação é composto por sete pessoas e ouve recursos de membros da OMC contra decisões tomadas pelos painéis, instâncias anteriores do sistema de resolução de disputas. Ao receber a contestação, o colegiado pode manter, modificar ou reverter as conclusões de um painel.

O governo Trump anunciou em agosto de 2017 que não fecharia acordo para preencher as vagas do colegiado até que suas preocupações com relação ao sistema fossem tratadas. Uma proposta de reforma chegou a ser apresentada em 2019, mas os EUA a recusaram.

Com isso, o Órgão de Apelação está, desde dezembro de 2019, sem poder revisar recursos novos ou pendentes. Até o momento, mais de 20 decisões de painéis foram apeladas "no vácuo", o que significa que uma resolução não é possível até que novos membros sejam nomeados.

Segundo a própria OMC, muitos membros defendem que a situação não apenas prejudica o sistema de solução de controvérsias, mas também mina a credibilidade da própria instituição e nega a todos o direito legal às duas etapas do processo.

"O Órgão de Apelação está paralisado. Mas o sistema em si [de resolução de conflitos], não. E isso é uma informação que eu quero que os jornalistas publiquem. Os casos ainda estão indo para o nível dos painéis, e temos oito casos agora", afirma. "Só que a apelação vai para o vácuo, o que não é uma coisa boa. E é isso que nós estamos tentando resolver, reformando o sistema", afirma.

"Os ministros [dos países que integram a OMC] deram uma orientação clara de que nós temos que reformar o sistema, desta vez, para entregar. Está acontecendo, mas nós vamos acelerar [o processo de reforma] talvez até o fim do ano", diz.

O embaixador Guilherme Patriota, representante permanente do Brasil na OMC, afirma que o futuro do sistema de resolução de disputas depende dos EUA e, especificamente, do resultado das eleições no país. Incomodado com derrotas sofridas no Órgão de Apelação e com o poder adquirido por essa instância ao longo dos anos, o país exige uma reforma que, dentre outros pontos, reduza a força do colegiado.

"O principal porta-voz dessa mudança era o chefe do USTR [Escritório do Representante de Comércio dos EUA] da era Trump, o Robert Lighthizer", afirma Patriota à Folha. "Se o Trump voltar, a expectativa é que o Lighthizer volte para o USTR ou volte a ter influência. E a opinião dele é muito de reformar a OMC como ela existe", diz.

Patriota afirma que o crescimento da China ao longo dos anos é o principal motivador da postura americana em relação à OMC e que a campanha eleitoral torna o debate ainda mais incerto, já que nenhum candidato quer ser visto como fraco em relação ao país asiático. "Nesse aspecto, vai continuar tudo travado até a eleição americana", diz.

Complica ainda mais o cenário a possibilidade de que um governo Kamala Harris, candidata democrata, não torne as coisas mais fáceis para a instituição. "No fundo, o que está por trás dessa mudança de atitude dos EUA em relação à OMC é muito o crescimento da China. E essa realidade não muda. Seja quem for o vencedor, o fator China continuará pesando enormemente", diz.

Iweala negou à Folha que a instituição esteja em seu pior momento. Usando 8 dos 17 minutos da sessão de perguntas para responder à pergunta, citou uma série de feitos de sua gestão. "Não, eu não acredito que a OMC está em seu momento mais fraco. Talvez alguns anos atrás estivesse", afirmou.

"Cheguei aqui com a determinação de que nós vamos mostrar resultados. E fizemos o inimaginável, alcançamos resultados além das expectativas", disse ela, citando como exemplos acordos como o da pesca e de derrubada de tarifas para compra de comida.

"Lembre-se, essa organização é difícil. Porque é a única do mundo onde o pequeno membro tem a mesma voz e o mesmo poder do maior membro. Isso torna muito difícil qualquer decisão. Mas, cara, estou orgulhosa disso. Isso faz a minha vida difícil, mas você pode imaginar [o bem que faz para] o país em desenvolvimento", disse.

Ela cita, ainda, que novos membros se juntaram recentemente à OMC, como o Timor-Leste. "E temos mais 22 países na lista, como Uzbequistão, Etiópia e Bósnia. Em vez de fugir, eles estão trabalhando para se juntar. São grandes países, não pequenos", afirmou. "Então, a OMC não está em seu ponto mais fraco. Está subindo e produzindo resultados".

Iweala é a sétima chefe da OMC e está à frente da instituição desde março de 2021. Nigeriana, é a primeira pessoa africana e a primeira mulher a ocupar a cadeira de diretora-geral. Seu mandato vai até agosto de 2025.

O jornalista viajou a convite da OMC.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.