OMC faz 30 anos em crise e defende comércio como redutor da pobreza global

Diretora-geral diz que críticas esquecem importância da instituição para o avanço econômico e a construção da paz

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Genebra

Enfraquecida pelos Estados Unidos desde o governo de Donald Trump e por uma onda de movimentos protecionistas de diferentes países, a OMC (Organização Mundial do Comércio) se aproxima de seu aniversário de 30 anos em crise: a instituição luta para defender no debate internacional a importância de seus valores para o desenvolvimento econômico global.

A organização publicou nesta segunda-feira (8) um relatório em que analisa indicadores econômicos de seus associados e prega como a facilitação do comércio foi um fator decisivo para elevar a renda global de forma sem precedentes nas últimas três décadas.

Dr Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio) em evento na Nigéria em maio - Marvellous Durowaiye - 11.mai.2024/Reuters

Segundo a OMC, o PIB (produto interno bruto) global cresceu 6,8% entre 1995 e 2020 e, pela primeira vez em dois séculos (desde a Revolução Industrial), os países pobres viram diminuir a diferença de renda per capita em relação aos ricos. China e parte do Sudeste Asiático se destacam como grandes ganhadores.

Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da OMC, afirma que há muita crítica sobre o papel da instituição sem serem considerados os avanços —não apenas em termos econômicos, mas também no distencionamento geopolítico gerado pelo comércio.

"As pessoas parecem esquecer por que o sistema multilateral de comércio foi criado há 80 anos. Foi porque o comércio era visto como uma parte essencial da construção da paz. Quando países são interdependentes e negociam com outros, têm menos chances de ir a conflito", disse a nigeriana em um encontro com cerca de 20 jornalistas de diferentes países do qual a Folha participou.

A OMC foi criada em janeiro de 1995 como sucessora do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), assinado em 1948 –um esforço global pela facilitação de importações e exportações após a escalada de tarifas e o controle de capital observados após a Segunda Guerra Mundial.

O protecionismo da época passou a ser visto como um jogo sem ganhadores e, principalmente após a Guerra Fria, ampliou-se o consenso sobre a necessidade de um comércio mais livre e baseado em regras internacionalmente acordadas. Um dos princípios fundamentais da OMC, por exemplo, é a cláusula da nação mais favorecida –que exige que o mesmo benefício concedido a um país seja estendido a todos os outros (a não ser em acordos de livre comércio).

Outro é o da transparência, que exige dos países membros a publicação de regulamentações claras e previsíveis sobre políticas comerciais. Há também o da reciprocidade, por meio do qual cada um se compromete a abrir seus mercados e espera receber em troca a mesma atitude de seus parceiros.

"Esse sistema trouxe prosperidade. Mais de 1,5 bilhão de pessoas foram tiradas da pobreza desde que a OMC foi criada. E não é só na China. Se você tirar a China, você ainda verá que o resto do mundo desenvolvido teve benefícios com o comércio", afirmou.

Nos últimos anos, no entanto, países como os EUA passaram a ver desvantagens nas regras multilaterais. O governo Trump boicotou o órgão de resolução de conflitos da instituição ao não indicar representantes, o que paralisou decisões –estratégia que continuou sob Joe Biden. Além disso, outros, como a Índia, preferiram buscar contratos comerciais em vez de confiar no funcionamento da instituição.

Apesar disso, Iweala nega que a OMC esteja em seu pior momento e faz uma defesa de sua gestão. "Não acredito que a OMC esteja em seu momento mais fraco. Talvez há alguns anos estivesse", afirma.

"Cheguei aqui com a determinação de que nós vamos mostrar resultados. E fizemos o inimaginável, alcançamos resultados além das expectativas", afirma ela, citando a chegada de novos membros e acordos multilaterais alcançados –como o de subsídios da pesca e de derrubada de tarifas para compra de comida.

Apesar disso, a OMC reconhece que a globalização gerou avanços desiguais entre países. Segundo a instituição, certos integrantes da África Subsaariana, do Oriente Médio e até da América Latina tiveram ganhos mais tímidos nas últimas décadas e ficaram para trás –fazendo com que a instituição defenda o que vem chamando de reglobalização, baseada em maior integração comercial para trazer para perto os marginalizados.

"Há muito mais que podemos fazer para que o comércio e a OMC funcionem melhor para as economias e pessoas deixadas para trás durante os últimos 30 anos de globalização", afirma a diretora.

A OMC também vê determinados grupos –como indivíduos com rendas mais baixas, trabalhadores com menos qualificação, pequenos empresários e mulheres– mais suscetíveis a problemas no mercado de trabalho resultantes da abertura comercial. Por isso, defende que o movimento seja acompanhado de outras políticas públicas.

"Nos EUA, eles argumentam que a maior competição tem reduzido empregos na indústria. Mas eles não olham para o número de empregos criados em serviços", afirma Iweala. "Então, não é apenas o comércio sozinho [a solução]. Você precisa ligá-lo com políticas de mercado de trabalho para garantir que essas pessoas possam se mover para onde novos trabalhos estão sendo criados ou para novos setores", disse.

Para ela, manter um comércio aberto e previsível baseado em regras deve fazer parte do caminho de qualquer país para uma maior inclusão. Seu desafio é convencer as atuais lideranças globais a pensar da mesma maneira.

"Espero que os leitores –e especialmente os formuladores de políticas– levem a sério as lições do relatório", afirma. "Precisamos de um apoio político forte e renovado para a cooperação multilateral para fazer o comércio funcionar para todos."

O jornalista viajou a convite da OMC

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