Seis empresários bem-sucedidos contam como começaram do zero

Profissionais que passaram por dificuldade conseguiram transformar uma necessidade em oportunidade de negócio

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Denise Meira do Amaral
São Paulo

​ Empreendedores que perderam o emprego ou não conseguiram se encaixar no mercado de trabalho relatam como decidiram abrir os seus próprios negócios e dão dicas para quem está começando.

‘Após ter o segundo filho, o mercado se fechou para mim e tive que empreender’

Valérie Alves, 32 fundadora da grife Guettosa

Depois da minha segunda gravidez, eu percebi que o mercado de trabalho não estava mais disponível para mim.

Por mais que eu contasse com experiência em grandes marcas como estilista, sempre davam preferência para quem não tivesse filhos.

Como moro na periferia (Vila Matilde, na zona leste de São Paulo), os empregadores criavam ainda mais empecilhos. Por isso, precisei empreender.

Em 2017, passei a divulgar no meu perfil do Instagram que estava fazendo roupas sob medida. Comecei do nada, com nenhum dinheiro.

Uma amiga foi falando para a outra, as pessoas foram compartilhando nas redes e foram chegando influenciadores, artistas. Tudo aconteceu de uma forma orgânica.

Minha demanda começou a ficar grande. Contratei algumas costureiras na região e montei um ateliê. Assim surgiu o ateliê Guettosa.

A proposta da marca é oferecer peças sob medida, sempre com tecidos finos. Cada roupa é única, porque cada corpo tem um caimento.

Como a moda precisa ser inclusiva, faço do tamanho PP ao G3, plus size. Minhas clientes trazem muita referência gringa. Elas adoram brilho, transparência e tule.

Quando a pandemia começou, estávamos no auge do crescimento, mas a crise não pegou muito na gente porque trabalhamos com um diferencial. Na periferia, as mulheres não se importam em pagar mais caro para um produto de qualidade.

No começo, eu não tinha criado meu público-alvo, o que me atrapalhou. A principal estratégia para quem está começando é traçar seu público. Qual é seu diferencial?

Eu também não sabia como dirigir um negócio sozinha. Por isso, estudar administração é fundamental, assim como criar um planejamento financeiro. Vale se concentrar em fazer o que você já sabe, sem inventar moda, e buscar especialização.

Estudar empreendedorismo é importante, porque, olha, não é fácil. Demora um tempo para chegar o lucro, é preciso ter muita paciência.

Além disso, a empatia com o público é essencial. Você precisa gostar de lidar com pessoas, senão nenhum negócio vai dar certo.

‘Acreditei no meu potencial quando fui obrigado a sair da zona de conforto’

Hebert Mota, 42, idealizador da agência de entretenimento KAL911 e do polo de conteúdo Banker

Nasci no Jardim Miriam, zona sul de São Paulo. Comecei como boy e entregador de marmitas no Centro. Depois, fui “roadie”, carregador de caixas de som de artistas, que é quando ingressei no show business.

Viajar com a equipe de produção dos músicos me fez enxergar muitas coisas. Em 2005, trabalhei como produtor artístico em um show do cantor americano Kirk Franklin no Brasil e participei do DVD “Live in Brasil”.

Depois, ele trocou de gravadora, e fiquei com uma dívida enorme. Tive que ir aos Estados Unidos para tentar solucionar esse problema. Só tinha US$ 300 no bolso. Acabei dormindo duas noites numa estação de trem em Nova York, com moradores de rua. No dia seguinte, tinha reunião com a gravadora Sony Music.

Quando voltei ao Brasil, fui contratado para ser assessor de negócios internacionais de celebridades.
Em 2009, passei a ser empresário do lutador de MMA Anderson Silva. Até que ele chamou outras pessoas para fazer o que eu fazia e acabei percebendo que não tinha mais lugar. E agora?

Agora, eu monto o meu negócio. Foi bem difícil, mas libertador, porque, em momentos de crise, fora da nossa zona de conforto, a gente une forças para acreditar no nosso potencial. Criei a agência de entretenimento KAL911.

Meu maior erro no começo foi a dificuldade em ser mais frio. No business, você não pode ser tão amoroso. Eu não sabia falar ‘não’, era muito concordante.

Também contratei irmãos, amigos, queria abraçar todo o mundo. Mas aprendi com os erros. Nunca mais entrei em um projeto sem conhecer tudo da pessoa.

É importante saber de gestão, mais do que ter dinheiro. Organizada, a periferia já é. A gente aprende a lidar desde sempre com uma série de imprevistos, instabilidades e inseguranças.

Trabalhei com nomes como Fernando Alonso, Alex Atala, Malvino Salvador, Maria Rita, Rafael Portugal. O faturamento da agência é, em média, R$ 2,5 milhões por ano. Agora, estamos finalizando um clipe do Mano Brown, filmando com uma equipe toda negra.

‘Influenciadores da nossa marca não são blogueiros, mas nossos próprios clientes’

Juliana Saboya, 44, sócia da rede de sorveterias Mil Frutas

Minha mãe engravidou jovem e parou de trabalhar pra cuidar da gente. Meu pai era da indústria naval, mas tudo era instável naquela época. A conta não fechava.

Ela se viu numa situação em que precisava se virar. Com dois sócios, abriu a sorveteria Mil Frutas, em 1988.

Assim que minha mãe montou a fábrica e comprou uma máquina cara, veio o Plano Collor. A gente começou em um período de muita turbulência, as pessoas tinham perdido o poder aquisitivo. Mas ela foi em frente.

Os sorvetes começaram a chamar atenção porque traziam como mote as frutas brasileiras, o que ainda não era moda no Brasil na época. Apostamos no artesanal.

Outra sacada foi usar frutas da época. Nosso sorvete de tangerina, que é um dos maiores sucessos, não é vendido o ano inteiro.

Não precisamos ficar copiando, como a onda das sorveteiras italianas, por exemplo. Hoje temos sete lojas espalhadas pelo Rio de Janeiro.

Uma semana antes da pandemia, estávamos remodelando o site, e uma das opções era o formato com venda online. Fomos na intuição e deu certo.

As redes sociais são muito importantes nessas horas. O Instagram é uma ferramenta que fala diretamente com o nosso público.

Nossos influenciadores não são blogueiros, mas nossos próprios clientes. Você pode ter uma pessoa com 200 mil seguidores, mas que não fala com o seu público, que não tem seus valores. É fundamental identificar quem é o seu público.

Com a quarentena, é importante perceber que as pessoas estão em casa e querem praticidade, coisas que possam levar, acessíveis.

A ideia é facilitar a vida do consumidor, porque já está tudo muito difícil. Você precisa oferecer uma experiência boa e um tratamento pessoal. Ter essa linha de frente com o cliente, esse vínculo afetivo, agora é mais importante do que nunca.

As pessoas querem um aconchego. Mas tem que ser verdadeiro. Não adianta você querer mostrar que é uma marca fofa sem ser.

Eu acredito na simplicidade. Só vai sobreviver quem for de verdade.

‘Percebi que não havia nenhuma empresa só com pessoas trans e decidi criar a minha’

Rubi Delafuente, 35, criadora da agência Transmissão

Trabalhava em um banco quando comecei minha transição. Passei a ir ao escritório com roupas mais femininas e unhas pintadas, até que me chamaram para uma conversa e fui “convidada” a sair.

Criei a agência Transmissão por causa da falta de oportunidades no mercado de trabalho. Percebi que não existia nenhuma empresa só com trans. Então, em 2016, decidi lançar a minha, só com pessoas como eu.

A gente fornece toda a equipe para eventos: garçons, hostess, segurança, bartender, pessoal da limpeza, mestre de cerimônias. No total, somos mais de 60 profissionais.

Já fomos chamadas para trabalhar em eventos de grandes empresas, festas e festivais. Fizemos nosso maior trabalho até hoje na Parada Gay de São Paulo, na qual firmamos parcerias com diferentes marcas.

Acho que o principal para o meu negócio ter dado certo foi a persistência. É clichê falar isso, mas é a verdade.

No começou foi muito difícil. Eu ia às empresas, apresentava um projeto lindo e recebia uma série de “nãos”.

Gastava tempo, dinheiro, e ninguém acreditava no meu trabalho. Muitas vezes, pensei em desistir, até que meu telefone começou a tocar.
No início, eu passava um valor bem baixo, quase metade do preço de mercado, para que a gente pudesse estar dentro dos trabalhos. Eu me arrependo disso.

Muitas empresas buscam mostrar representatividade, mas querem pagar um valor menor aos profissionais trans do que pagariam aos cis heteronormativos.

Hoje, várias das empresas que me falaram não no passado me procuram. Nos últimos anos, nossas condições têm melhorado.

Agora, na pandemia, todo o mundo precisa se reinventar. Acho importante saber que podemos ter mais de uma profissão e estar abertos a novas possibilidades.

E, para quem é transexual, a quarentena pega ainda mais forte. Muitos não têm onde morar porque não são aceitos por suas famílias.

Na real, já vivemos nesse isolamento social desde sempre. Mas a gente monta a cara e mostra que nós existimos, estamos aqui.

'Não dá para querer vender online, mas ter vergonha de parecer blogueirinha'

Fernanda Noer, 45, idealizadora da FdeFernanda

Sou de Porto Alegre e vim em 2014 para São Paulo. Comecei trabalhando em uma agência e tinha um chefe que sempre dava um jeito de querer me levar para casa, de tocar em mim. Ele me mandava mensagens horríveis.

Depois, fui para uma empresa de transportes, como diretora de marketing, e passei a sofrer assédio moral. Foi o pior momento da minha vida. Acabei trabalhando como louca para mostrar resultados.

Até que entrou um novo presidente e, com a reestruturação, fui demitida. Aquele sistema todo me fazia muito mal. Comecei a pesquisar e a estudar. Queria ajudar mulheres que passaram pelo que passei.

Criei uma empresa, a FdeFernanda, para dar mentorias e falar sobre carreira, autoconhecimento e equilíbrio. Fiz uma formação na FGV (Fundação Getulio Vargas) e comecei a minha primeira turma.

A mentoria vai de 4 a 14 sessões. Desenvolvo ferramentas para cada mulher que está em processo de mudança de carreira, mas não sabem por onde começar.

Para quem está começando a abrir um negócio, como fiz, acho fundamental ter em mente duas questões: a primeira é separar o ser apaixonado por algo e fazer esse algo bem. Por exemplo, você ama cozinhar, mas será que cozinha bem? Reconhecer que nem sempre estamos aptos a fazer o que amamos é muito doloroso.

A segunda questão é ter preparo financeiro. Em vez de abrir uma loja física de brigadeiros, por que não começar vendendo pelo Instagram, de casa?

Fazer um projeto de viabilidade financeiro é fundamental. Pode ser uma planilha do Excel, procurar ajuda do Sebrae, pesquisar na Internet.

Consumir conteúdo diariamente é parte da coisa. Os CEOs estão sempre se preparando. O comportamento do consumidor muda muito. Para se atualizar, não basta só ver o telejornal da noite.

Você também precisa treinar a ouvir os outros. Qualquer pessoa que está disposta a te dar uma dica, seja cliente, família ou alguém que conviveu com você na carreira. Quando a gente recebe uma crítica, tendemos a nos fechar. Mas vale receber e pensar.

E é preciso também ter muita cara de pau. Você não pode querer vender online, mas ter vergonha de parecer blogueirinha. Você precisa se vender.

'Perdi muito dinheiro porque não sabia ser empresário'

Leonardo Rivera, 45, criador do selo Astronauta Discos

Comecei minha carreira escrevendo sobre música e bandas novas na revista Bizz. Fui me aproximando desse universo, até virar Label Manager e A&R (pesquisador de novos talentos) na PolyGram.

Depois de dois anos, quando a PolyGram se juntou com a Universal Music, muita gente foi demitida, inclusive eu.

Tinha 23 anos e fiquei uns meses morando em Nova York, onde fiz de tudo, servi cafezinho em bar de jazz, vendi joias de uma amiga minha. Vi as tendências nos Estados Unidos e resolvi montar meu próprio selo no Brasil.

Conversei com o então presidente da Universal, Marcelo Castello Branco, e lançamos o selo em conjunto com a gravadora, em 2000.

Em 2003 fomos para a Tratore, mas ano passado o selo voltou a ser da Universal, em comemoração aos seus 20 anos, a convite do Paulo Lima. Fizemos um show lindo com Chico Chico e João Montuano, no Jockey Club do Rio de Janeiro.

O selo já atravessou todas as mudanças da indústria, do CD, do MP3, das mídias digitais. Quando a indústria passou pela crise do CD, da pirataria física, antes de surgir a digital, teve de se reinventar.

Sobreviver por esse período só foi possível porque nosso selo é um pequeno negócio. Quem tinha empresas muito grandes quebrou.

A gente se reinventou também fazendo consultoria para artistas. Criamos um projeto paralelo ao vivo, que foi o “Palco Astronauta”, na Lapa, para não ficarmos muito dependentes do CD. Já trabalhei com diversos artistas, de Sandy & Júnior a Zeca Pagodinho.

Em momentos de crise vale apostar em opções alternativas, mas mantendo a qualidade. Por exemplo, em vez de alugar um estúdio muito caro, alugo um mais barato, mas levo um engenheiro de som confiança.

É preciso tomar cuidado com empréstimos, porque eles viram uma bola de neve. E, claro, ter muita boa vontade e resiliência, porque você vai passar por períodos nos quais não entra grana e ninguém se lembra de você —mas vão ter também momentos de muito brilho e alegria.

Cometi vários erros de investimento no começo, de gastar muito, quando podia gastar três vezes menos. Na Polygram tinha departamento de imprensa, de marketing, estava acostumado com uma equipe enorme, e, de repente, me vi sozinho. Perdi muito dinheiro porque não sabia ser empresário, não sabia pagar contador, não sabia nada de nada.

Pensando nos próximos anos, estamos lançando um aplicativo para emular uma gravação como se fosse real, o Livedub, ainda em fase de testes. Porque, mesmo após a pandemia, as pessoas vão querer ter menos custos.

É preciso também investir nas plataformas digitais. A quarentena acabou acelerando esse processo, que vai se manter daqui para frente.

Também criamos um projeto para receber gravações de artistas que estivessem produzindo em casa. Foi uma forma que encontramos para dar oportunidade a artistas isolados na pandemia e manter o movimento de lançamentos.

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