Delivery de peixe fresco é saída para fornecedores na pandemia

Empresas que só vendiam para restaurantes agora entregam produtos na casa do consumidor

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São Paulo

A crise do novo coronavírus provocou um bem-vindo efeito colateral para o paulistano que gosta de peixes e frutos do mar. Agora é possível receber em casa pescados frescos de fornecedores que, até março, distribuíam apenas a restaurantes, hotéis e bufês.

Fundadora da Fishtag, Bárbara Granek, 37, se lançou no mercado em janeiro de 2019 com a proposta de encurtar a cadeia de fornecimento entre o pescador e o restaurante. O plano de negócios atraiu quatro organizações de investidores-anjo e conquistou aporte de R$ 1,8 milhão.

Um ano depois, a Fishtag atendia 50 clientes fixos em São Paulo com uma estrutura enxuta: dois funcionários, um deles no Nordeste, trabalhando diretamente com os pescadores. O escritório era virtual.

“Quando veio a pandemia, foi um caos. Cerca de 95% dos meus clientes fecharam as portas e chegamos a quase zero de receita em abril”, conta Bárbara.

Bárbara posa para a foto sorrindo e de braços cruzados. Está em um píer com barcos de pescadores ao fundo
Bárbara Granek, fundadora da Fishtag - Sarah Wollermann/Divulgação

A saída foi tentar alcançar o consumidor final, que ela não conhecia. Além de ampliar a equipe, que hoje tem dez pessoas, a empresa precisou expandir a lista de produtos, desenvolver embalagens e investir em marketing.

Para aumentar a capilaridade das entregas, Bárbara fez parceria com o ecommerce Clube da Picanha, com forte atuação no interior do estado de São Paulo. Em maio, os primeiros clientes começaram a comprar —o ticket médio chega a R$ 250.

“Descobri que é um outro negócio, que exige maior esforço e envolve volumes bem menores. Só consegui garantir cerca de 10% do faturamento de antes. Mesmo assim, não vou encerrar a nova operação tão cedo, porque é ela que está nos mantendo”, diz.

O perfil de consumidor que compra esse tipo de pescado não decide apenas pelo preço. Segundo Cauê Tessuto, 36, fundador da Mar Direto, o que importa é vender conveniência e garantia de origem.

“Você não pode entregar uma embalagem pingando. A caixa deve chegar impecável, com peixes e frutos do mar já limpos e em porções, e informações sobre a origem de cada produto”, afirma.

Embora os restaurantes fossem seus principais clientes desde 2016, Cauê já acalentava o sonho de criar um braço para venda direta ao consumidor —quando veio a pandemia, o projeto saiu da gaveta à força.

Com fornecedores em Sergipe, Maranhão, Bahia, Alagoas, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e uma comunidade indígena amazônica, de onde vem o pirarucu de cativeiro, o empreendedor já fez cerca de 2.000 entregas em domicílio de março para cá, com ticket médio de R$ 250.

“A cadeia do peixe sempre foi muito turva no Brasil. Quando o pescado chega ao Ceasa [Centro Estadual de Abastecimento], perde-se toda informação sobre sua origem", diz o empresário.

"Por isso, acho que há mercado para manter a operação de vendas a pessoas físicas mesmo depois que os restaurantes voltarem a comprar volumes maiores. Assumi que é uma grande oportunidade.”

Uma das maiores dificuldades de migrar do BtoB (business to business, expressão em inglês que significa fazer negócio entre duas empresas) para o BtoC (business to consumer, ou seja, de uma empresa para o consumidor), é o marketing, relatam os empreendedores.

Fundador da Guará Vermelho Frutos do Mar, que distribui pescados de comunidades tradicionais, Ricardo Magalhães, 53, precisou criar canais de comunicação com os novos clientes.

“Passei a fazer posts nas redes sociais, enviar mensagens pelo WhatsApp e incrementar o site. Como já participava de feiras de pequenos produtores, tinha os contatos de alguns clientes. Foi por onde comecei a divulgação.”

Ricardo tem a seu favor o fato de que boa parte dos produtos que vende não costuma aparecer nas gôndolas dos supermercados. De Cananeia, litoral sul de São Paulo, ele traz ostras, lambretas e beijupirás, entre outros itens. De Mangaratiba (RJ), vêm mexilhões e vôngoles.

A dúzia de ostras tamanho G sai por R$ 33 e chega a São Paulo logo depois de colhida. O quilo do beijupirá custa R$ 60 e chega embalado a vácuo, ao gosto do freguês —basta o cliente indicar se quer receber o produto inteiro ou porcionado.

“Acho que todo mundo vai querer manter esse novo canal de vendas para pessoas físicas. Minha intenção é investir para alcançar mais volume.”

O fenômeno, embora novo na cadeia do peixe, é uma tendência que começou há alguns anos entre pequenos produtores agrícolas. Quem explica é Ivan Achcar, diretor da EGG (Escola de Gestão em Negócios da Gastronomia), em São Paulo.

“Antes, um pepino passava por quatro pessoas jurídicas até chegar à mesa do consumidor, barreira que vem sendo quebrada. Hoje, há ligação direta entre as duas pontas e, na pandemia, outros segmentos adotaram o modelo. Tudo passou a acontecer mais rápido.”

Mas não se trata de uma operação tão simples. Migrar do BtoB para o BtoC, demanda uma transformação profunda do negócio, ele adverte.

“Você precisa de embalagens próprias em conformidade com a legislação e de uma rede de distribuição capaz de entregar muitas encomendas pequenas em um número bem maior de endereços”, exemplifica.

O marketing é outro fator que entra em campo. O empreendedor precisa saber falar com seu cliente, o que dá trabalho e exige rotina.

“Isso custa dinheiro, porque o dono do negócio vai ter que aprender a fazer ou contratar alguém que saiba", afirma.

No cenário atual, que ainda passa por transformações profundas que ninguém sabe ao certo quanto tempo vão durar, Achcar aconselha evitar improvisos.

“Se você acredita que esse novo braço de negócio vai permanecer, vale a pena investir. Mas isso vai exigir tempo, recursos e conhecimento. Saiba que você vai concorrer com empresas gigantes e precisa de fôlego.”

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