Empresas reduzem lucro para compensar alta na matéria-prima

Escalada do dólar e queda da atividade econômica geram falta de insumos para as indústrias de moda e de móveis

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São Paulo

Com a alta no preço de materiais e a dificuldade em encontrá-los, empresas que produzem roupas ou móveis precisaram ajustar a operação: fazer compras maiores, diminuir a margem de lucro, estender o prazo de entrega e renegociar orçamentos.

Francisco Santinho e Emerson Brandão, donos da marca Cejuntos
Francisco Santinho e Emerson Brandão, donos da marca Cejuntos - Gabriel Cabral/Folhapress

Diferentes fatores explicam a situação em cada setor, como a escalada do dólar e a velocidade com que as indústrias conseguiram retomar a produção depois da quarentena.

Desde maio, Francisco Santinho, 46, dono da marca de roupas Cejuntos, redobrou a consulta a fornecedores de São Paulo, onde está sua produção, para conseguir encontrar tecidos que levam algodão na composição, caso de cambraia, sarja e tricoline.

“Essa foi a matéria-prima que mais tivemos dificuldade em achar. Deixamos de produzir algumas peças por isso”, diz Francisco. Ele também tem enfrentado um aumento nos preços que chega a 30%, a depender do material.

Mas não há escassez de algodão, já que o país teve produção recorde da matéria-prima neste ano, diz Lucilio Alves, professor da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz). Mesmo assim, o preço não caiu, porque a taxa de câmbio elevada favoreceu a exportação.

Além disso, a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) avalia que é preciso tempo para que todos os elos da cadeia de produção no país voltem a funcionar de forma sincronizada e atendam a demanda acumulada. A entidade prevê regularização em três meses.

Em relação aos preços, a associação afirma em nota que o setor tem mais de 70% dos custos atrelados a moedas estrangeiras em insumos como fibras e corantes. Com a desvalorização do real, há reflexos em fios, tecidos e malhas.

Para lidar com esse cenário, a marca Cejuntos passou a fazer compras maiores de tecidos e reduziu a variedade de estampas e cores para melhorar a capacidade de negociação com fornecedores e garantir a produção.

A empresa também teve de achatar sua margem de lucro em cerca de 40% na tentativa de absorver a alta nos custos. “Resolvemos fazer isso para a mercadoria circular. A gente não ganhou, mas temos fluxo de caixa para reinvestir”, diz.

O empresário deve olhar o fluxo de caixa do negócio antes de decidir como contornar o problema, diz Artur Motta, professor da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado).

Para as contas não ficarem descobertas, pode valer a pena reduzir a margem de lucro. Porém, ao readequar sua operação ao mercado em crise, é necessário estar atento para não ter prejuízo.

Apesar de também ter feito revisões em sua margem, a estilista Gabriela Sakate, 34, teve o orçamento para uma venda de calças recusado pelo cliente em função da alta de um tecido de malha esportiva.

“Expliquei a situação e apresentei alternativas, mas o valor que ele poderia pagar não cobria nem os gastos”, afirma.

Se for preciso comunicar a alta de preço ao consumidor, o empreendedor deve mostrar quais iniciativas tomou para amenizar o problema. “Isso mostra que ele fez a lição de casa e, de certa maneira, explora a solução, e não o problema”, diz Elber Mazaro, professor da FIA (Fundação Instituto de Administração).

Quando possível, é interessante oferecer uma compensação ao cliente, como frete grátis, atendimento personalizado ou garantia estendida.

Ao negociar um projeto de gabinete para cozinha, o empresário Washington Santos, 48, propôs o parcelamento do pagamento quando o cliente reclamou do valor cobrado.

Dono da marcenaria Batuta, na zona norte de São Paulo, ele vem notando nos últimos dois meses a dificuldade para achar chapas de MDF, cujo preço subiu até 25%.

Washington Santos, da marcenaria Batuta, na zona norte de SP
Washington Santos, da marcenaria Batuta, na zona norte de SP - Gabriel Cabral/Folhapress


Também não encontra as mesmas condições de negociação. “Aumentava minha margem de lucro ao ganhar 5% de desconto na compra de grandes quantidades à vista, o que não é mais possível.”

Por isso, ele terá de renegociar o valor e o prazo de entrega de alguns orçamentos. Como muitos são clientes antigos, ele espera conseguir fazer bons acordos.

“O espaço para conversa varia de cliente para cliente, e o empresário precisa estar atento a isso”, diz Motta, da Fecap.

Também no caso do MDF e do MDA, a elevação da taxa de câmbio levou a produção a ser mais vantajosa para exportação, diz Carlos Bacha, professor da Esalq-USP. Ao mesmo tempo, as restrições na importação de insumos utilizados na montagem dessas chapas causaram dificuldades à produção.

A Evviva, empresa de móveis planejados fundada no no Rio Grande do Sul, percebeu em maio o movimento do mercado e fez uma compra de MDF suficiente para até o fim do ano —mesmo assim, teve de ampliar de 35 para 55 dias úteis o prazo de entrega, diz Lucidio Conzatti Junior, 39, gerente geral da marca.

Mas, quando a empresa é muito pequena, é difícil que tenha volume e estrutura para formalizar as compras por contrato, diz Motta. Caso dependa de uma matéria-prima, o empreendedor pode se juntar a outros do mesmo setor e fazer uma compra coletiva.

Outra recomendação é fortalecer o vínculo com o fornecedor. Mesmo que o volume de compras não seja grande, o empresário pode comunicar qual sua expectativa para os próximos meses.

“Uma relação só acontece quando existe continuidade. Se você só mantém contato quando precisa fazer um pedido, não vai receber informações antecipadas”, afirma o professor.

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