Europeus abrem pousadas no litoral do Brasil em busca de sol e renda

Fluxo de imigrantes que empreendem no setor começou nos anos 1980

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Luciana Alvarez
Lisboa

A possibilidade de trabalhar e viver em uma praia idílica, com sol o ano todo, alimenta em muitos estrangeiros o sonho de abrir uma pousada no litoral brasileiro.

Na costa do país, sobretudo no Nordeste, há uma presença forte de "gringos" no setor de hotelaria, embora seja impossível quantificar quantos são eles e de onde vêm.

Quem trabalha com turismo sabe que há muitos europeus no litoral, mas o perfil do empresário e do tipo de empreendimento é múltiplo.

"A nossa costa é uma região de grande interesse entre empresários estrangeiros desde as décadas de 1980 e 1990", afirma Simone Scorsato, CEO da Brazilian Luxury Travel Association (BLTA). A maioria, diz ela, é formada de pequenos e médios empresários.

A pousada Aldeia Portuguesa, em Santa Cruz Cabrália, na Bahia
A pousada Aldeia Portuguesa, em Santa Cruz Cabrália, na Bahia - Divulgação

Sem grandes luxos, mas com muita dedicação, a portuguesa Emília Moutinho, 63, mantém uma pousada fundada por seu pai há quase 40 anos na praia em que Pedro Álvares Cabral desembarcou.

"Os portugueses que chegaram aqui não eram nada burros. Este lugar é lindo demais", diz ela, que é dona da pousada Aldeia Portuguesa, em Santa Cruz Cabrália (BA).

Ter uma "pousadinha" era o sonho do pai de Emília para complementar a renda da aposentadoria. "Foi em 1983 que meu pai começou a construir [o imóvel]. Na época as praias eram desertas e sem luz [elétrica]", recorda.

O trabalho, porém, logo se mostrou demais para o aposentado, e em 1988 a filha comprou a propriedade.
Ao longo dos anos, Emília foi ampliando a pousada. Hoje, a Aldeia Portuguesa recebe até 115 hóspedes simultaneamente, tem 15 funcionários fixos e conta com espaço para eventos, salão de beleza, lanchonete e lavanderia. Tudo foi feito sem recorrer a empréstimos, ela diz. "À medida que entrava dinheiro, fui crescendo, melhorando. Se não sobrava, não investia."

Para a empresária, o mais importante é saber se adaptar.

"Qualquer imigrante sabe que vai encontrar outros costumes, outra cultura. Para ter negócio de turismo, é preciso seguir as tendências e perceber que tipo de serviço o hóspede quer a cada momento".

O câmbio favorável também atrai o estrangeiro. Com a moeda valorizada frente o real, europeus, por exemplo, conseguem usar recursos próprios para investir no Brasil, explica Juliana Parmiggiani, professora de turismo do Senac.

"Com moeda mais forte, estrangeiros conseguem montar aqui negócios que não seriam capazes em seus países."

De acordo com o Ministério do Turismo, existem hoje 6.183 pousadas em todo o Brasil. A nacionalidade dos proprietários, porém, não consta dos registros, e a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis também não sabe estimar quantos estabelecimentos estão nas mãos de estrangeiros.

A capacidade financeira para abrir um negócio, o vento e a água morna do mar foram os elementos que atraíram o belga Sam Gaillard, 40, para Icapuí (CE). Ele estava a ponto de abrir uma escola de kitesurfe na República Dominicana quando foi convidado por um amigo a conhecer a região.

"Em 2007, vim visitar por três semanas e foi vento sem parar, a todo momento do dia. Já tinha ido para todo canto, mas aqui é fenomenal. O Ceará é abençoado", afirma.

No ano seguinte, com "um sócio e uma barraca", ele fez sua primeira temporada no Brasil como instrutor de kitesurfe. Para oferecer aos alunos de fora um lugar para dormir e comer, os sócios construíram um restaurante e uma pequena pousada, a Kite Mansion.

Com demanda alta para a pousada, Gaillard se afastou das aulas de kitesurfe para focar a expansão do negócio.

"Decidi investir, tinha capital. Fiz reforma, criei infraestrutura, coloquei piscina com vista para o mar. Senti que acabava gastando mais, que as pessoas queriam ganhar em cima por eu ser estrangeiro, mas se fosse na Bélgica seria tudo muito mais caro", diz.

Além das belezas naturais e das boas oportunidades de negócios, questões pessoais também motivaram estrangeiros a abrir negócios ligados ao turismo pelo Brasil.

O belga Pieter Van Poppel, 39, virou sócio da pousada Maris Paraty, em Paraty (RJ), por amor. Ele conheceu sua mulher, Mariana Murta, quando viajava pelo Brasil em 2010.

Por quatro anos, voltou sempre ao país para reencontrá-la. Mas queria ficar por aqui em definitivo. "Ela é muito tropical, não gosta de frio, nem pensei em pedir para que ela se mudasse", conta.

A sogra dele, que era dona da pousada, mas estava cansada do trabalho, ofereceu a propriedade ao casal. "Nunca tive o plano de ter uma pousada, mas apareceu a chance e aceitei", diz ele, que já fez de tudo no próprio negócio, de assar bolo a cuidar do jardim.

O trabalho foi recompensado: a Maris Paraty foi eleita em 2020 a melhor pousada da América do Sul no ranking da TripAdvisor. E o casal pôde ampliar o número de funcionários, de um para cinco. O próximo projeto, afirma Van Poppel, é montar um ateliê em Paraty.

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