Descrição de chapéu sustentabilidade

Marcas criam roupas carnavalescas atemporais com material reaproveitado

Preocupação com o desperdício nos festejos também leva negócios a optarem por estoques reduzidos

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São Paulo

Decorações de festas infantis, jeans antigos e até lacres de plástico servem de matéria-prima para pequenas marcas que transformam retalhos em roupas e adereços para o Carnaval.

É o caso da Ohlograma, criada em 2020 pela designer Clarissa Romancini, 44. Ela costumava fazer as próprias fantasias e receber amigos para se preparar para os bloquinhos no Rio de Janeiro até que decidiu começar a vender o acervo que tinha em casa.

"Minha fantasia não era feita só de elementos comprados na 25 de Março ou na Saara [Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega, no Rio de Janeiro]. Sempre gostei dessa transição de um segmento para o outro; minha primeira coleção foi feita com muita coisa da festa das minhas filhas", afirma.

Mulher recorta tecidos coloridos para colar em uma blusa roxa apoiada sobre mesa branca
Criada em Brasília (DF) em 2017, a Parangolés é exclusivamente voltada para o Carnaval e tem foco em conceitos de moda sustentável como o upcycling e estoques reduzidos - Pedro Ladeira/Folhapress

Apesar do negócio ter se expandido para outros eventos como casamentos, festas juninas e festivais de música, os foliões seguem como os principais clientes. No feriado, são vendidas, em média, 1.300 peças, o que representa 70% do faturamento anual da Ohlograma, de aproximadamente R$ 800 mil.

Quem visita o ateliê no Leblon encontra uma variedade de acessórios além dos looks completos, que custam cerca de R$ 500. É possível montar sua própria combinação com opções de calças, tops, meias, luvas, óculos, brincos, bolsas e chapéus que cabem em ocasiões diversas, segundo Clarissa.

Dentre os itens construídos com material reaproveitado estão brincos feitos a partir de garrafas pets derretidas e restos de acetato, um chapéu improvisado de uma toalha de mesa e um body com pedras retiradas de antigas fantasias de escolas de samba.

"A noite carnavalizou um pouco. Em geral, as pessoas nas festas estão mais ousadas na make, no cabelo e na roupa", acrescenta ela.

Looks atemporais ganham força em um contexto de preocupação geral da sociedade com um consumo mais consciente, explica Cacau Cláudia Martins, professora de moda da Anhembi Morumbi. "O folião vai investir um pouco mais em modelos que ele possa usar depois, mudando apenas o adereço e reutilizando o shorts, top ou vestido, por exemplo", diz.

Foi também a partir do Carnaval de rua do Rio que as amigas Tayná Haudiquet, 38, e Gia Dachi, 36, resolveram montar a Parangolés, em 2017. Exclusivamente dedicada às roupas para bloquinhos, a empresa de Brasília (DF) tem uma produção focada em conceitos de moda sustentável como o upcycling, que se resume a transformar resíduos em materiais para novos produtos.

Feitas com restos de confecção adquiridos em galpões, todas as peças contêm junções de texturas, cores e brilhos, o que dispensa o acréscimo de pedrarias e aviamentos nos modelos, segundo Gia.

O cuidado com os retalhos é acompanhado por desafios. "É um processo muito trabalhoso e bem mais caro, porque não cortamos um tecido inteiro; são pedaços separados que vão ser costurados para só depois passar ao molde", explica a sócia responsável pela parte criativa da Parangolés.

Homem veste conjunto vermelho de Carnaval em frente a casa azul
Sobras de tecido da coleção atual da Período Fértil podem virar material para doação ou retornar para a produção da marca, que tem como meta zerar os refugos nos próximos anos - Hugo Muniz/Divulgação Período Fértil

Cerca de 20% da produção da Período Fértil passa pelo mesmo processo. Os modelos únicos da marca criada em Olinda (PE) são feitos com emendas de tiras de tecido. Na última edição da Fenearte, a Feira Nacional de Negócios do Artesanato, um vestido de retecido foi vendido por R$ 1.500.

Além de retornar para a própria fabricação, os resíduos de confecção são destinados para costureiras e projetos sociais. "No computador, distribuímos a quantidade de peças pela metragem de tecido para reduzir [as sobras]. Mas ainda ficam pedaços com os quais dá para fazer algumas coisas, como os fuxicos", afirma a coproprietária Márcia Cavalcanti, 57.

Pequenos pedaços de tecido franzido, os fuxicos são usados, por exemplo, para fazer roupas, artesanato e bolsas. A marca doa os círculos cortados e, quando vai confeccionar modelos que precisam de fuxicos, os compra já costurados e prontos.

A Período Fértil surgiu em 1992, depois que Márcia e Clezinho Santos, 64, descobriram o gosto em comum pela costura e resolveram fazer coleções para o Carnaval. O nome é uma alusão à efervescência impulsionada pelo movimento manguebeat nos anos 1990.

Atualmente, os itens mais populares são os vestidos estampados, camisas e fantasias, que custam a partir de R$ 150. As vendas acontecem durante todo o ano, mas em fevereiro o faturamento mensal chega a triplicar. No período, são vendidas, em média, 1.100 peças.

Em relação à durabilidade, Márcia garante haver muitos clientes que, ano após ano, tiram do armário suas fantasias intactas para festejar nas ruas de Olinda. "Trabalhamos com material bom e, por causa do calor, usamos apenas fibras naturais, nada sintético."

Clarissa, da Ohlograma, brinca que é difícil fazer roupas que sobrevivam a "samba, suor e cerveja durante 12 horas". Ela afirma que a durabilidade está relacionada ao brilho e que peças metalizadas alteram de cor com o toque da pele.

Outro aspecto importante para uma moda sustentável é evitar excedentes de estoque. A Parangolés prevê vender de 120 a 150 peças neste ano, a preços entre R$ 180 e R$ 415. Em 2023, faturaram R$ 20 mil com a comercialização de 100 peças.

"Quase não temos sobra de peças e, quando há, elas são vendidas no próximo ano por outro preço. Por sermos pequenos e eu estar dentro de todo o processo, já sabemos quanto queremos tirar por ano", diz Gia.

Com foco exclusivo em acessórios de cabeça, a Tula Casqueteria segue o mesmo princípio de estoque reduzido. Criada em 2011, a marca se abriu para o Carnaval cinco anos depois e hoje vê o feriado aumentar seu faturamento mensal de R$ 35 mil para R$ 80 mil.

Mulher veste acessório de carnaval para cabeça com flores alaranjadas e rosadas, cristais, pérolas e corais costurados manualmente
Com flores alaranjadas e rosadas, o fascinator Calipso tem como base cristais, pérolas e corais costurados manualmente - Nathalia Haeffner/Divulgação Tula Casqueteria

"Criamos novas coleções para manter a marca ativa, mas não incentivamos um consumo desenfreado. A gente praticamente produz só o que vende", afirma Denise Nascimento, 41, fundadora do negócio.

Ao preço médio de R$ 420, cada modelo é inicialmente fabricado em pequenas quantidades —cerca de 15 unidades— e passa a ter a produção aumentada de acordo com a velocidade das vendas. Em 2023, a empresa vendeu cerca de 290 acessórios no Carnaval.

Segundo a professora de moda da Anhembi Morumbi, um estoque reduzido evita que as marcas tenham de fazer liquidações. Cacau Martins também defende que o consumidor esteja disposto a pagar mais por um produto feito artesanalmente. "O número de peças disponíveis para venda é menor, mas com maior qualidade e valor agregado", adiciona.

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