Roupas artesanais ganham valor quando atreladas a histórias pessoais

Verão pode aumentar venda de produtos feitos à mão no Brasil e no exterior, dizem especialistas

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São Paulo

Formada em arquitetura, Susana Fernandez, 43, decidiu direcionar sua carreira para os trabalhos manuais em 2015, quando se matriculou em uma aula de tricô para avançar dos pontos retos que formavam cachecóis para os mais complexos, que dariam origem à sua primeira blusa.

Susana Fernandez faz atendimento com hora marcada em seu ateliê, em São Paulo; além de produzir as peças, ela conta com o trabalho de outras artesãs, já que o trabalho é minucioso e leva tempo; fotos realizada no ateliê da Susana, em Pinheiros
Susana Fernandez faz atendimento com hora marcada em seu ateliê, em São Paulo; além de produzir as peças, ela conta com o trabalho de outras artesãs, já que o trabalho é minucioso e leva tempo - Lucas Seixas/Folhapress

Hoje, ela é dona do ateliê que leva seu nome, localizado no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, e suas peças estampam desde capas de revistas de moda até campanhas de grandes marcas.

Em 2019, a empreendedora teve sua primeira estagiária de moda, com quem aprendeu sobre a indústria e a quem ensinou alguns pontos. A troca aprimorou seu trabalho, mas também fez Susana entender que não precisaria de adequar às formas usuais de se pensar o setor.

Ela acredita que o diferencial de seu trabalho é justamente a influência de sua formação. "Faço muitas coisas com fio de cobre, colar com concreto. Gosto de trazer esses materiais de construção para a moda e vi que podia continuar desse jeito, porque estava caminhando." As peças custam de R$ 68 a R$ 1.526.

De acordo com Carlos Alberto Pereira Júnior, gestor de economia criativa do Sebrae-SP Vale do Ribeira, é importante que o artesão destaque a individualidade de seu trabalho manual a partir de aspectos como a sustentabilidade, a identidade brasileira e a história presente no produto.

Arara com peças de crochê do ateliê de Susana Fernandez, em Pinheiros (SP)
Arara com peças de crochê do ateliê de Susana Fernandez, em Pinheiros (SP) - Lucas Seixas/Folhapress

Para o especialista, o verão pode ampliar as oportunidades de venda de produtos artesanais por ser um período de grande circulação turística em diversas cidades do país.

"O turismo está muito atrelado ao escoamento da produção artesanal. Do ponto de vista do litoral paulista, por exemplo, a quantidade e o fluxo de pessoas que esses lugares recebem impacta diretamente no consumo e na produção de artesanato."

Outra oportunidade é usar a estação como vitrine para vender ao exterior, afirma Lilyan Berlim, professora de formação em gestão de negócios da moda da ESPM.

"A possibilidade de exportarmos artesanato para o verão europeu é muito grande. Deveríamos investir no calor com olhos em exportação e buscando uma venda maior no Brasil, já que as tendências de moda têm apontado para o consumo de artesanato", diz.

Os desafios para isso seriam a estruturação do negócio para além das vendas informais, a padronização das peças e tamanhos e a capacidade de produção em volume.

Mulher negra de cabelos chacheados de cumprimento médio vestindo blusa de crochê e segurando caneca
A artesã Priscila Santiago, 30, vestindo blusa de crochê feita por ela - @kapellazj no Instagram

Nesse sentido, a união de artesãos em cooperativas é uma possibilidade que oferece formalização da empresa e volume de produção, além da possibilidade de receber selos de sustentabilidade, por exemplo, que atraem grandes marcas preocupadas com ESG (sigla para boas práticas sociais, ambientais e de governança).

É a união com outras artesãs que tem feito o negócio de Susana crescer. Em 2019, ela ficou viúva e, em sequência, veio a pandemia. "Depois desse período, senti que, da mesma forma que muitas pessoas me ajudaram no processo de reconstrução pessoal, profissionalmente eu também precisaria de muitas mãos."

Ela criou o projeto "Arara Coletiva", no qual reuniu artesãs para criarem peças sobre o tema "página em branco", ligado ao recomeço. Foram selecionadas 40 pessoas com técnicas diferentes, que produziriam as roupas com linha branca. Susana ficou responsável por fotografar, divulgar e vender os produtos.

Depois disso, convidou algumas dessas profissionais para produzirem peças para sua loja. Atualmente, ela terceiriza grande parte da produção a cinco artesãs. Por mês, são vendidas cerca de 30 peças, que a empreendedora desenha e envia para produção.

Uma delas é a atendente de floricultura e artesã autônoma Priscila Santiago, 30, de Tietê, no interior de São Paulo. Ela produz peças para Susana há um ano e conta que, antes de começar, faz o orçamento.

O trabalho inclui o tempo dedicado aos testes anteriores à confecção. "Precisa testar se aquele ponto deu certo, senão tem que desfazer e refazer e tudo, às vezes de três a quatro vezes, até ficar com o tamanho e o caimento ideais."

Priscila recebe o pedido com o número de peças, tamanhos, referências e então começa a produção. A cada entrega, é perguntada se está disponível para novas encomendas. Como se divide entre os dois trabalhos, as peças levam de 15 a 20 dias para ficarem prontas. Ela cobra de R$ 7 a R$ 10 por hora de trabalho.

Ela conta ganhar em média R$ 750 por mês, trabalhando de 30 a 60 horas (o equivalente a três peças), mas consegue chegar a um salário mínimo se pegar encomendas pequenas. Nesse caso, não reproduz os modelos vendidos no ateliê.

Na mesma linha, a belo-horizontina Raquel Magalhães Correia, 56, tem visto o crochê se tornar seu trabalho principal. Morando em Porto Seguro (BA), ela realizava serviços para turistas.

Desde que passou a produzir para o ateliê, 70% de sua renda vem da confecção de peças, trabalho realizado de segunda a segunda. Quando as encomendas da Susana pausam, Raquel produz bijuterias, tops e roupas de praia de crochê para vender na orla.

A artista e empreendedora Susana Fernandez em seu ateliê, em Pinheiros
A artista e empreendedora Susana Fernandez em seu ateliê, em Pinheiros - Lucas Seixas/Folhapress

A artesã envia para São Paulo cerca de dez peças por mês e trabalha por volta de oito horas por dia crochetando.

Para ela, a parte mais desafiadora é precificar o produto. Se for vender na praia, tende a diminuir o valor. Já trabalhando para o ateliê, assim que posta a peça nos Correios recebe o Pix com o valor da encomenda. Com isso, consegue recusar os bicos que fazia e se dedicar à sua paixão.

Segundo Lilyan, da ESPM, o desafio é cultural. Ao contrário das peças produzidas artesanalmente por grifes como Louis Vuitton e Chanel, peças manuais têm seu valor esvaziado no Brasil. Por outro lado, tendências de moda associadas à sustentabilidade, à transparência (como o naked body) e ao artesanato podem atrair os olhares do público.

"Surge um consumidor mais consciente, que vai entender artesanato também como ato de resistência, como cultura regional, como sustentabilidade, e as peças artesanais acabam funcionando mais no verão do que no inverno, por causa dos pontos de crochê mais abertos, das franjas e da fluidez."

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