O que muros tanto no Brasil quanto no Quênia escondem

Relato revela dificuldades e ameaças para registrar cerca em Mandera e muro em Cubatão

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FOLHA POR FOLHA

 
São Paulo

Quando dizíamos que iríamos para Mandera, cidade na fronteira entre Quênia e Somália, as pessoas arregalavam os olhos e diziam: “Mandera? Ninguém vai para lá, é muito perigoso.” 

A cidade estava em estado de sítio, por causa dos ataques da facção terrorista Al Shabaab. Estrangeiros eram proibidos de entrar.

Mas, para o nosso projeto Um Mundo de Muros, precisávamos chegar até a cerca que o governo queniano está construindo na fronteira. A justificativa oficial era a proteção contra o terrorismo. Na prática, a cerca impedia a entrada de somalis em fuga da fome e da epidemia de cólera.

O fotógrafo Lalo de Almeida manuseia drone em campo de refugiados no Quênia, cercado por soldados locais
O fotógrafo Lalo de Almeida manuseia drone em campo de refugiados no Quênia - Patricia Campos Mello/Folhapress

Chegando à cidade, fomos informados de que teríamos de contratar um carro com quatro seguranças armados para nos escoltar ou provavelmente seríamos alvo de um ataque. Entendemos o recado.

Depois de muita negociação, conseguimos chegar até a cerca, vigiados por diversos soldados. Tivemos pouco mais de 30 minutos para fazer imagens da cerca e conversar com moradores de aldeias próximas. 

Mais tarde, um prosaico teste com o drone, dentro do hotel, quase nos levou a um final infeliz. Um policial ameaçou prender meu companheiro Lalo de Almeida, alegando que ele estava filmando a casa do governador e podia ser um espião ajudando terroristas. 

Nada disso foi surpresa. 

O surpreendente foi encontrar condições tão ou mais difíceis em Cubatão. Lá, nossa missão era retratar o muro que esconde uma comunidade de 25 mil pessoas, Vila Esperança, controlada pelo tráfico de drogas. 

Em uma das visitas, Lalo subiu em uma passarela de onde tinha uma visão panorâmica. Foi abordado por um grupo de homens armados com fuzis. “Você está louco? O que você está fazendo?”. Exigiram ver as fotos, e mandaram apagar diversas imagens. 

Seja na fronteira entre Quênia e Somália, seja em Cubatão, ninguém quer mostrar o que acontece do lado de lá do muro. E ninguém quer saber. 

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