Depois de os celulares ao redor do mundo vibrarem a noite toda com alertas de notícias sobre o ataque americano à Síria —tratado por alguns como um sinal apocalíptico— o ditador Bashar al-Assad apareceu em vídeo de propaganda caminhando ao trabalho como se fosse um dia comum em Damasco, sua capital.
Ele é mostrado por oito segundos de terno e gravata e carregando uma maletinha, com a legenda de “uma manhã de resiliência”. As imagens foram publicadas na internet pela Presidência síria horas depois dos bombardeios, mas podem ter sido gravadas em outra ocasião.
A mensagem condiz com o cinismo predominante em todo o discurso sobre a guerra civil síria, já em seu sétimo sangrento ano. Assad, apoiado pela Rússia e pelo Irã e vencendo a disputa militar, caminha no vídeo pelos corredores de seu palácio com a convicção de que (com ou sem bombardeio liderado pelos americanos) deve sair impune.
Os ataques descritos pelo presidente Donald Trump como uma “missão cumprida”, em parceria com a França e o Reino Unido, foram bastante limitados. Um espetáculo de som e luzes, com fotos impactantes divulgadas para a imprensa. Mas, salvo surpresas, não devem mudar o rumo da guerra que já destruiu boa parte da Síria.
É o mesmo cinismo, aliás, do restante dos atores políticos, que tanto falaram de “linhas vermelhas cruzadas” (caso do presidente francês, Emmanuel Macron). Quase como se dissessem a Assad que por fim se importam com os civis massacrados há quase uma década por seu regime, apenas porque agora foram mortos por armas químicas.
O problema, porém, não é que morram. Que o ditador mate sua população com armas convencionais, como as bombas lançadas em escolas e hospitais, não cruza linhas de cor nenhuma, ou são menos graves, ou são invisíveis.
No discurso público e nas análises políticas, os sírios de fato quase não são vistos. Um conceito abstrato. O suposto ataque químico de Assad é descrito em termos de seu impacto nas relações internacionais, e os bombardeios americanos são apresentados como uma preocupação por agravar o atrito entre os EUA e a Rússia.
Em Damasco, porém, na “manhã de resiliência” da propaganda de Assad, a população acordou com os estrondos de mais explosões, como aquelas com as quais já se acostumaram há alguns anos.
Escanteados dos debates que lhes dizem respeito, assistindo a estrangeiros em mesas redondas versando sobre seu país, os sírios seguem sem perspectiva de retomar suas vidas.
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