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Coreia do Norte kim jong un

Para Trump, cancelamento visa ganhar tempo e evitar vexame

Entusiasmo do americano se mostrou exagerado, e risco de confronto pode voltar ao horizonte

Igor Gielow
São Paulo

Como era crescentemente previsível, fracassou antes de ser realizada a histórica cúpula entre Estados Unidos e Coreia do Norte. Era a única saída para o presidente Donald Trump não voltar para casa com um fracasso diplomático e talvez um beco sem saída político da reunião de Singapura.

Cópia da carta de Donald Trump a Kim Jong-un, na qual cancela o encontro em Singapura
Cópia da carta de Donald Trump a Kim Jong-un, na qual cancela o encontro em Singapura - J. David Ake/AP

O voluntarismo de Trump ao abraçar o convite do ditador Kim Jong-un, que vinha patrocinando uma campanha de charme ao sul da zona desmilitarizada das Coreias, acabou obrigando a mudança de rumo para ganhar mais tempo de negociação.

Bastaram duas viagens de Kim para encontrar o líder da ditadura chinesa, Xi Jinping, para que sua afetuosidade mudasse completamente. Pouco ou nada transparece da diplomacia de Pequim, mas claramente não é de seu interesse que o Norte perca sua capacidade dissuasória contra a ponta de lança estratégica dos EUA na Coreia do Sul.

Seul, aliás, deve estar se remoendo por ter estimulado a cúpula com a premissa de que Kim estaria sim disposto a se livrar das armas nucleares e dos mísseis que garantem a existência de seu regime. Olhando retrospectivamente, soou como ingenuidade.

Trump corria o risco de ir a Singapura, legitimar um ditador comunista implacável e só ganhar promessas vagas de desnuclearização em troca. Ele queria uma vitória total para esfregar na cara de um mundo que lhe é crescentemente hostil, algo parecido com o comportamento de um presidente republicano muito mais denso mas tão imprevisível quanto ele, Richard Nixon.

Foi outro sinal claro de falta de experiência diplomática da Casa Branca. O padrão morde e assopra de Pyongyang é constante na história, apesar das fotografias simpáticas a que Kim se permitiu quando colocou os pés no Sul no encontro com o presidente Moon Jae-in.

O ditador ajudou  Trump ao falar grosso contra as ameaças militaristas da estrela do campo "falcão" da Casa Branca, o assessor de Segurança Nacional, John Bolton.

A dúvida que fica agora é o que esperar da volátil dinâmica da península coreana. O tom lacrimoso e quase colegial da carta de Trump a Kim certamente deixa abertas portas para a continuidade do diálogo, que de resto avançou muito em 2018.

Mas o cancelamento significa também que as nuvens carregadas de um conflito, que tomaram ares de tempestade iminente ao longo de 2017, seguem presentes no horizonte. Como o texto do presidente americano deixou claro, a próxima jogada é de Kim.

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