Descrição de chapéu

Trump testa Kim, e não há motivo para que um confie na palavra do outro

Coreia do Norte já enganou os americanos antes, e caso da Líbia dá bons argumentos contra os EUA

São Paulo

Donald Trump e Kim Jong-un estão se testando. Diferentemente do que ocorreu no ano passado, contudo, o cabo de guerra por ora não envolve explosões nucleares ou exercícios militares, e sim uma mais comedida diplomacia.

O assessor John Bolton observa Trump em encontro com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, na Casa Branca
O assessor John Bolton observa Trump em encontro com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, na Casa Branca - Evan Vucci/AP

No centro de tudo, aquilo que a cautela recomendava quando a etapa "namoro" do conflito se fez evidente, neste ano: nenhum dos dois lados é exatamente confiável.

Os norte-coreanos utilizam tradicionalmente a ambiguidade em suas negociações. Foi assim que engambelaram os americanos durante metade dos anos 1990 e aceleraram seu programa nuclear e de mísseis balísticos enquanto recebiam auxílio de um acordo celebrado sob Bill Clinton.

Já os EUA não têm exatamente um histórico melhor. Quando John Bolton, o belicoso assessor de Segurança Nacional de Trump, citou o "caso Líbia" para falar sobre a Coreia do Norte, não poderia ter cometido melhor "sincericídio".

As armas nucleares e os meios de empregá-las são a única garantia que Kim tem de que seu regime aberrante, um misto de stalinismo com absolutismo dinástico, vá sobreviver. O próprio conceito do que é uma península desnuclearizada é dúbio.

Os EUA e seus colegas europeus também haviam dados fortes garantias, para usar a expressão de Trump sobre Kim, de que Muammar Gaddafi seria deixado em paz após se livrar de seu programa nuclear.

Deu certo por um tempo, e Gaddafi acabou morto após seus fiadores permitirem a destruição do regime. Assim, Kim não está desprovido de razão, tendo em vista seus interesses. Suas críticas na semana passada serviram para isolar um pouco Bolton, mas, como se viu nesta terça (22), o clima não desanuviou.

Outros elementos estão na mesa. Trump afirmou ter percebido uma "pequena mudança" na disposição pacifista de Kim após seu segundo encontro com o líder chinês, Xi Jinping, no começo deste mês. O recado foi claro a Pequim, que já havia passado 2017 sob pressão de Washington para tentar dobrar Pyongyang.

A ditadura de Xi não morre de amores pela sua irmã menor no norte da península coreana, mas estrategicamente é de seu interesse que Kim fique onde está com seu grande Exército, separando assim as fronteiras chinesas das tropas capitalistas do Sul e dos 30 mil soldados americanos por lá estacionados.

Com a guerra comercial ora debatida entre americanos e chineses, a possibilidade de boa vontade por parte de Xi no processo parece diminuta.

Com isso, foi a vez de Trump de cutucar Kim com as armas usuais dos norte-coreanos. O fato de já existir data (12 de junho) e local (Singapura) para o encontro indica que as negociações estão bastante avançadas para sua realização, mas a imprevisibilidade de ambos os líderes deverá ditar a expectativa até lá.

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