Um país com trens de alta velocidade, arranha-céus espelhados, fábricas modernas e gigantescas linhas de transmissão de energia. E até cavalos brancos galopando sobre a água.
Para o mandatário dos EUA, podem ser. Elas fazem parte de um vídeo exibido ao ditador da Coreia do Norte durante a cúpula entre os dois líderes, nesta terça-feira (12) –que, segundo Trump, são uma visão do que pode se tornar o país comunista.
“Esse pode muito bem ser o futuro”, disse o americano, após o encontro.
O material foi editado pelo governo americano (embora seja apresentado como uma produção Destiny Pictures) e exibido em um tablet a Kim e outras autoridades do seu regime. “Eu achei muito bom; eu acho que eles amaram”, comentou.
Enquanto cenas de cidades luminosas e fábricas de tecnologia são exibidas, um narrador fala sobre “a luz da prosperidade e da inovação” e diz que a “história está sempre evoluindo”.
Nesse momento, surgem imagens de Kim e Trump: “Chega um momento em que apenas alguns são chamados para fazer a diferença. Mas a questão é: que diferença esses poucos farão?”
O vídeo faz um convite para que Kim “seja parte daquele mundo, em que as portas da oportunidade estão abertas”: um mundo com “tecnologia inovadora”, “avanços médicos” e “abundância de recursos”, promete o governo americano.
Ao final dos quatro minutos da produção, o recado fica ainda menos sutil: “Irá esse líder escolher o avanço de seu país, ser o herói do seu povo? Irá ele apertar as mãos da paz, e aproveitar a prosperidade, como nunca antes visto?”.
Os retratos dos dois homens são colocados lado a lado: “dois líderes e um destino”.
“Apresentando Donald Trump e Kim Jong-un”, diz o narrador, “um encontro para refazer a história."
Não deixa de ser uma amostra do estilo de liderança de Trump, que fez fortuna no ramo imobiliário e escreveu um livro, no final dos anos 1980, chamado “A arte da Negociação”.
"É um baita 'pitch'", comenta o americano Daniel Wertz, especialista do Comitê Nacional da Coreia do Norte, comparando o vídeo a uma "ideia de negócio" apresentada a Kim.
Nessa arte, a vaidade desempenha um papel central.
“É claramente um apelo à vaidade de Kim e sua busca por grandeza e reconhecimento global”, afirma o professor John Ciorciari, diretor do Centro de Política Internacional da Universidade de Michigan.
Aos jornalistas após o evento, o americano falou com entusiasmo de sua visão para o futuro da Coreia do Norte, caso seja alcançado o acordo de desnuclearização.
“Eles têm praias incríveis. Não daria um ótimo condomínio?”, declarou. “Pense do ponto de vista imobiliário: você tem a Coreia do Sul, a China, e uma terra bem no meio! O quão incrível é isso? Eu expliquei: vocês podem ter os melhores hotéis do mundo.”
A frase, na avaliação do diplomata americano Richard Haass, mostra que a doutrina de contenção, idealizada durante a Guerra Fria para frear o comunismo pela política e diplomacia, deu lugar à "doutrina do condomínio". "A política externa dos EUA mudou claramente", brincou.
O estilo hollywoodiano da produção soa cafona e reducionista a alguns, e inclusive polarizador, do tipo que lança um herói contra o bandido.
“A gente sabe que a realidade é mais complexa. Mas isso não quer dizer que essa comunicação não seja efetiva”, comenta Pablo Boczkowski, professor da Universidade Northwestern e especialista na relação de Trump com a mídia.
Para ele, o presidente americano já provou ser um bom comunicador, e metáforas como as do vídeo, que mostram o encontro de dois mundos, são eficientes e evocativas ao público geral –e talvez, inclusive, a Kim.
“Pode funcionar”, comenta Ciorciari. Ele ressalta que o filme, e o encontro em si, acabou por elevar o ditador norte-coreano, que exerce um regime de brutal controle sobre a população e mantém milhares de prisioneiros em campos de trabalho forçado.
“O custo está muito claro: foi dada legitimidade a Kim. Mas ainda é uma questão aberta se isso irá encorajá-lo a adotar uma postura mais pacifista ou não”, afirma.
Kim estava sorridente ao final do encontro —mas o clima amistoso não impediu que um agente do regime inspecionasse, com luvas de látex, a caneta que ele usaria para assinar o acordo. Medida de segurança.
Trump disse que o vídeo foi apenas uma sugestão, e cabe a Kim decidir qual vai ser seu plano de desenvolvimento daqui em diante.
Ou, nas palavras do clipe editado pela Casa Branca: “O passado não precisa ser o futuro”.
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