Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

E o Oscar vai para o 'pequeno homem foguete'

Kim Jong-un ganha o tapete vermelho; o resto é para depois

O único fato realmente concreto que emerge do "histórico” encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un é a foto em que o antigo “pequeno homem foguete", como Trump tratava Kim, aparece no tapete vermelho, com a bandeira norte-coreana ao fundo, no mesmo nível do governante da maior potência do planeta.

É claro que ninguém de bom senso deve discordar do sempre excelente Igor Gielow quando ele escreve que “é muito melhor para o mundo que dois países detentores da bomba atômica, ainda que com poderes incomparáveis, sentem para conversar do que fiquem trocando ofensas e ameaças ora juvenis, ora terrivelmente perigosas".

 

De acordo, Igor, mas acrescento a ressalva de que horroriza quem respeita os direitos humanos ver que “o tapete vermelho foi desenrolado para o ditador hereditário de um Estado escravo com um registro de torturar e levar seu próprio povo à fome", como escreveu, antes mesmo do encontro, Jonathan Friedland (The Guardian).

Kim ganhou o que pretendia: deixar de ser tratado como “ditador hereditário” e, como tal, um pária internacional, para passar a ser “um homem muito talentoso", como Trump o descreveu após o encontro.

O que, em contrapartida, ganham Trump e, com ele, o resto do mundo?

Nada além de “termos deliberadamente vagos sobre as duas moedas de troca na mesa, a chamada desnuclearização da península e as garantias americanas ao regime aberrante de Kim", para voltar a Igor Gielow.

É claro que Trump e seus bajuladores eternamente de plantão vão vender a declaração de Singapura como o fim do pesadelo nuclear na península coreana. Pode até vir a ser verdade algum dia, mas não consta do comunicado final emitido após a cúpula.

O texto diz apenas que “reafirmando a declaração de Panmunjom de 27 de abril de 2018, a República Democrática e Popular da Coreia se compromete a trabalhar rumo à completa desnuclearização da península Coreana".

Está no papel, portanto, que o acertado entre Trump e Kim é apenas a reiteração do que já havia sido dito há mais de um ano pelos norte-coreanos, em reunião com os líderes sul-coreanos. Claro que ninguém com um dedo de bom senso esperaria que uma cúpula improvisada como a desta terça-feira (12) produzisse resultados imediatos.

Mas daí a vender seu resultado como “histórico” vai uma distância que a prudência manda não percorrer açodadamente.

Ainda mais que o comunicado final passa longe do que o secretário de Estado Mike Pompeo havia definido como a meta essencial dos Estados Unidos: “A completa, verificável e irreversível desnuclearização da península Coreana é o único resultado que os Estados Unidos aceitarão".

Criou-se até, como é hábito dos diplomatas, um acrônimo para essa meta (CVID, para completa, verificável e irreversível desnuclearização).

A tal CVID não consta do documento final. Nele figura apenas a informação de que as partes se comprometeram a continuar negociações “na data mais próxima possível".

Só então se saberá se o encontro de Singapura será de fato  histórico ou se histórica será apenas para Kim a sua foto no tapete vermelho ao lado de Trump, o que briga com seus parceiros democráticos e afaga um ditador.

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