Hugo Chávez destravou início das negociações de paz entre Colômbia e Farc

Segundo documentos, venezuelano foi 1º a saber da intenção de Santos pela paz, e guerrilha evitou reunião no Brasil

Santos e Timochenko aparecem de perfil, estendendo as mãos um ao outro. Os demais presidentes estão atrás, acompanhando a cena. Raúl Castro e Peña Nieto, que estão nas pontas, batem palmas. Todos vestem camisas brancas.
Observado pelos presidentes Enrique Peña Nieto (México), Pedro Pablo Kuczynski (Peru) e Raúl Castro (Cuba), Juan Manuel Santos cumprimenta o líder das Farc, Rodrigo Londoño, o Timochenko, após a assinatura do acordo de paz em 2016 em Cartagena, na Colômbia - Luis Acosta - 26.set.16/AFP
São Paulo

Três dias depois de assumir seu primeiro mandato, em 7 de agosto de 2010, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, receberia seu então o homólogo venezuelano, Hugo Chávez (1954-2013), tentando recuperar a relação destruída pelos embates com Álvaro Uribe, antecessor e padrinho do novo mandatário.

No encontro em Santa Marta, no Caribe colombiano, porém, Santos manifestaria seu desejo de negociar a paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), cujos acampamentos do outro lado da fronteira levaram à ruptura dos países em 2008.

A declaração de Santos deu início a uma mobilização que teve Chávez como mediador e levaria ao início do processo de paz com a guerrilha. Os detalhes são contados em documentos até então secretos revelados nesta quarta-feira (25) pelo governo colombiano.

Em 6 de setembro, um mês depois da reunião em Santa Marta, Santos estabeleceu a voz do governo no pré-acordo: o empresário Henry Acosta, amigo de Pablo Catatumbo, um dos líderes da guerrilha.

Os dois trocavam cartas desde o governo Uribe, mas o guerrilheiro dizia não haver condições para o diálogo. Acosta transcreveu conversa de Santos sugerindo que o primeiro encontro secreto fosse no Brasil ou na Suécia.

"Diga-lhe que eu já conversei com [Celso] Amorim e [Nelson] Jobim, ministros das Relações Exteriores e da Defesa do Brasil, e tenho todo o apoio deste país para que nos facilitem o território e a logística, a fim de realizar este encontro secreto", disse o presidente.

Catatumbo, porém, respondeu com desconfiança. "Como vocês garantem que não haverá uma armadilha? Quais são, além das palavras, as garantias de Brasil e Suécia?", disse.

"Poderiam nos dar mais confiança, como cenários possíveis, Venezuela ou Cuba, países com quem o governo tem excelentes relações. Por isso sugerimos um primeiro encontro em território colombiano na fronteira com a Venezuela, com a anuência do governo da república-irmã."

E assim se fez: em 2 e 3 de março de 2011 as duas delegações se reuniram na localidade de Río de Oro, no departamento colombiano de Cesar. Os delegados das Farc partiram da Venezuela, com apoio chavista, para o encontro. Nele, definiriam que se encontrariam em Cuba em 31 de maio.

Nos meses seguintes, porém, o Exército continuou seus ataques contra as Farc, matando dois combatentes. Na Venezuela, apesar do respaldo de Chávez à guerrilha, dois líderes foram presos.

A insegurança fez com que o grupo desistisse de enviar seu então vice-líder, Rodrigo Londoño, o Timochenko, à reunião em Cuba, que foi adiada. A ilha de La Orchilla, na Venezuela, seria cenário de tratativas em julho para destravar as negociações, sem sucesso.

As ofensivas militares continuariam. Em 4 de novembro, seria morto em um bombardeio o comandante da guerrilha, Alfonso Cano. Nos dias seguintes, Timochenko seria designado o substituto.

Com as negociações paradas, Chávez pediria autorização a Santos para receber o líder das Farc em encontro dos dois na cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) em 2 de dezembro, em Caracas.

Eles se reuniram na semana seguinte na capital venezuelana. A partir daí, retomaram os preparativos da negociação em Cuba, com mediação de Caracas, Havana, da Cruz Vermelha e da Noruega. A cidade venezuelana de Barinas sediaria uma reunião preliminar, em janeiro de 2012.

As delegações se veriam pela primeira vez na ilha comunista em 24 de fevereiro. Três semanas depois, Chávez voltaria a receber o líder das Farc. Nos meses seguintes seriam estabelecidos os marcos legais até que, em 4 de setembro, Santos e Timochenko anunciariam as negociações de paz.

No preâmbulo da compilação de documentos, o alto comissário para a paz, Sergio Jaramillo, relata que as negociações seriam impossíveis sem a reaproximação com os países vizinhos. "Por isso, um dos primeiros atos de Santos foi se sentar com Chávez como vizinhos responsáveis para diminuir a tensão."

O informe foi lançado por Santos, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, duas semanas antes de passar o comando do país para Iván Duque, também afilhado de Uribe, que quer mudar o acordo com as Farc.

No dia 20, Santos pediu a Duque cuidar da paz. "Não podemos fracassar frente ao futuro da Colômbia e ao direito de nossos filhos e netos de viverem em um país normal."


O pré-acordo de paz da Colômbia com as Farc 

10.ago.10 Juan Manuel Santos recebe Hugo Chávez, a quem diz que quer começar processo de paz com as Farc 

2-3.mar.11 Delegações fazem primeira reunião da pré-negociação na Colômbia, com ajuda de Caracas 

4.nov.11 Bombardeio militar mata líder das Farc, Alfonso Cano; Rodrigo Londoño, o Timochenko, assume seu lugar 

2.dez.11 Em cúpula da Celac, Chávez pede a Santos autorização para receber Timochenko em Caracas

24.fev.12 Acontece a primeira reunião preparatória do acordo em Havana, Cuba 

4.set.12 Santos e Timochenko anunciam processo de paz

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.