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Ênfase no pacifismo de Jesus levou a mudança em doutrina sobre pena de morte

Papa Francisco conclui processo de modernização do Catecismo iniciado por João Paulo 2º

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São Carlos

Ao estabelecer que a pena de morte é inadmissível, independentemente das circunstâncias, o papa Francisco conclui um processo de transformação da doutrina católica sobre o tema que já estava em marcha há décadas.

O papa Francisco durante sua audiência semanal no Vaticano, nesta quarta-feira (1º)
O papa Francisco durante sua audiência semanal no Vaticano, nesta quarta-feira (1º) - Andreas Solaro/AFP

Embora cristãos opositores da pena capital costumem citar o mandamento bíblico “Não matarás” como argumento contra a prática, o fato é que, durante a maior parte de sua história, a Igreja Católica não cogitou defender o fim desse tipo de punição —em parte por causa da maneira como se interpreta o próprio texto da Bíblia.

É que, tanto em hebraico (idioma do Antigo Testamento) quanto em grego (língua do Novo Testamento), o verbo usado na frase normalmente traduzida como “Não matarás” tem um sentido mais restrito, próximo de “Não cometerás assassinato”.

Uma vez que o próprio Antigo Testamento estabelece que certos crimes deveriam ser punidos com a pena de morte, teólogos como santo Agostinho (354 d.C.-430 d.C.) e são Tomás de Aquino (1225-1274) raciocinaram que alguns casos permitiam o uso da força letal, não violando, portanto, o mandamento bíblico.

Nessas circunstâncias, a justificativa seria a atuação das autoridades legítimas para proteger a sociedade, em especial os inocentes, de agressões injustas, além de salvaguardar as leis estabelecidas por vontade de Deus.

Esse ponto de vista, que também embasava a doutrina católica da guerra justa (voltada para a autodefesa e a punição de atos supostamente injustos), permaneceu praticamente inalterado até os anos 1960.

Desde então, porém, uma ênfase maior nos ensinamentos “pacifistas” de Jesus (como a ideia de “oferecer a outra face”), bem como a busca de reavaliar a doutrina com base em transformações do mundo moderno, tem levado a Igreja a restringir cada vez mais o espaço de legitimidade da violência letal, o que inclui tanto a pena capital quanto a chamada guerra justa.

O pontificado do polonês João Paulo 2º deu passos importantes nesse sentido. O Catecismo da Igreja Católica atualizado e publicado sob os auspícios dele em 1992 dizia que a execução de criminosos era aceitável se esse fosse “o único modo possível de defender efetivamente vidas humanas contra um agressor injusto”.

Entretanto, na mesma década, a publicação da encíclica (principal documento papal) “Evangelium Vitae”, crítica de João Paulo 2º ao que via como a “cultura da morte” do mundo moderno, acabou levando a novas alterações no Catecismo sobre o tema.

O manual de doutrina passou a destacar que as condições que justificavam a pena capital hoje em dia eram “muito raras, se não praticamente inexistentes”. Em outra ocasião, o papa polonês disse que esse tipo de pena era “tanto cruel quanto desnecessária”.

A mudança introduzida por Francisco no Catecismo é, em certo sentido, a consequência lógica desses desenvolvimentos da doutrina.

Também está em consonância com outros aspectos do magistério do papa argentino, o qual também já levou ao limite a crítica a toda forma de guerra, chegando até a questionar se ações militares de defesa poderiam ser consideradas justas.

Do ponto de vista do atual papado, a oposição à pena de morte faz sentido dentro de uma “ética consistente de defesa da vida”: a dignidade da vida humana é vista como sagrada no caso de um embrião sob risco de ser abortado, de um adulto doente que cogita submeter-se à eutanásia —e mesmo no caso de um assassino condenado.

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