Descrição de chapéu
Paulo Sérgio Pinheiro

Invocar o brasileiro Sergio Vieira de Mello é evocar a esperança

Morte do brasileiro em um ataque a bomba no Iraque completa 15 anos

Paulo Sérgio Pinheiro

Todo 19 de agosto a lembrança vem à memória daquele dia em 2003. Sergio Vieira de Mello, representante especial do Secretário-Geral no Iraque, fora atingido por uma bomba.

Em câmara lenta, detalhes começaram a emergir até a confirmação de que Sergio e muitos colegas estavam mortos. Ali se encerravam as virtualidades que seriam reabertas quando ele voltasse ao posto de Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, do qual se licenciara para ir ao Iraque.

Sergio (1948-2003) tinha o dom de transformar situações dadas como perdidas em situações em que a esperança era possível, e de negociar um cessar-fogo até no auge de guerras genocidas, como na Bósnia e em Ruanda.

O jornalista William Shawcross dizia jamais ter ouvido alguém falar mal dele: todos falavam de “Sergio’s magic”.

No único discurso que proferiu na antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU, em 17 de março de 2003, disse: “Precisamos não deixar que a nossa busca por segurança seja baseada no medo. Essa busca apenas será completada se formos guiados pelo que nos une: os direitos que vocês, a Comissão, juraram proteger e promover”. E completou, com uma sombra sinistramente premonitória: “se não o fizermos, aquele velho demônio, a história mundial, terá prevalecido”.

 

Nesses quinze anos que nos separam dessa declaração, o velho demônio prevaleceu.

A dignidade de milhões de pessoas continua a ser violada em consequência da falta de empenho dos governos, da pobreza, da desigualdade, da corrupção e da guerra.

Hoje, mais de um bilhão de pessoas —um em cada seis seres humanos— vivem em condições de pobreza extrema.

A desigualdade de renda aumentou em todas as regiões do mundo nas últimas décadas. Em 2016, a parte da renda nacional dos 10% mais ricos do mundo equivalia a cerca daquela de 55% da população, localizada na África Subsaariana, no Brasil e na Índia.

A cada ano, de 500 milhões a 1,5 bilhão de crianças em todo o mundo sofrem alguma forma de violência física, psicológica e sexual no lar, na escola, no trabalho, em instituições judiciais e na comunidade.

Há níveis altíssimos de pessoas deslocadas de suas moradias. São cerca de 65 milhões, sendo que 22,5 milhões são refugiados —a metade delas são menores de 18 anos. Em consequência da Guerra na Síria, há agora 5,6 milhões de refugiados desse país.

A atuação de Sergio tanto no setor humanitário como na gestão das crises políticas dizia respeito a esses horrores, pois clamava pela necessidade de sempre fazer prevalecer a proteção dos vítimas de violações de direitos.

Sergio tinha plena consciência de que não há luta pelos direitos humanos sem conflitos, obstáculos e resistências, pois ela se dá num campo de contradições no Estado, ao mesmo tempo o maior violador, por omissão ou por práticas  e o protetor e promotor dos direitos humanos

Sergio Vieira de Mello, na sua formidável carreira nas Nações Unidas, conseguiu transformar causas perdidas em situações em que era possível ter esperança. Invoquemos esse seu dom para assumir o grande desafio do século 21, de reduzir e fechar o fosso entre as normas de direitos humanos e a diabólica realidade de sua não aplicação.

Sergio Vieira de Mello
Nascido no Rio de Janeiro em 1948, se formou em filosofia na Sorbonne, em Paris, onde também fez doutorado; entrou no Acnur (órgão da ONU responsável pelos refugiados) em 1969 e em 34 anos de carreira atuou em diversos países, entre eles Bangladesh, Moçambique, Timor Leste e Iraque, onde morreu em 19 de agosto de 2003 após um ataque contra a sede das Nações Unidas no país 

Paulo Sérgio Pinheiro é presidente da Comissão Independente da ONU sobre a Síria (2011-) e ex-ministro dos Direitos Humanos (2001-02)

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