Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Associação entre Israel e conservadorismo de Bolsonaro preocupa alguns judeus

Parte dos israelenses diz que visão sobre país é idealizada e que nação é mais progressista

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Tel Aviv

Uma bandeira de Israel tremula atrás da nova ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, a advogada e pastora evangélica Damares Alves, no vídeo que viralizou nesta quinta-feira (3), no qual ela afirma que, na “nova era no Brasil”, “menino veste azul e menina veste rosa”. 

Frame de vídeo mostra a pastora evangélica Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, dizendo que é uma "nova era no Brasil" que "menino veste azul e menina veste rosa", com a bandeira de Israel ao fundo.
Frame de vídeo mostra a pastora evangélica Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, dizendo que "menino veste azul e menina veste rosa", com a bandeira de Israel ao fundo. - Reprodução


A associação entre Israel e o conservadorismo do novo governo brasileiro – principalmente por causa do apoio do primeiro-ministro Biniyamin Netanyahu ao presidente Jair Bolsonaro (PSL)– preocupa uma parcela dos judeus no Brasil e em Israel, que gostariam de desvincular política e interesses de governos específicos da sociedade como um todo.

Para especialistas e diplomatas, o Israel que é alvo da simpatia dos evangélicos brasileiros simbolizaria não um país real mas sim um conceito cuja pregação está muito vinculada ao Velho Testamento (a Bíblia judaica), com personagens como Moisés e o rei Davi.

Essa imagem idealizada do país, no entanto, está longe da realidade do Estado de Israel moderno, com suas milhares de startups, universidades e tecnologias avançadas.

“Eu vi o vídeo e claro que eu fiquei chateado, porque, aqui em Israel, os meninos não vestem azul e as meninas rosa. Cada um veste o que quer”, diz o ex-cônsul econômico de Israel em São Paulo, Roy Nir-Rosenblatt, diretor para o Brasil da empresa Tammuz, uma das maiores do mundo em barriga de aluguel.
“Israel está longe de ser o país conservador e religioso que se pensa”, afirma ele.

O ex-cônsul diz entender a importância do apoio político do governo Bolsonaro a Israel. 
Mas aponta para o efeito colateral: “Por um lado, precisamos desse apoio dos evangélicos pelo mundo, inclusive os brasileiros. Mas, por outro, irrita essa apropriação da nossa bandeira, porque Israel não tem nada a ver com essas crenças, com esse fanatismo”.

Nir-Rosenblatt diz que Israel é muito liberal sobre vários temas, como direitos dos LGBT, o papel da mulher na sociedade e aborto, por exemplo. O país tem o maior percentual do mundo de famílias LGBT.

As escolas públicas adotam uma visão de gênero segundo a qual professores não só não devem dar palpites em relação às cores ou outros aspectos das roupas das crianças como são incentivados a não perpetuar estereótipos.

A orientação oficial do Ministério da Educação diz: “Suavizar a divisão acentuada entre a aparência aceitável de ‘meninos’ e ‘meninas’, encorajando a aceitação de cores de roupas mais diversificadas para ambos os sexos, estilos mais variados de roupas, manutenção do corpo e estilos de movimento menos polarizados e aumentando a gama de escolha e auto-expressão de meninas e meninos”.

A professora e coordenadora de jardim de infância Sarit Cohen explica que há um esforça inclusivo no sistema educacional acirrado nos últimos anos não só quanto ao gênero como quanto a cor da pele dos alunos e famílias não tradicionais. 

E, mesmo que uma classe tenha apenas meninos, por exemplo, é obrigatório que haja bonecas e cozinhas de brinquedo para uso dos alunos.

“Em cartazes nos jardins de infância e escolas, a orientação é nunca mostrar meninas com vestidos rosas e meninos com calças azuis e sim ambos os sexos com roupas neutras e cores como amarelo, verde e vermelho”, diz Cohen.

Ela assinala, no entanto, que em escolas públicas religiosas ou mesmo escolas seculares em cidades mais conservadoras, essas mudanças são mais suaves e levam mais tempo. 

“Quanto mais religiosos os professores e o meio, mais delicada é essa tendência, por causa dos valores mais tradicionais”.

Israel, Estado judeu criado em 1948, nunca teve maioria religiosa. Atualmente, 49% dos adultos judeus (que são 75% da população total) se classificam como totalmente seculares. Outros 29% se dizem tradicionais (um pouco religiosos). Só 22% dos israelenses se consideram muito religiosos (sendo 9% deles extremamente religiosos, os ultraortodoxos).

Os dados são do centro de pesquisas americano Pew, mas coincidem com os do Escritório Nacional de Estatísticas de Israel. Segundo o órgão, aliás, 22% dos adultos judeus israelenses nunca vão à sinagoga.
Certamente, há aspectos mais complexos. Em Jerusalém, por exemplo, um terço dos moradores são judeus extremamente religiosos.

Não há casamento ou divórcio civil no país. E o transporte público não funciona no shabat (o sábado judaico). Um constante cabo de guerra entre religiosos e seculares permeia a sociedade civil.

Alguns acreditam que há um aumento da religiosidade, nos últimos anos. Em julho de 2018, vários manifestantes pelo país protestaram contra leis que excluem casais gays, textos cada vez mais religiosos em livros escolares e separação entre meninos e meninas em eventos do sistema educacional e do exército.

Segundo o cientista político Samuel Feldberg, graduado pela Universidade de Tel Aviv e doutor pela USP, Israel passa pela mesma discussão interna entre conservadorismo e liberalismo pela que passa o Brasil.

Mas é o ponto de vista dos conservadores que é destacado por membros do novo governo: “O que nós estamos vendo é uma captura de apenas uma parte da sociedade israelense transformada na imagem dessa sociedade como um todo, de acordo com o que interessa a esses grupos no Brasil”, diz Feldberg.

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