Descrição de chapéu Venezuela

Maduro amplia distribuição de comida em busca de apoio popular

Ditador enfrenta pressão do líder da Assembleia, que se declarou presidente encarregado do país

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Caracas

“Tem carne e salsicha desta vez, não dá para acreditar”, dizia Manolo Arteaga, 52, que saiu, após duas horas de uma fila comprida e em zigue-zague, feliz com a bolsa-bônus do governo nas costas. “Em geral essas cestas têm farinha, café, leite em pó, azeite e pouca coisa mais”, conta à Folha, com um sorriso.

A entrega de cestas básicas mais fornidas que o usual era apenas para quem tinha o “carnê da pátria”, uma espécie de cartão de fidelidade ao governo que o cidadão venezuelano pode pedir, em troca de “benefícios”, que são muito bem-vindos em tempo de carestia.

Quem ainda não tinha podia fazer o carnê na hora, ao lado da fila, numa mesa com funcionários vestindo boinas vermelhas.

A cena relatada acima era no mínimo curiosa. Ocorreu na tarde de sexta-feira (25), diante do Palácio de Miraflores, sede do governo venezuelano. 

Ponto de distribuição de alimentos para portadores do "carnê da pátria", em Caracas - Meridith Kohut - 20.mai.18/The New York Times

Além da fila para receber os benefícios extras, havia um telão montado diante do edifício, com cadeiras de plástico para quem quisesse assistir, e havia público. 

O que se mostrava, porém, era uma miscelânea de imagens de propaganda do governo, com discursos e mensagens favoráveis à Venezuela por parte de países alinhados, ou que pelo menos não participaram do reconhecimento de Juan Guaidó como líder da Venezuela. 

Palavras de Andrés Manuel López Obrador (presidente do México), de José “Pepe” Mujica (ex-presidente do Uruguai), de Salvador Sánchez Cerén (presidente de El Salvador) iam sendo transmitidas. Também eram mostradas notícias dos canais estatais, positivas sobre o governo.

Juan Guaidó, que é presidente da Assembleia Nacional venezuelana, se declarou presidente encarregado do país na quarta (23) e foi reconhecido pelo governo dos Estados Unidos, do Brasil e de outros países da região.

A oposição considera que a lei foi violada quando o ditador Nicolás Maduro convocou uma Assembleia Constituinte, em 2017, e na eleição presidencial de 2018, cuja legitimidade foi contestada. 

Para os opositores, ao violar a lei, Maduro tornou-se um presidente ilegítimo e, ao tomar posse de um novo mandato, no dia 10, ele “usurpou” o poder. 

Com isso, o chefe da Assembleia teria o dever de assumir o comando do país e convocar novas eleições.

O clima na fila para receber as cestas básicas era quase de festa, se o entorno não gerasse desconforto e medo. Para entrar na área de espera e do telão, era preciso identificar-se a um oficial da Guarda Nacional Bolivariana.

Se a entrada da pessoa era autorizada, levantava-se uma pesada cancela de metal para que passasse.

Do lado de fora, além de uma tropa de oficiais em motos, algumas prontas para arrancar, outras paradas e com os soldados descansando ou conversando entre si, acumulava-se gente que não tinha como receber o benefício, ou por estar ligada à oposição ou simplesmente por não portar nenhum documento.

Uma mulher com três crianças pequenas e magra até os ossos pedia esmola aos guardas e aos transeuntes. 

Depois de uns 40 minutos, uma senhora se aproximou com um pacote para ela. Eram os restos de uma refeição de um restaurante próximo, que a mulher entregou na hora para o filho mais velho dividir o frango com mandioca frita com os irmãos. Ela mesma não quis comer nada.

Para evitar roubos, alguns guardavam seu bônus em mochilas, tentando disfarçar, e caminhavam rápido. Os oficiais acompanhavam com o olhar. Quem saía com mais de uma bolsa era interrogado, suspeito de ter subornado algum dos funcionários de entrega.

A ajuda do Estado começou a ser repartida na frente do Miraflores por volta das 16h, pouco depois do fim do discurso de Guaidó que tentou inflamar a multidão para seguir nas ruas, como havia feito no último dia 23 de janeiro.

Sentindo crescer a força do movimento da oposição, desde o fim de 2018, Maduro tem recheado seu discurso de mais e mais promessas, de novos planos de moradia, de chegar à pobreza zero até o fim de seu mandato, que seria em 2025 e outras coisas. 

“Estamos há 20 anos ouvindo isso e só pioramos. Agora, entregar de fato as coisas assim é uma boa coisa. Se é para termos mais comida, que Maduro e Guaidó sigam brigando um pouco mais”, disse Zuleika Torres, 52, que também havia vencido a fila depois de cerca de uma hora. 

“Comecei a gritar que tinha dor nos joelhos, um oficial teve compaixão e me ajudou a furar a fila.”

A Venezuela enfrenta um cenário de hiperinflação, que ultrapassou 1.000.000% em 2018, segundo a Assembleia Nacional. A crise econômica e social no país faz com que 5.000 venezuelanos deixem o país a cada dia, de acordo com estimativa da ONU. 

Nas emissoras de TV abertas, não se ouve o nome de Guaidó. Vários políticos chavistas apareceram ao longo do dia para falar dos “avanços” da revolução. 

Hector Rodriguez, o governador do Estado de Miranda, ex-reduto do oposicionista Henrique Capriles, disse que Guaidó está fazendo o mesmo de sempre. 

“Eles são todos iguais, os da oposição. Aparecem com esse sorriso falso, prometem mudar tudo, e logo as pessoas já se cansaram de marchar à toa. Não é com marchas, bloqueio de vias e greves que vencemos a crise, é com trabalho, e é isso que o presidente Maduro espera de nós.”

Neste sábado (26), Guaidó fez outra aparição pública, em que pediu a cidadãos que tenham militares em sua família para convencê-los da proposta de anistia oferecida pelo autodeclarado presidente. 
A manutenção do apoio das Forças Armadas a Maduro é uma das principais limitações do líder opositor.

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