Descrição de chapéu The Washington Post

Justiça italiana diz que mulher é 'masculina demais' para ter sido estuprada

Decisão de painel de juízas em Ancona gerou protestos na cidade e acabou sendo revogada

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Emily Tamkin
The Washington Post

Um tribunal de recursos italiano presidido por três juízas absolveu dois homens de estupro em 2017, em parte porque as juízas concordaram com o argumento dos réus de que a vítima tinha aparência de homem e que, portanto, os réus não poderiam ter sentido atração por ela.

A decisão das juízas agora foi revogada, e um novo julgamento foi ordenado.

Revelada na última sexta-feira (8) pela ordem de novo julgamento emitida pelo Supremo Tribunal italiano, a justificativa da decisão do tribunal de recursos provocou indignação no fim de semana.

Centenas de pessoas fizeram uma manifestação na segunda-feira (11) diante do tribunal de recursos de Ancona, cidade de 100 mil habitantes na costa do Adriático, onde o estupro teria ocorrido.

 
Integrantes do movimento "Non una meno" (nem uma a menos) participam de um protesto em Roma no Dia Internacional da Mulher
Integrantes do movimento "Non una meno" (nem uma a menos) participam de um protesto em Roma no Dia Internacional da Mulher - Filippo Monteforte - 8.mar.2019/AFP

O caso ocorreu em 2015, quando uma mulher de 22 anos denunciou ter sido atacada. Os réus foram condenados em 2016. Segundo médicos, os ferimentos sofridos pela vítima confirmavam o estupro, e exames revelaram a presença em seu sangue de alto nível de benzodiazepina, um tipo de tranquilizante, o que confirmaria a alegação do advogado da vítima de que sua bebida teria sido “batizada” num bar após uma aula noturna.

Mas em 2017 o tribunal de recursos de Ancona revogou a condenação. Depois de verem uma foto da vítima, as três juízas concordaram com o argumento dos réus de que ela teria aparência “masculina demais”.

As juízas escreveram: “Não é possível excluir a possibilidade de que” a alegada vítima teria organizado os acontecimentos na noite em que afirmou ter sido drogada e violentada.

Elas afirmaram que um dos réus “nem sequer sentiu atração pela moça, tanto que havia guardado o telefone dela em seu aparelho sob o apelido ‘Viking’, uma alusão a uma figura que seria tudo menos feminina, mas sim masculina”.

A vítima não estava presente na audiência do tribunal de recursos porque retornara a seu país, o Peru. Mas sua advogada descreveu os argumentos das juízas como “repulsivos” e apelou contra a decisão delas junto ao Supremo.

“Foi uma leitura repulsiva. As juízas expressaram várias razões por que decidiram absolver os réus, mas uma era que os réus disseram que nem sequer gostavam da vítima, que seria feia”,  disse ao jornal britânico The Guardian a advogada da mulher, Cinzia Molinaro. “Também escreveram que uma foto da vítima refletia isso.”

O caso agora será ouvido por um tribunal em Perugia, cidade distante 130 quilômetros de Ancona.

O incidente traz à tona o tratamento dado a vítimas de estupro na Itália. Molinaro disse que sua cliente voltou para o Peru devido à reação da comunidade em Ancona quando ela denunciou os dois homens.

Segundo relatório de 2015 do Instituto Nacional de Estatísticas italiano, quase uma em cada três mulheres italianas já informou ter sofrido violência física ou sexual e 5% das italianas denunciaram ter sido vítimas de estupro ou tentativa de estupro. O crime é denunciado mais frequentemente no país por mulheres estrangeiras que por italianas.

A Rede Rebelde, a organização italiana de defesa dos direitos das mulheres que organizou o protesto da segunda-feira, postou nas redes sociais: “O estupro não satisfaz um desejo de prazer, mas o ódio e desprezo abominável pela vítima. Não depende de quanto você é feminina, mas do ódio que o estuprador carrega dentro de si.”

Tradução de Clara Allain

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