Primeira-ministra da Nova Zelândia vira símbolo de empatia por reação a massacre

Comportamento de Jacinda Ardern após atentado a mesquitas recebe elogios

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Usando um lenço preto na cabeça, Jacinda Ardern abraça parentes das vitimas do atentado de Christchurch 0
Usando um lenço preto na cabeça, Jacinda Ardern abraça parentes das vitimas do atentado de Christchurch - Reprodução/Guardian News/Youtube
 
São Paulo | Reuters

Ao afirmar que nunca será vista pronunciando o nome do homem que matou a tiros ao menos 50 pessoas em duas mesquitas da Nova Zelândia na última sexta (15), a primeira-ministra do país, Jacinda Ardern, disse que quer negar notoriedade ao assassino e jogar os holofotes nas vítimas e em seus familiares.

No fim, porém, foi Ardern quem acabou se tornando protagonista dessa história. Sua reação empática e serena ao maior ato terrorista já ocorrido no país tem sido elogiada por analistas políticos, pela imprensa e nas redes sociais dentro e fora da Nova Zelândia.

Um dia após o atirador —um supremacista branco de 28 anos— cometer o atentado na cidade de Christchurch e transmiti-lo ao vivo pelas redes sociais, a primeira-ministra de 38 anos, que já teve sua capacidade questionada por ser a mais jovem a ocupar o cargo, formou um grupo multipartidário para visitar as famílias enlutadas e membros da comunidade muçulmana. 

Imagens de Ardern com o rosto consternado e a cabeça coberta por um lenço preto como o hijab usado por muçulmanas, enquanto abraçava os parentes das vítimas, viralizaram e foram consideradas um sinal de respeito por seguidores da religião. Reportagens publicadas em vários países ressaltaram que ela resistiu a fazer um discurso nesse momento, limitando-se a escutar e a oferecer conforto.

Ardern foi além dos atos simbólicos e prometeu uma reforma na lei de armamentos do país, que permitiu ao atirador comprar o arsenal usado no massacre. Ela afirmou que nos próximos dias serão anunciadas medidas concretas, mas deu a entender que pode proibir totalmente a venda de armas semiautomáticas.

Apesar de dizer que o atirador enfrentaria toda a força da lei, a primeira-ministra fugiu do tradicional discurso pregando vingança ou segregacionismo. Seu chamado à união não foi interpretado como fraqueza, qualificação atribuída a ela por críticos ao longo de seu governo.

“Não fomos um alvo porque sejamos um porto seguro para aqueles que odeiam. Não fomos escolhidos para esse ato de violência por tolerarmos racismo, por sermos um enclave para o extremismo. Fomos escolhidos pelo simples fato de que não somos nada dessas coisas”, afirmou, em um discurso à nação em que sua voz ficou trêmula em alguns momentos.

“Porque nós representamos diversidade, bondade, compaixão. Um lar para aqueles que compartilham nossos valores. Refúgio para aqueles que precisam. E esses valores não vão e não podem ser abalados por esse ataque”, prosseguiu.

Ela também disse algo que foi interpretado por alguns como uma reprimenda sutil ao presidente dos EUA, Donald Trump, que disse não notar um aumento preocupante do supremacismo branco no mundo e culpou um pequeno grupo de pessoas “com problemas muito, muito sérios” por ataques como o de Christchurch.

A primeira-ministra neozelandesa contou que Trump telefonou para oferecer condolências e perguntou o que os EUA poderiam fazer para ajudar. “Minha mensagem foi: ‘Compaixão e amor por todas as comunidades muçulmanas’”, respondeu, acrescentando que acreditava que era esse o sentimento que existia no país.
 

'Jacinda-mania'

Ao ser eleita em 2017 após uma ascensão estratosférica que foi batizada de “Jacinda-mania”, Ardern se celebrizou como parte de uma nova onda progressista de líderes jovens que inclui o presidente francês, Emmanuel Macron, e o premiê canadense, Justin Trudeau.

Sua gravidez seguida de licença maternidade durante o cargo foram vistas como um sinal do progresso das mulheres em papéis de liderança —até então, a única líder de governo que tinha sido mãe durante o mandato foi a paquistanesa Benazir Bhutto, em 1990.

Jacinda com a filha, Neve Te Aroha Ardern Gayford, e o marido, Clarke Gayford, na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em 2018
Jacinda com a filha, Neve Te Aroha Ardern Gayford, e o marido, Clarke Gayford, na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em 2018 - Don Emmert-24.set.18/AFP

A neozelandesa também fez história ao levar sua filha à Assembleia Geral da ONU, em Nova York, no ano passado. Enquanto a mãe discursava, Neve, de três meses, ficou no colo do pai, Clarke Gayford.

Mas críticos diziam que seu ar de celebridade poderia esconder uma falta de substância, e comentaristas políticos ressaltaram a falta de avanços concretos em seu primeiro ano de governo, completado em outubro de 2018.

Sua condução da economia também foi alvo de censura após a confiança de empresários no país cair para o mais baixo nível em uma década. Ardern enfrentou ainda greves massivas de professores de escola primária, enfermeiras e motoristas de ônibus.

Seu comportamento diante da tragédia que nenhum governante gostaria de enfrentar, porém, reforçou suas credenciais. Ao elogiar no Twitter a liderança da primeira-ministra “representando nossa nação, nossa dor e nossa determinação” em Christchurch, um famoso apresentador de TV neozelandês, Eric Young, resumiu o sentimento de muitos: “Eu gostaria, com todo o meu coração, que ela não precisasse ter feito isso, mas estou orgulhoso do que ela fez”.

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