Cidades adotam seguro coletivo e 'museu de enchentes' para conter danos na América Latina

Região enfrenta um grande perigo por ter milhões de pessoas vivendo em áreas de risco

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Repleta de ladeiras, Manizales, na Colômbia, registra uma média de 15 deslizamentos de terra por ano. Em vez de apenas contar as tragédias, a cidade passou a anotar dados detalhados sobre o impacto que a chuva teve em cada terreno, a capacidade de drenar a água e o tipo de construção feita em cada um, reunindo dados de 327 eventos climáticos. 

Assim foi possível criar um seguro voluntário para os moradores em caso de desastres. O dinheiro arrecadado nos bairros mais ricos é usado para custear a proteção também das áreas pobres.

Na cidade, 20% dos proprietários de alta renda contribuem com o seguro coletivo, que protege suas casas e também as moradias de 45% da população mais pobre. A taxa arrecada US$ 8 milhões (R$ 31,2 milhões) por ano.

Cachorro faz buscas em área destruída por deslizamentos, em Manizales, na Colômbia - 20.abr.2017/Reuters

As iniciativas de Manizales e de mais cinco cidades da América Latina para reduzir o número de tragédias ligadas ao clima são detalhadas no estudo “Enfrentar o Risco”, publicado no início de abril pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), em parceria com a universidade nova-iorquina The New School.

Para os pesquisadores, a região enfrenta um grande perigo por ter milhões de pessoas vivendo em áreas de risco, como margens de rios e encostas de morros.

“Como a América Latina é um continente muito urbanizado, os desastres naturais impactam diretamente as cidades”, afirmou Pablo López, coordenador da iniciativa Cidades com Futuro, do CAF.

Na segunda (15), uma inundação derrubou um muro de contenção em Assunção, no Paraguai, o que fez com que a enxurrada entrasse com força em cerca de 200 casas. Não houve mortos.

Moradores usam barco para se locomover em área inundada de Assunção, no Paraguai - Norberto Duarte - 15.abr.19/AFP

O nível do rio Paraguai aumentou depois de fortes chuvas, afetando 25 mil famílias e dando aos moradores pouco tempo para escapar —há relatos de casas que ficaram submersas em menos de 40 minutos. 

Desastres naturais causaram 480 mil mortes e US$ 160 bilhões (R$ 624 bilhões) de prejuízo na América Latina entre 1970 e 2010, aponta a pesquisa. 

“Provavelmente, não há maior ameaça para o futuro das cidades da região do que os desastres resultantes da interação entre as condições topográficas locais, as mudanças climáticas e a habitação de risco”, disse Bart Orr, um dos pesquisadores.

Em La Paz, na Bolívia, onde a ocupação irregular de encostas é muito comum, foi criado um sistema de alerta para monitorar os pontos críticos. 

Quando o risco é detectado, são disparados alertas para uma rede que envolve comitês de emergência nos bairros e nas escolas e ativa bloqueios de acesso a regiões onde há perigo. Moradores, porém, ignoram os alarmes com frequência. 

Equipe de resgate escala área de deslizamento de terra em La Paz, na Bolívia - David Mercado - 21.fev.19/Reuters

Em Pilar, nos arredores de Buenos Aires, a ocupação em áreas indevidas foi feita por grupos de alta renda. 
Terrenos às margens do rio Luján receberam condomínios fechados de alto padrão a partir dos anos 1990, o que retirou área para o escoamento de água e favoreceu enchentes que afetam toda a cidade. 

A partir de 2015, Pilar passou a negociar com esses condomínios para que fizessem obras internas para melhorar a drenagem, e campos de golfe passaram a ser usados como área de escape do rio. 

O estudo ressalta que a colaboração entre governo, entidades civis, universidades e comunidades é fundamental. 

Ao fim do relatório, os pesquisadores apontam o que deveria ser uma obviedade: não fazer nada costuma sair mais caro. Um estudo de 2018 indica que cada R$ 1 investido em prevenção de desastres permite economizar R$ 6 que seriam gastos para lidar com acidentes futuros. 

Santa Fé, na Argentina, que chegou a ficar um mês paralisada devido a uma enchente em 2003, realiza eventos para recordar as tragédias que atingiram a cidade e trabalha na criação de um museu sobre as inundações.

O objetivo é lembrar a todos os moradores o risco de não se preparar para os dias de nuvens pesadas.

O estudo completo, em espanhol, está disponível neste site

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.