Descrição de chapéu The New York Times

Casamento infantil cresce em meio à pobreza no Nepal

Governo promove campanha para erradicar prática até 2030

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Bhadra Sharma Kai Schultz
Gorgama (Nepal) | The New York Times

Nas planícies quentes no sul do Nepal, a mãe de Rajesh Sada tinha um único desejo: ficar viva para ver o casamento de seu filho de 16 anos antes de sucumbir à tuberculose.

Bastaram alguns dias para encontrar uma noiva. Em março, vários dias antes que sua mãe morresse, Rajesh trocou votos com uma garota de 15 anos que ele nem sequer conhecia. Cinco de seus irmãos --todos casados com adolescentes-- sorriram e o cumprimentaram. Não viam motivo para questionar o momento.

"Não acho que haja algo errado no casamento de crianças", disse Rajesh recentemente, diante de sua pequena choupana feita de barro, pedra e palha. "Acontece em todo lugar. É uma coisa esperada."

Em muitas partes do mundo, a batalha contra o casamento de crianças está sendo ganha, com os índices globais caindo significativamente na última década, principalmente devido ao progresso na Ásia meridional. Mas a história é complexa no Nepal, um dos países mais pobres da região, onde esses casamentos estão aumentando em algumas aldeias, segundo ativistas.

Segundo novos dados divulgados na sexta (7) pela Unicef, cerca de 765 milhões de pessoas hoje vivas se casaram quando eram crianças. O Nepal tem um dos índices mais altos, segundo a Unicef, apesar de a prática ser tecnicamente ilegal no país desde 1963.

Cerca de 40% das mulheres nepalesas entre 20 e 24 anos se casaram ao completar 18, relatou a Unicef, e o país também tem um número incomumente grande de jovens noivos, um grupo demográfico pouco estudado mas que sofre pressões sociais únicas.

O governo do Nepal está promovendo uma campanha para erradicar essa prática nos próximos anos. Mas os desafios são grandes, de acordo com muitos ativistas. 

Nas áreas rurais, dizem eles, algumas autoridades eleitas que se opõem publicamente à prática ainda fazem seus filhos se casarem na adolescência. Os índices de alfabetização são baixos. As redes sociais e os telefones celulares facilitaram o encontro de possíveis parceiros. E muitos no Nepal veem a prática como razoável, considerando as duras restrições econômicas em suas comunidades.

"É tão difícil mudar o pensamento das pessoas", disse Ram Bahadur Chand, membro do Conselho de Bem-estar Infantil do Nepal. "Elas não veem que o casamento de crianças destrói seu futuro. É um tipo de violência." 

O Nepal tentou fazer progresso. O governo recentemente aumentou em dois anos a idade mínima para as mulheres se casarem --para 20--, equiparando-a à idade aprovada para homens. Em janeiro, as autoridades anunciaram incentivos em dinheiro e bicicletas para as famílias que mantiverem suas filhas na escola. 

Ativistas se organizaram na fronteira do Nepal com a Índia para interceptar jovens noivas que corriam o risco de serem traficadas para prostituição. O país prometeu erradicar o casamento infantil até 2030, e em alguns distritos muito antes.

Mas os esforços do governo tiveram sucesso limitado. Além da pobreza e da falta de educação, afirmam ativistas, o problema se liga em parte à natureza do trabalho no Nepal, um país montanhoso cuja economia é movida por remessas enviadas de cidadãos que trabalham no exterior.

Todo ano, centenas de milhares de homens deixam o Nepal para trabalhar no setor de construção no Golfo Pérsico. Para as famílias mais pobres, casar suas filhas com meninos antes que eles partam para o exterior é visto como uma vantagem financeira, uma necessidade. 

Quando as aldeias ficam sem homens, "as famílias precisam das meninas para cuidar dos idosos e das tarefas domésticas", disse Tarak Dhital, um ativista social em Katmandu, a capital nepalesa. A pressão dos pais é muitas vezes enorme. Rakesh Sada, 19, que não é parente de Rajesh, 16, casou-se com sua mulher, Punti Sada, 18, há três anos por insistência da mãe de Rakesh. Durante esse tempo, disse ele, o ressentimento por se casar tão cedo aumentou. 

Eles já têm dois filhos. Punti passa parte dos dias fazendo massagens com óleo na mãe de Rakesh, que disse estar feliz com o casamento. Rakesh sobrevive dirigindo um trator no distrito de Saptari, ao sul.

Ele prometeu não permitir que suas filhas se casem antes de pelo menos 20 anos. "Não tenho opção além de criar minha família de um jeito melhor, mandar meus filhos a boas escolas e preparar seu futuro", afirmou.

Mas as consequências de casar tão jovem ainda não são visíveis para Rajesh Sada, que tem feições suaves e a cabeça raspada. Em sua aldeia, Gorgama, onde algumas centenas de homens trabalham em olarias, é difícil conseguir dinheiro, e a maioria das pessoas abandona a escola.

Com sua mãe já morta, Rajesh disse que sua mulher, Punita, que se mudou para a casa da família, cuida de seu pai e mantém a casa organizada. Durante o dia, Rajesh ganha cerca de US$ 5 (R$ 19) trabalhando numa construção. Ele pretende ir para o Golfo Pérsico e ganhar dinheiro para construir uma nova casa. Um casamento precoce era inevitável, disse ele. 

"Meu pai está velho, por isso eu precisava me casar", disse. "Eu não tenho educação. Não podia continuar na escola porque não tinha recursos suficientes. Não tenho grandes sonhos."

Enquanto Rajesh falava com o jornalista, um grupo de moradores se reuniu em torno dele, e Punita, que se mudou para Gorgama, manteve o rosto escondido por um sári colorido. Perguntada sobre suas ideias, ela correu para dentro da casa e não saiu mais.

Mais tarde, em uma breve entrevista, ela explicou que seus pais encontraram Rajesh e que ela não teve opção a não ser obedecer ao pedido para casar-se com ele.

"Sou uma garota analfabeta", disse ela. "Não tenho nada a dizer sobre o casamento de crianças." 

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves  

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