Descrição de chapéu The Washington Post

Autoridades dos EUA na Ásia encaram relato de execução de diplomata norte-coreano com ceticismo

Funcionários da administração Trump não confirmam morte de negociador

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Washington | Washington Post

Um jornal de Seul divulgou na sexta-feira (31/5) que a Coreia do Norte teria executado seu negociador-chefe, Kim Hyok-chol, pouco depois do fracasso das negociações com os Estados Unidos em Hanói para questões de produção nuclear.

Mas autoridades e diplomatas dos EUA na Ásia, muitos dos quais não foram autorizados a divulgar seus nomes, disseram não ter conhecimento da história ou manifestaram cautela ou mesmo ceticismo declarado a esse respeito.

O diplomata norte-coreano Kim Hyok-chol
O diplomata norte-coreano Kim Hyok-chol - Athit Perawongmetha-23.fev.2019/Reuters

A situação não constitui novidade para observadores da Coreia do Norte. Não há dúvida de que Pyongyang se disporia a executar um funcionário governamental que teria descumprido seu dever com o líder. Em 2013, o serviço de inteligência sul-coreano foi o primeiro a noticiar a execução do tio de Kim Jong-un, Jang Song-thaek, que havia sido expurgado da liderança. A mídia noticiou posteriormente que ele foi morto ao ser entregue a um bando de cães selvagens. Hoje pensa-se que essa versão tenha sido falsa.

Isso faz parte de um histórico irregular da mídia sul-coreana na divulgação de expurgos e execuções ordenadas pelo estado na Coreia do Norte.

O jornal Chosun Ilbo, o mesmo que divulgou o alegado furo da sexta-feira, divulgou em 2013 que Hyon Song-wil, artista norte-coreana que se descreveu como “ex-namorada” de Kim Jong-un, tinha sido executada em público por acusações de que ela e outras artistas teriam vendido vídeos pornográficos. Pelo menos parte do relato foi desmentido cabalmente mais tarde: em janeiro, Hyon viajou a Seul por dois dias, muito evidentemente viva.

Nem o governo sul-coreano nem o americano confirmaram publicamente o relato a respeito de Kim Hyok-chol. Questionado na sexta-feira sobre a notícia, secretário de Estado americano, Mike Pompeo, disse apenas que a administração havia visto a reportagem.

“Estamos fazendo o possível para confirmar a notícia”, disse Pompeo a jornalistas durante viagem na Alemanha. “Não tenho nada mais a acrescentar hoje.”

Pedindo anonimato porque não estava autorizado a falar oficialmente, um diplomata ocidental se disse “muito cético”. Funcionários americanos disseram que a administração não soube da execução de Kim Hyok-chol antes da publicação da reportagem e não pôde confirmá-la na sexta-feira. Eles também exigiram anonimato para discutir informações sigilosas.

As manobras políticas de Pyongyang são notoriamente difíceis de decifrar, de modo que Washington pode ter dificuldade considerável em compreender as motivações e reações da elite norte-coreana.

A ex-analista da CIA Sue Mi Terry disse que “não seria espantoso, incomum nem mesmo surpreendente” se as execuções aconteceram, mas que isso seria “100% um problema” para os EUA se estes não souberem ao certo quem são os principais negociadores nucleares norte-coreanos.

Segundo o jornal Chosun Ilbo, Kim Hyok-chol teria sido fuzilado no aeroporto de Mirim em março ao lado de outros quatro funcionários, por acusação de espionagem em favor dos Estados Unidos. O jornal citou uma única fonte não identificada “que sabe sobre a Coreia do Norte”.

O jornal também divulgou que Kim Yong-chol, um dos principais negociadores nucleares norte-coreanos, teria sido sentenciado a trabalhos forçados e reeducação ideológica. Kim Yong-chol foi um dos membros mais visíveis da equipe de negociadores norte-coreanos, tendo chegado a se reunir com Trump na Casa Branca.

Kim Hyok-chol foi a contraparte de Stephen Biegun, o enviado chefe da administração Trump à Coreia do Norte, e responsável pelos trabalhos de preparação para a cúpula entre Trump e Kim que aconteceu no final de fevereiro.

Depois da cúpula houve especulações de que Kim Hyok-chol, que antes do encontro era um diplomata de carreira relativamente obscuro, teria sido rebaixado.

Depois das reuniões em Hanói a ideia de que funcionários norte-coreanos teriam sido executados foi amplamente discutida entre grupos de desertores e ativistas. O Rimjin Gang, site operado a partir do Japão e que alega ter contatos na Coreia do Norte, divulgou em 5 de maio que quatro funcionários do Ministério do Exterior teriam sido executados por vender informações aos americanos antes da cúpula. Nenhuma das execuções foi confirmada.

O Chosun Ilbo é um dos maiores jornais da Coreia do Sul e acompanha as notícias norte-coreanas atentamente. Depois da cúpula de Kim Jong-un com o presidente sul-coreano Moon Jae-in em maio de 2018, o jornal pediu para especialistas olharem os sapatos do líder norte-coreano para tentar avaliar sua altura.

O alto nível de sigilo vigente na sociedade norte-coreana favorece a difusão rápida de rumores.

Mesmo assim, a ideia de Kim Hyok-chol possa ter sido expurgado ou rebaixado parece concebível. Nem ele nem Kim Yong-chol são vistos em público desde a cúpula de Hanói.

O assessor de segurança nacional americano John Bolton disse na semana passada que nem o governo dos EUA nem o sul-coreano tiveram muitas notícias do regime norte-coreano desde o fracasso da cúpula de Hanói e que os esforços de Biegun para reiniciar as negociações não obtiveram resposta.

Lee Hye-hoon, que dirige o comitê de inteligência do Parlamento sul-coreano, disse na noite de sexta que o Serviço Nacional de Inteligência estava ouvindo relatos contraditórios sobre o que foi feito de Kim Hyok-chol, com alguns dizendo que ele foi expurgado e outros afirmando que não. Ele concluiu que não há evidências suficientes para saber ao certo se Kim Hyok-chol foi expurgado, muito menos executado.

Para Sue Mi Terry, hoje membro do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, é improvável que os serviços de inteligência pudessem afirmar com alto grau de certeza que as execuções ocorreram, exceto se tivessem interceptado comunicações, possibilidade que ela disse que seria “realmente rara”.

Mas eles podem ter encontrado indícios de um expurgo dessa natureza. O jornal oficial norte-coreano Rodong Sinmun, em comentário publicado na quinta (30/5), criticou “traidores e vira-casacas que apenas decoram da boca para fora palavras de lealdade ao Líder e mudam de posição segundo a tendência do momento”.

Terry também destacou que dois outros funcionários norte-coreanos, Choe Son-hui e Ri Yong-ho, apresentaram a entrevista coletiva em Hanói após o fracasso da cúpula e que Choe foi promovido recentemente a vice-chanceler.

“Não há dúvida de que Kim Hyok-chol e Kim Yong-chol não fazem mais parte da equipe negociadora. Eles estavam no comando e fracassaram”, disse Terry. “No sistema norte-coreano, alguém precisa ser responsabilizado.” (Adam Taylor, Simon Denyer e John Hudson)

Tradução de Clara Allain 

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