Descrição de chapéu The New York Times

Adolescente acusado de estupro nos EUA merece leniência por ser de 'boa família', diz juiz

Magistrado de Nova Jersey inocentou garoto que filmou ataque sexual a menina de 16 anos

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Luis Ferré-Sadurní
The New York Times

A menina de 16 anos de idade estava visivelmente embriagada, e tinha dificuldade para se comunicar claramente quando um menino de 16 anos, também embriagado, a atacou sexualmente em um porão escuro, durante uma festa regada a álcool em Nova Jersey, afirmaram os promotores.

O menino registrou a cena em um vídeo que mostra a vítima por trás, com o torso exposto e cabeça pendendo para baixo, segundo a acusação.

Ele mais tarde enviou o vídeo gravado com seu celular a alguns amigos, afirmam investigadores, acompanhado por uma mensagem de texto que dizia "quando a primeira vez que você faz sexo é um estupro".

Mas o juiz de uma vara de família declarou que o ataque não configurava estupro. Em lugar disso, ele questionou até que devesse ser classificado como agressão sexual, definindo estupro como um ataque por desconhecidos e envolvendo armas de fogo.

Reprodução de página em que se lê, em inglês: "este jovem vem de uma boa família que o colocou em uma escola excelente, na qual ele está indo extremamente bem. Ele é claramente um candidato para cursar uma universidade, e provavelmente uma boa universidade. Suas notas para admissão à universidade são muito altas."
Extrato de decisão de juiz de New Jersey em que se lê: "Este jovem vem de uma boa família que o colocou em uma escola excelente, na qual ele está indo extremamente bem. Ele é claramente um candidato para cursar uma universidade, e provavelmente uma boa universidade. Suas notas para admissão à universidade são muito altas." - Reprodução

O magistrado acrescentou que o rapaz vinha de uma boa família, frequentava uma escola excelente, tinha notas ótimas e era escoteiro. Os promotores, disse o juiz, deveriam ter explicado à menina e sua família que acusar o menino criminalmente destruiria sua vida.

Por isso, ele negou a petição dos procuradores para que o jovem fosse julgado como adulto.

"Ele é claramente candidato não só a uma universidade como a uma boa universidade", disse o juiz James Troiano em uma decisão de duas horas de duração em um julgamento realizado no condado de Monmouth, Nova Jersey.

Agora o juiz foi fortemente repreendido em uma decisão de 14 páginas que o critica e alerta contra tratar com parcialidade os adolescentes privilegiados.

Ao fazê-lo, o tribunal de recursos abriu caminho para que o caso seja transferido do tribunal de família para um júri de instrução, no qual o adolescente, identificado como GMC nos documentos do processo, será tratado como adulto. A lei de Nova Jersey permite que jovens a partir dos 15 anos sejam julgados como adultos quando acusados de crimes sérios, e o júri de instrução definirá se deve indiciá-lo pela acusação de ataque sexual.

Nos últimos anos, os juízes dos Estados Unidos vêm sendo pressionados quanto ao tratamento que aplicam a casos de abuso sexual. Um dos exemplos mais notórios urgiu em 2016, quando um juiz da Califórnia sentenciou um aluno da Universidade Stanford a seis meses de prisão quando ele foi considerado culpado de atacar sexualmente uma mulher que estava inconsciente.

Depois de uma reação pública severa, os eleitores da Califórnia votaram pela deposição do juiz.

Troiano tem cerca de 70 anos e é um dos dois juízes de varas de família que foram severamente repreendidos por tribunais de recursos em Nova Jersey nas últimas semanas, por conta de questões relativamente semelhantes.

No outro caso, o tribunal de recursos reverteu a decisão de uma juíza que não tinha autorizado que um jovem de 16 anos fosse julgado como adulto depois de ele ser acusado de ataque sexual contra uma menina de 12 anos, em 2017.

A juíza de família Marcia Silva, do condado de Middlesex, negou uma petição para que o jovem fosse julgado como adulto e disse que "além da perda da virgindade, o Estado não afirmou que a vítima tenha sofrido outras lesões, mentais, físicas ou emocionais".

Os juízes de recursos também criticaram Silva, revertendo sua decisão e apontando que o adolescente poderia ser acusado porque sua vítima tinha apenas 12 anos e estava abaixo da idade de consentimento.

O juiz do condado de Monmouth, Troiano, foi repreendido pelo tribunal de recursos em uma decisão coletiva. "Que um menor de idade tenha boas notas e venha de uma boa família não deveria resultar em tratamento diferente do conferido a jovens que não venham de boas famílias e não tenham boas notas, em casos como este", escreveram os juízes de de apelação.

Uma porta-voz do serviço administrativo dos tribunais disse que os juízes não tinham comentários sobre os casos. Ela disse que Troiano, um juiz veterano que se aposentou há diversos anos, às vezes é convidado a cobrir ausências de outros juízes.

Os processos encaminhados a varas de família normalmente tramitam sob segredo de justiça, mas os comentários dos juízes foram divulgados em junho, quando as decisões dos tribunais de recursos foram anunciadas.

Os casos se tornaram parte da longa série de acusações de agressão sexual que causaram indignação, por conta de um sistema judicial visto por ativistas como distorcido por parcialidades e privilégios.

Tradução de Paulo Migliacci

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