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Facebook dificulta acesso a dados para pesquisas sobre interferências em eleições

Compartilhamento de informações coloca em risco privacidade de usuários, afirma empresa

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Davey Alba
The New York Times

Em abril de 2018, o chefe-executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, contou ao Congresso sobre um plano ambicioso para a empresa compartilhar com pesquisadores de todo o mundo um volume enorme de postagens, links e outros dados de usuários para que pudessem estudar a desinformação veiculada no site.

“Nossa meta é oferecer ideias para prevenir interferência externa nos próximos anos e também possibilitar que possamos ser cobrados”, disse Zuckerberg a parlamentares que o interrogavam sobre a interferência russa no Facebook na eleição presidencial de 2016.

De acordo com Zuckerberg, a expectativa era de que os primeiros resultados chegassem até o final daquele ano.

O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, durante depoimento em comissão do Senado dos EUA em 2018 - Jim Watson - 10.abr.2018/AFP

Quase 18 meses depois, no entanto, boa parte dos dados ainda está inacessível a acadêmicos.

Segundo o Facebook, há dificuldade em compartilhar as informações ao passo em que é preciso proteger a privacidade de seus usuários. Assim, o conjunto de dados destinado a pesquisadores deverá ser muito menos abrangente do que foi prometido originalmente.

Com isso, o público provavelmente não saberá, antes da eleição presidencial de 2020, muito além do que já soube em 2016 sobre as campanhas de desinformação na rede social, afirmam pesquisadores .

Sete organizações sem fins lucrativos que ajudaram a financiar os esforços de pesquisa, entre elas a Fundação Knight e a Fundação Charles Koch, ameaçaram romper seu envolvimento nos esforços.

“O Vale do Silício tem a obrigação moral de fazer tudo que está ao seu alcance para proteger o processo político americano”, afirma Dipayan Ghosh, membro do Centro Shorenstein da Universidade Harvard e ex-assessor do Facebook para privacidade e políticas públicas.

“É preciso que os pesquisadores tenham acesso às informações para estudar o que deu errado", diz.

Campanhas de desinformação política continuam a crescer desde o pleito eleitoral de 2016. Pesquisadores de Oxford afirmam que, nos últimos dois anos, mais que dobrou o número de países que foram alvos de campanhas de desinformação, somando um total de 70 países.

A pesquisa também revelou que o Facebook ainda é a plataforma mais usada em disputas eleitorais.

Enquanto os executivos se dizem ansiosos para impedir a propagação de notícias falsas na rede social, eles também enfrentam questionamentos sobre sua capacidade de proteger as informações particulares das pessoas.

A revelação em 2018 de que a consultoria política Cambridge Analytica colheu os dados pessoais de até 87 milhões de usuários do Facebook provocou protestos em Washington.

Nos meses seguintes, a plataforma cortou muitos dos modos mais comuns usados por pesquisadores para acessar informações sobre mais de 2 bilhões de pessoas que usam a rede social. Em julho deste ano, o Facebook fechou um acordo com reguladores federais para pagar US$ 5 bilhões (R$ 20,7 bilhões) pelo manuseio incorreto de informações pessoais de usuários.

“É difícil, já que é um volume enorme de dados e o Facebook está preocupado com a privacidade”, disse Tom Glaisyer, presidente do grupo de sete entidades sem fins lucrativos que financiam os esforços de pesquisa. Glaisyer também é diretor do Democracy Fund, organização não partidária que promove a segurança de eleições.

“Mas, para falar a verdade, a nossa 'praça pública digital' não parece estar beneficiando nossa democracia”, ele comentou.

Elliot Schrage, vice-presidente de projetos especiais do Facebook e diretor da iniciativa, defendeu os esforços da empresa.

“A razão toda por que Mark anunciou este programa, em primeiro lugar, é que ele acredita que os debates mais produtivos e instrutivos são alimentados por dados e análises independentes”, disse Schrage em entrevista. “Não sei de nenhuma outra empresa privada que tenha investido mais que o Facebook na criação de ferramentas e tecnologias para disponibilizar, publicamente, dados particulares para pesquisas públicas.”

Três meses depois de Zuckerberg ter falado em Washington em 2018, o Facebook anunciou planos para fornecer a pesquisadores credenciados informações detalhadas sobre usuários em cujos feeds tivessem aparecido postagens falsas —dados como idade e localização deles e até a afiliação ideológica de seus amigos. Dezenas de pesquisadores se candidataram a receber essas informações.

A empresa formou uma parceria com uma comissão de pesquisadores independentes, a Social Science One, criada especificamente para a iniciativa, para determinar quais informações poderiam ser repassadas aos pesquisadores.

O Facebook e a Social Science One também chamaram a Social Science Research Council, entidade independente sem fins lucrativos que fiscaliza pesquisas internacionais em ciências sociais, para examinar as solicitações de acadêmicos e realizar uma revisão de pares e revisão ética de suas propostas de pesquisa.

Mas especialistas em privacidade chamados pela Social Science One não demoraram a levantar preocupações com a divulgação de informações pessoais excessivas.

Em resposta, o Facebook começou a aplicar algo conhecido em estatística e analytics de dados como “privacidade diferencial”, com a qual os pesquisadores podem descobrir muito sobre um grupo a partir de dados, mas nada sobre indivíduos específicos. É um método promovido pela Apple.

Pesquisadores já adiantam que, mesmo quando o Facebook entregar os dados, as possibilidades de descobertas sobre a atividade na rede social serão muito mais limitadas do que havia sido planejado.

“Nós e o Facebook descobrimos como é difícil criar” um banco de dados que garanta a privacidade dos dados das pessoas, ainda mais em grande escala, disse Nate Persily, professor de direito na Universidade Stanford e cofundador da Social Science One.

O Facebook informou que os pesquisadores tiveram acesso a outros conjuntos de dados, incluindo de seu arquivo de anúncios e da Crowdtangle, uma ferramenta de rastreamento de notícias pertencente ao Facebook. Dois pesquisadores afirmam ter visitado a sede da empresa na Califórnia em junho para aprender como estudar o conjunto de dados disponíveis.

Tanto o Facebook, quanto o Social Science One disseram que, com o tempo, vão continuar a disponibilizar mais dados a pesquisadores.

Em setembro, eles liberaram 32 milhões de links que incluíam dados sobre como os usuários rotulavam postagens como fake news, spam ou discurso de ódio e se organizações de verificação de fatos levantaram dúvidas sobre sua veracidade. As informações disponibilizadas incluíram o número de vezes que notícias ou reportagens foram compartilhadas publicamente e os países onde foram mais compartilhadas.

Para Joshua Tucker, professor da Universidade de New York que estuda a difusão de conteúdos polarizadores em múltiplas plataformas, o esforço do Facebook representa “um avanço tremendo”. “A longo prazo, se forem implementados métodos para disponibilizar esses dados para pesquisas externas, terá um impacto muito positivo.”

Mas outros pesquisadores disseram que os bancos de dados existentes são muito limitados. E alguns consideram excessiva a preocupação do Facebook com a privacidade.

A equipe de pesquisa da Ariel Sheen, doutorando da Universidade Pontifícia Bolivariana em Medelín, na Colômbia, já passou pelo processo de aprovação da Social Science One, mas ainda não recebeu os dados. 

Seu grupo, no entanto, acredita ter encontrado mais de 3.000 contas falsas do Facebook —por exemplo, perfis operados por pessoas que se passam por outras— que ainda estão ativas e difundem informações falsas. As contas, disse Sheen, estão ligadas à Telesur, rede de televisão latino-americana financiada em grande medida pelo governo venezuelano.

Como o Facebook não está fornecendo os dados originais, o trabalho de equipe de Ariel Sheen não pode seguir adiante conforme o previsto. “É imperativo continuarmos nossa pesquisa de acordo com o que o Facebook concordou originalmente em fazer”, ele disse.

Glaisyer, do Democracy Fund, afirma que é importante que os pesquisadores “possam operar de forma independente”, mas que o Facebook “pode considerar outras maneiras de permitir acesso ao site a pesquisadores e analistas, como faz o Burô de Recenseamento.”

O Facebook disse que há outras possibilidades para o compartilhamento de dados com pesquisadores, mas que não pode se comprometer com métodos específicos no momento.

Philip Howard, diretor do Instituto Oxford para Internet, departamento da Universidade de Oxford que estuda o uso de redes sociais para difundir desinformação, disse que sua equipe optou intencionalmente por não participar do projeto de partilha de dados do Facebook e Social Science One.

“Leva-se muito tempo para conseguir conjuntos de dados. Isso é tão frustrante que é mais fácil para nós construir nossas próprias ferramentas e impulsionar a ciência por conta própria”, disse Howard.

Samantha Bradshaw, pesquisadora que trabalha com Howard, lembra que colher os próprios dados pode ser limitador. “Vemos apenas uma pequena parte de fenômenos muito maiores”, explicou.

Tradução de Clara Allain

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