Alta de homicídios leva à maior onda de atos da minoria árabe de Israel em décadas

Há um mês, líderes comunitários e estudantes organizam protestos diários no país

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Umm al-Fahm

O sentimento de insegurança tem levado à mais abrangente onda de greves e protestos entre a minoria árabe de Israel em pelo menos uma década.

Há cerca de um mês, há manifestações diárias em cidades de maioria árabe, organizadas por mulheres, estudantes e líderes comunitários. 

Em uma dessas manifestações, na cidade de Majd Al-Krum, no início de outubro, 20 mil pessoas foram às ruas para reclamar da ineficiência da polícia em combater a criminalidade em regiões árabes do país. 
Na última quinta-feira (10), um comboio foi a Jerusalém para protestar em frente ao escritório do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.

Árabes protestam em Majd al-Krum, em Israel, contra a violência, o crime organizado e os assassinatos dentro de suas comunidades 
Árabes protestam em Majd al-Krum, em Israel, contra a violência, o crime organizado e os assassinatos dentro de suas comunidades  - Ahmad Gharabli - 3.out.19/AFP

A principal demanda é que a polícia investigue os crimes com mais afinco e, acima de tudo, realize operações para confiscar as estimadas 500 mil armas de fogo nas cerca de 120 cidades de maioria árabe em Israel, onde pouco mais de 50% dos 1,9 milhão de árabes-israelenses vivem.

De janeiro a setembro deste ano, 73 cidadãos árabes foram mortos com armas de fogo nessas cidades, número superior a todo o ano de 2018. 

Segundo dados oficiais, no ano passado houve 123 assassinatos a tiros em Israel, 72 deles em comunidades árabes. 

“Perdemos a sensação de segurança”, disse à Folha o parlamentar Yousef Jabareen, da Lista Árabe Unida, que se tornou na última eleição a terceira maior bancada no Knesset, o Parlamento israelense. 

“Quase todas as noites ouve-se sons de armas automáticas de jovens que praticam tiro ao alvo em edifícios, carros ou pessoas. Só nas últimas semanas, 14 jovens foram mortos em cidades da nossa comunidade. As pessoas estão fartas.”

A maior incidência de criminalidade em localidades árabes não é um fenômeno recente. Dados de 2010 a 2018 do Centro Nacional de Estatística mostram que, entre os judeus israelenses —74% da população—, foram registrados 45 casos de violência a cada 100 mil pessoas. 

Já entre a minoria árabe, o número é de 70 a cada 100 mil. Segundo números do Canal 12, 93% dos tiroteios em Israel são cometidos por árabes, além de 64% dos assassinatos, 56% das vendas e posse de armas ilegais e 47% dos roubos. 

A liderança comunitária árabe afirma acreditar que a tendência desses índices é subir.
Os manifestantes acusam a polícia de discriminação por não se empenhar em soluções. “Se esses incidentes ocorressem em uma área judaica ou no contexto do conflito com palestinos, em poucas horas a polícia encontraria os responsáveis. Mas, quando é algo relacionado a questões internas dos árabes, a polícia não reage”, diz Jabareen.

Para o ex-parlamentar Esawi Freige, do partido esquerdista Meretz, em artigo publicado no jornal Haaretz, a inércia policial se dá porque os problemas “não penetram na consciência do público judeu”. 

A polícia rejeita as críticas.  De acordo com Micky Rosenfeld, porta-voz das forças de segurança, os agentes apreenderam mais de 3.500 armas, granadas e artefatos explosivos ao longo deste ano, além de terem detido mais de 2.500 suspeitos por posse de armas ilegais. 

“Também trabalhamos em conjunto com os líderes das comunidades árabes e os convocamos a assumir a responsabilidade pelo que está ocorrendo”, diz Rosenfeld.

Já o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, prometeu “alocar forças adicionais e aumentar a fiscalização na luta contra a violência”. 

Mas a minoria árabe acusa o premiê de incitar o ódio contra ela, como no caso de uma publicação feita no Facebook às vésperas das eleições, em setembro, na qual afirmava que os “árabes querem destruir todos nós —mulheres, crianças e homens”. 

Netanyahu negou ter escrito o post, que depois foi apagado. Mas o ministro da Segurança Pública, Gilad Erdan, colocou lenha na fogueira ao dizer, em entrevista a uma rádio, que a questão é “cultural”. “A sociedade árabe é muito, muito violenta. Em vez de processos, eles sacam uma faca.”

Jabareen, para quem essas declarações são racistas, vê um aspecto positivo na crise: a aproximação da minoria árabe de seus líderes, antes criticados por advogar mais pelos direitos dos palestinos do que pelos árabes em Israel.

Em Umm al-Fahm, terceira maior cidade árabe do país, com 57 mil habitantes, pais têm proibido os filhos de sair de casa após o pôr do sol, temendo que sejam vítimas de tiroteios entre gangues locais. 

‘Eu não sou sua vítima’, diz placa segurada por criança no ato
‘Eu não sou sua vítima’, diz placa segurada por criança no ato - Ammar Awad - 3.out.19/Reuters

A estação de polícia local conta com 120 agentes, mais do que em Tel Aviv, mas o prefeito Samir Mahameed diz que eles só são vistos nas ruas para aplicar multas de trânsito. 

“Eles não se esforçam para capturar os meliantes. No ano passado, dos 11 assassinatos que aconteceram na cidade, só dois foram resolvidos.”

Mesmo que não aprove os comentários do ministro Erdan, o prefeito admite que, para muitos, algumas famílias só se dão por satisfeitas se realizarem vinganças ou, nos melhores casos, aceitarem tréguas negociadas por moderadores locais.

Não se sabe se uma maior presença policial e o confisco das armas ilegais ajudaria a desatar essas disputas, mas talvez ajudasse a diminuir a ação de máfias de traficantes de armas e de drogas, além de um mercado negro de empréstimos. 

Por outro lado, poderia aumentar a fricção social. Bastaria apenas um erro policial, como a morte de um civil, para acender o pavio de um explosivo conflito interno. 

Em outubro de 2000, por exemplo, 13 árabes-israelenses foram mortos por policiais em protestos pró-palestinos.

Para alguns, no entanto, há motivos mais “obscuros” para que a polícia não dê as caras nas ruas. “A impressão que dá é que eles se sentem confortáveis com o fato de estarmos ocupados com nossos problemas internos e não focarmos a luta contra a discriminação e a ocupação de territórios palestinos. A inação é uma ferramenta de opressão”, teoriza o parlamentar Jabareen.

Entre a população, não faltam teorias conspiratórias. O advogado Ahmad Al-Jaber, presidente do Comitê Popular de Umm al-Fahm, por exemplo, tem certeza de que as armas que as gangues árabes possuem foram entregues a elas deliberadamente pelo Exército. 

“O objetivo é fomentar a violência interna em nossas cidades. Trata-se de um plano concreto do governo israelense.”

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