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Governo Trump

Só na cabeça de Trump é que cessar-fogo resolve conflito entre turcos e curdos na Síria

Para Turquia, há sinal verde para ocupar 440 km; curdos acham que precisam sair de perímetro limitado

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São Paulo

Só na cabeça de Donald Trump é que a ofensiva da Turquia contra os curdos sírios, um novo front na interminável Guerra da Síria, seria resolvido com uma reunião e alguns tuítes.

O cessar-fogo costurado entre o vice-presidente americano, Mike Pence, e o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, foi anunciado com estardalhaço por Trump.

“As pessoas têm tentado fechar esse acordo há anos. Milhões de vidas serão salvas. Parabéns a TODOS!”, tuitou.

Na sexta-feira de manhã, disse a jornalistas: “Não sabia que isso (o cessar-fogo) ia funcionar tão rápido. Não sabia que ia funcionar tão bem”.

Os presidentes Donald Trump e Recep Tayyip Erdogan, durante encontro em Washington em 2017 - Joshua Roberts - 16.mai.2017/Reuters

No entanto, não demorou nem um dia para o acordo começar a fazer água.

O cessar-fogo de cinco dias foi negociado entre Estados Unidos e Turquia –sem combinar com os curdos, que concordaram mais por falta de opção. E cada um deles tem uma interpretação diferente do que diz o acordo.

Para os turcos, o cessar-fogo determina que a YPG curda tem que retirar todas as suas forças de uma "zona de segurança" que vai da cidade de Jarabulus até a fronteira do Iraque.

Além disso, os curdos têm de destruir seus armamentos e suas bases na região.

“Começa agora o prazo de 120 horas para a organização terrorista YPG deixar a área que nós identificamos como 'zona de segurança'”, disse Erdogan na sexta-feira (18) de manhã.

Segundo ele, a "zona de segurança" englobaria 440 km da fronteira e 32 km para dentro do território.

“No momento, nós já controlamos a área entre Tal Abyad e Ras al-Ayn”. Mas ele afirmou que não iam parar aí, “e o processo vai continuar com determinação” ao longo da fronteira.

E, para Erdogan, basta a Turquia esperar esses cinco dias para os EUA retirarem as sanções econômicas sobre a Turquia, ainda que continue ocupando as terras dos curdos.

O governo americano acha que concordou com outra coisa.

O enviado especial dos EUA para a Síria, James Jeffrey, afirmou a jornalistas que a "zona de segurança", onde vigora o cessar-fogo, é uma área muito limitada –precisamente apenas onde a Turquia já está, que é de Tal Abyad a Ras al-Ayn, e não 440 quilômetros de fronteira.

Jeffrey também entende que a Turquia vai parar com todas as operações na região após o cessar-fogo. “Após os cinco dias, se as SDF tiverem se retirado, os turcos irão suspender todas as operações no nordeste da Síria.”

E para os curdos, o mesmo acordo significa algo totalmente diferente. Cessar-fogo seria só entre Tal Abyad e Ras al-Ayn. Não há retirada de forças curdas da "zona de segurança" nem destruição de armamentos pesados.

​Erdogan já saiu anunciando que vai começar a reassentar entre 1,5 milhão e 2 milhões de refugiados sírios atualmente em território turco na "zona de segurança" –sendo que, segundo cálculos do próprio governo turco, só 300 mil são curdos. Os outros são árabes, muitos de outras regiões da Síria.

Ora, dois corpos não ocupam o mesmo espaço. Dentro da "zona de segurança" estabelecida pelos turcos, estão algumas das principais cidades de Rojava, como os curdos sírios chamam sua região –Kobani, Qamishli, Amuda, Ras ​al-Ayn e outras.

Essas cidades ficarão permanentemente ocupadas por forças turcas? Ou, pior, ficarão ocupadas pelas milícias do antigo Exército Livre da Síria, que, patrocinadas pelos turcos, estão na ponta da operação –e que são inimigas figadais dos curdos?

A Anistia Internacional já alertou que as forças turcas e as milícias apoiadas pela Turquia (antigo Exército Livre da Síria) estão cometendo “sérios crimes de guerra, incluindo execuções sumárias e ataques que mataram e feriram civis. 

Os militares turcos e seus aliados têm mostrado desprezo total por vidas de civis, fazendo ataques em zonas residenciais".

O governo americano avisou que não irá manter tropas na área de segurança (sejá lá qual for ela). Ou seja, serão as milícias árabes e as forças turcas que garantirão a paz nas regiões habitadas pelos curdos?

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