Evo convoca novas eleições na Bolívia, e Forças Armadas sugerem renúncia

Presidente decolou de avião da capital, La Paz, em direção a Cochabamba, seu reduto político

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Buenos Aires

O presidente da Bolívia, Evo Morales, convocou novas eleições neste domingo (10) e pediu que "se reduza toda a tensão" no país, após três semanas de enfrentamentos violentos que causaram três mortes e deixaram mais de 300 feridos nas principais cidades do país.

A tensão aumentou ao longo do dia, com a oposição insistindo que Evo renunciasse. O comandante das Forças Armadas, Williams Kaliman, fez um pronunciamento na televisão à tarde, no qual "sugere que Evo Morales renuncie a seu mandato" para pacificar as ruas.

Por volta das 17h (horário de Brasília), o avião presidencial decolou do aeroporto de El Alto, em La Paz, onde o presidente estava desde a manhã do domingo, alimentando especulações de que ele poderia estar deixando o país. 

Em vez disso, porém, aterrissou no aeroporto de Chimoré, perto de Cochabamba, um reduto político de Evo.

O anúncio do novo pleito foi feito pelo mandatário na manhã do domingo, depois que o secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, pediu a anulação das eleições na Bolívia baseada em auditoria realizada na apuração dos votos.

Almagro instou o governo de Evo a convocar novas eleições.

Ao aceitar a auditoria da OEA, Evo tinha se comprometido a respeitar as conclusões desta análise. O presidente, porém, não mencionou o parecer do órgão em sua fala. Disse que tomou a decisão depois de consultar a COB (Central Trabalhista da Bolívia) e os "distintos setores do campo e da cidade".

A tensão na Bolívia vem escalando por conta de enfrentamentos entre apoiadores e críticos de Evo, que o acusam de fraude. Nos últimos dias, houve levantes de policiais e militares que se recusaram a tomar ações de repressão contra opositores, enquanto Evo acusou uma "tentativa de golpe de Estado".

Os resultados da auditoria da OEA seriam divulgados apenas em 13 de novembro, mas foram adiantados "por conta da gravidade das denúncias", disse Almagro em um comunicado em que pede que a eleição do último dia 20 de outubro "seja anulada e que o processo eleitoral comece novamente".

A OEA também afirma no documento que o governo deve marcar o novo pleito "assim que existam novas condições que deem garantias de sua realização, entre elas uma nova composição do órgão eleitoral". 

A Bolívia vive um agravamento da tensão nas ruas por conta dos resultados contraditórios divulgados após as eleições do último dia 20 de outubro.

O órgão eleitoral iniciou uma contagem rápida, que indicava a realização de segundo turno até os 80% das atas apuradas.

Três horas depois, porém, essa contagem foi interrompida por 24 horas, enquanto se acelerou a contagem voto a voto.

Quando por fim foram anunciados os resultados, Evo estava na frente por pouco mais de dez pontos percentuais de vantagem, o que o levaria a conquistar seu quarto mandato já num primeiro turno.

Desde então, os protestos vêm aumentando em La Paz e em outras cidades, com ataques a casas de autoridades, incêndios e confrontos de rua.

O presidente da Câmara dos Deputados da Bolívia, Víctor Borda, renunciou ao cargo neste domingo após manifestantes atacarem sua casa em meio aos protestos que reivindicam a renúncia de Evo.

Em intervalo de horas, dois ministros do governo fizeram o mesmo: Luis Alberto Sánchez (Hidrocarbonetos) e César Navarro (Mineração), que abdicou do posto depois que opositores queimaram sua casa.

REAÇÕES

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil emitiu nota expressando "profunda preocupação com as graves irregularidades" apontadas na auditoria da OEA e afirmando considerar "pertinente a convocação de novas eleições gerais em resposta às legítimas manifestações do povo".

O oposicionista Carlos Mesa, que disputou a eleição com Evo e o acusou de fraude, disse que o atual presidente "não deveria se candidatar no novo pleito, se ainda lhe resta algo de patriotismo."

Mesa, que teria ficado em segundo lugar na eleição agora anulada, diz que a candidatura de Evo já era ilegal em primeiro lugar —por ter usado um artigo da Declaração Internacional de Direitos Humanos para desconsiderar a Constituição, que só permite uma reeleição, e por ter se negado a aceitar o resultado do referendo de 2016.

Para Mesa, "nem Evo nem seu vice, Álvaro García Linera, estão em condições de presidir um processo eleitoral". E, mais do que novas eleições, pediu que Evo renuncie e passe a tarefa de comandar o novo pleito ao Congresso.

"Evo vai ter de sair, e a Bolívia será livre", disse à Folha o ex-presidente de direita Jorge "Tuto" Quiroga, aliado de Mesa. E acrescentou que o anúncio das novas eleições "pode ser apenas uma tentativa de ganhar tempo, por isso não vamos relaxar em nossas posições".

O líder opositor venezuelano Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional e reconhecido como presidente interino da Venezuela por mais de 50 países, disse, por meio das redes sociais que "se sente um furacão democrático na América Latina".

"Viva a Bolívia, filha predileta do libertador", afirmou, em uma referência a Simón Bolívar (1783-1830), a quem o país deve seu nome.

Enquanto isso, no fórum do Grupo de Puebla, os líderes de esquerda reunidos seguiam afirmando que o que está ocorrendo na Bolívia é um "golpe de Estado" e que "não há evidências de fraude nas eleições".

No vídeo enviado por Lula ao evento, o ex-presidente brasileiro disse que Evo estava sendo vítima de "uma canalhice".​

Andrés Manuel López-Obrador, presidente do México, apoiou a decisão de Evo, classificada por ele como "democrática e correta".

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