Após meses de impasse e 2 eleições, coalizão de esquerda conquista governo da Espanha

Pedro Sánchez governará com apoio do Podemos e promete aumentar salários e reduzir desigualdade social

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São Paulo

Pela primeira vez desde a redemocratização, nos anos 1970, a Espanha será governada por uma coalizão de esquerda. O Parlamento confirmou nesta terça (7) Pedro Sánchez como novo premiê, cujo governo será composto pelo PSOE e pelo Podemos.

O resultado foi apertado: 167 votos a favor e 165 contra, fora 18 abstenções. Para a vitória, ele necessitava apenas de maioria simples (mais votos "sim" do que "não"). Segundo o jornal El País, foi a menor vantagem já registrada na democracia espanhola. A Casa soma 350 deputados.

O premiê espanhol Pedro Sánchez, durante a votação que o confirmou no cargo - Reuters

Com isso, a Espanha deixa para trás um impasse de quase um ano. Sánchez estava no cargo de premiê desde junho de 2018. Ele convocou eleições em fevereiro de 2019, após não conseguir aprovar o Orçamento. Nos meses seguintes, houve duas eleições, nas quais o PSOE saiu vencedor, mas teve dificuldade para conseguir um acordo com o Podemos. Nesse período, o socialista seguiu no cargo de forma interina. 

Com 140 anos de história, o PSOE se alterna no poder com o direitista PP desde a década de 1980. Já o Podemos foi criado em 2014, com postura mais radical e defesa de temas como a igualdade de gênero, o combate à desigualdade social e os direitos LGBT. 

Pablo Iglesias, líder do Podemos, será vice-presidente de governo, cargo número dois na hierarquia do Executivo espanhol. Membros da legenda chefiarão alguns ministérios.

Sánchez será empossado oficialmente pelo rei Felipe 6º em um encontro nesta quarta (8). "A Espanha dá início a um tempo para reivindicar o diálogo e a política útil. Um governo para todos e todas, que amplie direitos, restaure a convivência e defenda a justiça social", disse o novo governante.

O novo governo, que terá inicialmente quatro anos de mandato, promete rever uma reforma trabalhista feita pelo governo anterior, aumentar impostos para os mais ricos, elevar salários e lutar pela igualdade entre os gêneros. Apesar de planejar aumentar os gastos sociais, os partidos prometem respeitar regras de austeridade fiscal.

 

As propostas do novo governo:

  • Aumentar o imposto sobre a renda de quem ganha mais de 145 mil euros (R$ 658 mil) por ano
  • Elevar o salário mínimo a um valor equivalente a 60% do salário médio nacional. Hoje, ele equivale a 45%
  • Rever uma reforma trabalhista feita pelo governo anterior e aumentar a proteção social contra demissões relacionadas a faltas por doença
  • Abrir o diálogo com os movimentos separatistas da Catalunha, mas respeitando a Constituição, que proíbe separar o território
  • Limitar a alta dos aluguéis e subsidiar a habitação
  • Combater a diferença salarial entre homens e mulheres

No entanto, a falta de apoio no Parlamento poderá dificultar a aprovação de propostas. E a oposição terá a presença estridente do partido de ultra direita Vox. 

No debate antes da votação de investidura, Santiago Abascal, líder do Vox, acusou o novo governo de ser integrado por "comunistas, com vínculo estreito com ditaduras e narcotraficantes e com a aprovação do ETA". Iglesias, do Podemos, já elogiou o regime chavista da Venezuela, mas depois disse ter se arrependido. 

Nas semanas de negociação pós-eleitoral, Sánchez se posicionou como alternativa para conter o avanço da direita radical, que ele chama de “coalizão do apocalipse”, e manter as autonomias regionais.

O novo premiê, de 47 anos, filiou-se ao PSOE aos 21, em 1993. Na juventude, enfrentou períodos de desemprego. Foi tentar a sorte em Bruxelas, onde fez um mestrado e trabalhou na União Europeia.

Ao voltar para a Espanha, obteve o cargo de conselheiro (equivalente a vereador) em Madri e depois deputado, mas sem ser eleito: era suplente e acabou ficando com as vagas quando os titulares renunciaram. 

Em 2014, ele disputou a posição de líder do partido e foi visto como azarão. Mas venceu, apoiado por uma campanha de crowdfunding e por líderes tradicionais do partido. 

Nas eleições de 2015, o PSOE ficou em segundo, e o PP, em primeiro. Sánchez chegou a ser considerado como opção para liderar o governo, mas não houve acordo. Vieram novas eleições.

Na votação seguinte, em 2016, os socialistas tiveram um resultado pior, e o PP manteve o governo. Frente aos fracassos, Sánchez acabou forçado a renunciar à liderança do partido e ao assento de deputado. 

No ano seguinte, no entanto, disputou as primárias do partido e recuperou o cargo de secretário-geral, após uma campanha na qual enfatizou ter gasto poucos recursos —usou o próprio carro em alguns deslocamentos— e reafirmou sua postura socialista.

Nesta campanha, em abril de 2017, foi a Barcelona e se disse favorável à ideia de uma nação catalã. Mas, seis meses depois, quando o movimento separatista atingiu seu ponto máximo, ele apoiou o governo de Mariano Rajoy na intervenção que destituiu os líderes da região e determinou a prisão de parte deles. 

Apesar disso, ele voltou a cortejar os separatistas no ano seguinte: quando Rajoy caiu, após suspeitas de corrupção, Sánchez se uniu a legendas independentistas bascas e catalãs e conseguiu assumir o governo após uma moção de censura. 

Os separatistas o ajudaram a chegar ao topo, mas depois minaram seu governo. Sánchez se negou a negociar um novo referendo sobre o tema e, em retaliação, não teve apoio para aprovar o orçamento de 2019. Exposta a sua fragilidade, resolveu convocar eleições, realizadas em abril.

"Desde junho de 2017, [Sánchez] mudou seis vezes seu discurso sobre a Catalunha. É difícil saber o que ele realmente pensa", criticou Laura Bòrras, do partido JxCat (Juntos pela Catalunha), no debate antes da votação desta terça. Agora como premiê efetivo, Sánchez ganhou mais tempo para pensar nessa resposta. 

OS LÍDERES DA ESPANHA DEPOIS DA DITADURA

Adolfo Suárez (UCD) 
1976-1981 
Um dos líderes da transição para a democracia, teve de lidar com atentados terroristas do ETA, grupo separatista basco, e com as pressões para dar mais autonomia às províncias. Renunciou após uma moção de censura

Leopoldo Calvo-Sotelo (UCD) 
1981-1982 
Durante a votação de sua investidura, militares entraram no Parlamento e tentaram dar um golpe de Estado. Em seu governo, a Espanha entrou para o Otan e liberou o divórcio

Felipe González (PSOE) 
1982-1996 
Levou o país para a União Europeia e ampliou o Estado de bem-estar social, mas terminou o governo sob a marca de casos de corrupção e de uma crise econômica

José Maria Aznar (PP) 
1996-2004 
Cortou gastos públicos e fez privatizações, o que melhorou os índices econômicos. Apoiou os EUA e enviou militares espanhóis para lutar no Iraque. Pouco antes da eleição de 2004, Madri foi alvo de ataques terroristas da Al Qaeda

José Luis Zapatero (PSOE) 
2004-2011 
Retirou as tropas do Iraque e avançou em questões como o casamento gay e a igualdade entre homens e mulheres. Nos anos finais de seu governo, a Espanha foi atingida duramente pela crise internacional

Mariano Rajoy (PP)
2011-2018 
Implantou medidas de austeridade para conter a crise econômica, o que trouxe melhora, mas o desemprego seguiu elevado. Caiu após denúncias de corrupção em seu partido

 
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