Livro diz que Trump se cerca cada vez mais de pessoas que nunca discordam dele

Republicano ejetou quem não era leal e hoje está cercado de bajuladores, segundo autores de novo livro

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São Paulo

Um presidente que rejeita fatos e análises e que valoriza a lealdade pessoal acima de tudo —até mesmo dos interesses de seu país. Esse é o retrato pintado no livro "Um Gênio Muito Estável - A Ameaça de Donald Trump à Democracia" pelos repórteres Philip Rucker e Carol Leonnig, do Washington Post.

"A trajetória do governo Trump tem sido de se afastar dos 'adultos na sala' para a era dos facilitadores. No começo assessores acreditavam ser possível guiar e dar conselhos a Trump, que era um novato na política. Cada vez mais, as pessoas ao redor dele acreditam que sua missão é falar 'sim' para ele", disse Leonnig em entrevista à Folha, dada em conjunto com seu colega Rucker.

Trump fala com o então secretário de Justiça Jeff Sessions em evento em maio de 2017
Trump fala com o então secretário de Justiça Jeff Sessions em evento em maio de 2017 - Kevin Lamarque - 15.mai.17/Reuters

O livro descreve os principais acontecimentos do governo do republicano, desde sua eleição em 2016 até as vésperas do processo de impeachment, cujo julgamento começa nesta terça-feira (21) no Senado americano.

Um tema recorrente do livro é a expectativa de Trump de que assessores e secretários de Estado sejam leais a ele e não às instituições ou ao povo americano. Um dos primeiros a ser atingido pela desconfiança do presidente foi o secretário de Justiça Jeff Sessions, que se declarou impedido de atuar nas investigações sobre a suposta interferência russa nas eleições presidenciais.

 

O então secretário tomou a decisão porque tinha atuado na campanha de Trump, mas o republicano jamais o perdoou por isso. Ele foi alvo de críticas do presidente no Twitter e pessoalmente até ser obrigado a renunciar em novembro de 2018.

"O presidente desde o primeiro dia valorizou a lealdade como o principal requisito ao escolher seus secretários, e ele não pensava em lealdade ao país e sim lealdade a Trump, a sua marca pessoal e a sua imagem. Ele achou formas de despachar aqueles cuja lealdade questionava. Os que sobraram estão dispostos a defendê-lo, em alguns casos até mentir por ele, e a executar suas ordens sem levar em conta outros fatores", diz Rucker.

A obra dos dois repórteres é recheada de informações de bastidores ainda não conhecidas, em especial de reconstituições de reuniões a portas fechadas entre o presidente e seus assessores, advogados e em alguns casos com líderes mundiais.

Diversas cenas relatadas mostram esforços de assessores no início da presidência de educar o presidente sobre alianças estratégicas dos Estados Unidos e questões militares, assuntos para os quais Trump sempre demonstrou ter pouca paciência. Ignorando os briefings e relatórios que lhe eram entregues, o republicano improvisava em reuniões bilaterais importantes, às vezes com consequências graves.

Ao encontrar o primeiro-ministro indiano Narendra Modi em junho de 2017, por exemplo, Trump mostrou pouco interesse na fala do líder sobre as ameaças do Afeganistão, China e Paquistão a seu país, preferindo se alongar em reclamações sobre desequilíbrios comerciais e em uma digressão sobre a presença dos EUA no Afeganistão.

Quando Modi falou da ameaça de agressão chinesa, Trump teria dito: "Bom, vocês não fazem fronteira com a China", descartando a preocupação do colega  —fala que, claro, está incorreta. "Isso faz com que Modi ficasse espantado mas também o fez se afastar de Trump e do nosso país como parceiro. Ele tem opções em relação a parcerias e ele cada vez mais vê Trump como alguém que não pode ser levado a sério", diz Leonnig.

Narendra Modi e Donald Trump se encontram na Casa Branca, em Washington, em junho de 2017
Narendra Modi e Donald Trump se encontram na Casa Branca, em Washington, em junho de 2017 - Kevin Lamarque - 26.jun.17/Reuters

A obra também relata diversos momentos em que assessores viram com preocupação a vontade de Trump de se aproximar do presidente russo, Vladimir Putin. "[O então secretário de Estado Rex] Tillerson tentou ensinar Trump sobre Putin, não só sobre o presidente de imagem forte a quem Trump queria conhecer e de quem queria ser amigo mas também Putin o ex-agente da KGB, o adversário calculista que tentaria usar Trump de forma vantajosa para a Rússia", diz Rucker.

"As pessoas ao redor de Trump ficaram perturbadas com quão bajulador o presidente era com Putin e quanto ele estava disposto a começar um 'bromance' com o líder de um país que tenta levar vantagem sobre as nossas fraquezas ao redor do mundo e que tentou interferir na nossa democracia", diz Leonnig.

Em outra cena relatada no livro, o presidente americano recebe um livro de instruções antes de uma ligação que faria a Putin depois que o russo venceu as eleições presidenciais em março de 2018. O material continha quatro fichas com assuntos que o presidente poderia usar na conversa; na primeira delas, um aviso em letras maiúsculas: NÃO O PARABENIZE PELA VITÓRIA ELEITORAL. 

A preocupação de conselheiros como o assessor de Segurança Nacional H. R. McMaster era evitar que ficasse parecendo que Trump estava endossando uma eleição que tinha indícios de fraude. Trump, é claro começou a conversa telefônica parabenizando Putin, fato que foi logo divulgado pela Rússia.

Putin e Trump se cumprimentam em reunião bilateral em Hamburgo, na Alemanha, em julho de 2017
Putin e Trump se cumprimentam em reunião bilateral em Hamburgo, na Alemanha, em julho de 2017 - Saul Loeb - 7.jul.17/AFP

Apesar de todos os solavancos dos três anos de governo do republicano, Leonnig e Rucker acreditam que o republicano não mudará seu estilo nas eleições de novembro deste ano, quando tentará garantir mais um mandato de quatro anos. "Acho que vamos ver mais do mesmo. Trump tem uma estratégia vencedora para se comunicar com seus apoiadores. Ele faz um ótimo trabalho persuadindo as pessoas de que ele é seu defensor, luta por elas. São pessoas que se veem deixadas para trás pela economia americana e desprezadas pelas elites, e acredito que vamos ver o mesmo que vimos em 2016, porque tem sido uma combinação de sucesso para ele", afirma Leonnig.

Capa de "Um Gênio Muito Estável", livro de Philip Rucker e Carol Leonnig sobre Donald Trump
Capa de "Um Gênio Muito Estável", livro de Philip Rucker e Carol Leonnig sobre Donald Trump - Divulgação

Trechos do livro

"[Depois da reunião com Putin em julho de 2017] Trump acreditava que agora era ele quem sabia tudo da Rússia. Que dominava o relacionamento. Os anos de experiência de Tillerson negociando com o presidente russo e estudando seus movimentos no tabuleiro de repente se tornaram irrelevantes.

'Tive uma reunião de duas horas com Putin', disse Trump a Tillerson. 'Isso é o bastante para mim... Já saquei tudo. Pode deixar comigo.'"​

"[Durante uma reunião no Pentágono com o chefe do Estado-Maior Conjunto, chefes das Forças Armadas e secretários de Estado] Trump havia começado um de seus surtos. Ele estava com tanta raiva que mal parava para respirar. Durante a manhã toda tinha sido mal-educado e arrogante, mas os comentários que ele berrou em seguida iam além dessa descrição. Quase todo mundo dentro da sala ficou chocado, e alguns juraram jamais repetir o que foi dito.

'Eu não iria para a guerra com vocês', disse Trump ao alto comando ali reunido.

Dirigindo-se a todos os presentes, o comandante em chefe gritou: 'Vocês são um bando de tapados e bebês chorões'."

Um Gênio Muito Estável - A Ameaça de Donald Trump à Democracia

  • Autor Philip Rucker e Carol Leonnig
  • Editora Objetiva
  • Preço R$ 74,90 (ebook R$ 39,90)
  • Págs. 328
 
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