Para onde vai toda a tralha de campanha dos EUA quando os candidatos perdem?

Parte é reutilizada, parte jogada fora e alguns itens vão parar no Quênia

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Alan Yuhas Mihir Zaveri
The New York Times

Broches, camisetas e adesivos de para-lamas saudando as ambições da senadora Kamala Harris, que abandonou sua pré-candidatura presidencial democrata, acumulam pó em um galpão no Texas.

Entre lâmpadas de lava e bastões de incenso, uma loja em Connecticut ainda tem à venda camisetas que divulgam “Jeb!”.

E anos depois de a tentativa de Mitt Romney chegar à Casa Branca ter chegado ao fim, camisetas e bonés de sua campanha continuaram a aparecer nas ruas da capital do Quênia, Nairóbi.

Apoiadores de Kamala Harris, durante evento em Des Moines, Iowa, em setembro de 2019 - Hilary Swift/The New York Times

A corrida presidencial americana há anos produz materiais de campanha em quantidades enormes —broches de US$ 5 (R$ 22), canecas por US$ 15 (R$ 66), tigelas para guacamole vendidas por US$ 75 (R$ 332)— para promover os candidatos, encher os cofres das campanhas e colher informações nuançadas sobre seus partidários.

 
Mas pouca atenção tem sido dada ao que acontece com esses objetos quando a maioria das campanhas chega ao fim, às vezes de uma hora para outra.

A maioria das campanhas não tem um plano sobre o que fazer com os materiais que deixam para trás.

Com a primária da Carolina do Sul neste sábado (28) se aproximando e cerca de um terço de todos os delegados eleitorais sendo disputados no próximo 3 de março, alguns dos oito pré-candidatos que ainda concorrem à indicação presidencial democrata podem confrontar-se com esse problema muito em breve.

“Você passa literalmente de construir uma start up de milhões de dólares para ter seu esforço fechado da noite para o dia”, disse Matt Terrill, ex-chefe de equipe da campanha do senador Marco Rubio em 2016, que acabou distribuindo entre voluntários muitas das camisetas que ficaram sobrando.

“É bem mais fácil encontrar pessoas para ajudar quando você venceu do que quando é hora de encerrar uma campanha.”

Os materiais excedentes muitas vezes acabam em depósitos ou nas casas de voluntários ou funcionários da campanha. Alguns ganham vida nova com uma segunda campanha. Acredita-se que a maior parte seja reciclada ou jogada fora.

“Se alguém não recolher e guardar esses materiais intencionalmente, quase tudo acaba desaparecendo”, disse Jon Grinspan, curador de história política no Museu Nacional de História Americana.

Ele coleciona memorabilia de campanhas presidenciais para o museu.

A campanha de Kamala Harris fez um pedido de material no atacado, contou Shelby Cole, que foi a diretora digital da empreitada.

O plano era distribuir os materiais entre equipes da campanha espalhadas pelo país. Mas, antes de isso acontecer, Harris, senadora da Califórnia, desistiu da disputa.

“Nosso staff foi pego totalmente de surpresa”, comentou Cole. “Eu fiquei pensando ‘meu Deus, o que vamos fazer com todas essas camisetas?’”

Ela contou que a empresa contratada pela campanha de Harris, Bumperactive, ofereceu-se para guardar os materiais em um armazém, e estão lá há meses. Os materiais não trazem a data de 2020 estampada neles, de modo que, teoricamente, podem ser usados no futuro.

O gabinete de Harris disse que há planos para reciclar os itens, mas não deu maiores informações. Kyle Johnson, dono da Bumperactive, negou-se a comentar o assunto.

Às vezes as empresas que fabricam as camisetas e outros objetos acabam ficando com o estoque excedente. A loja no Connecticut, Old Glory, ainda tem à venda objetos estampados para Jeb Bush, John McCain e outros candidatos passados.

“Está tudo ali, parado em nosso armazém”, explicou Austin Braumann, gerente distrital da empresa. “O que acaba acontecendo é que ou você anuncia os materiais online e consegue vender, ou você os doa ou, ainda, os joga fora.”

Várias centenas de camisetas e bonés divulgando a campanha presidencial de Romney em 2012 foram parar no Quênia depois de um ex-diretor da campanha do candidato em um condado do Tennessee ter doado os itens a uma campanha beneficente organizada por sua tia.

Jason Worrix, diretor gerente da empresa My Campaign Store, de Louisville, Kentucky, que imprime artigos de campanha, disse que aconselha as campanhas a doar os materiais excedentes a organizações locais.

Os cartazes podem ser pintados por cima por escoteiros ou escoteiras, as canetas podem ser doadas a bares e restaurantes, as roupas a abrigos para indigentes ou para a organização sem fins lucrativos americana Goodwill.

Worrix disse que às vezes as campanhas reutilizam os materiais. Algumas pequenas modificações podem converter um cartaz de uma campanha para o Congresso em um cartaz promovendo uma candidatura a governador ou presidente, disse ele.

Se uma camiseta ou caneca mostrar apenas o nome de um candidato, ela pode ser reaproveitada em cada ciclo eleitoral.

“Muitos políticos atuam na política por toda a vida”, explicou. “Especialmente para usar com cartazes e coisas do tipo, imprimimos muitos adesivos que dizem ‘reeleja’ ou cobrem cargos e anos para modificar os cargos para os quais os mesmos políticos estão concorrendo agora.”

Mas não existe uma prática comum de doar os materiais para esforços beneficentes, como faz a NFL com os itens pré-fabricados, “vencedores”, de times que perdem no Super Bowl.

Algumas campanhas conservam suas lojas abertas; as vendas de materiais podem ajudá-las a pagar suas contas ou a gerar receita para uma corrida futura do candidato.

Zach Graumann, diretor da campanha do empreendedor Andrew Yang, que encerrou este mês sua pré-candidatura presidencial democrata, disse que os materiais de campanha de Yang continuarão à venda até todos terem sido vendidos.

O Museu Nacional de História Americana tem cerca de 130 mil objetos relativos à história política dos EUA; a maioria veio de campanhas.

Grinspan, que é curador do museu há cinco anos, disse que guardar objetos antes de serem jogados fora pode ser difícil e que 99% (segundo ele) dos objetos são descartados.

Às vezes colecionar pode exigir que se vasculhem latas de lixo reciclável ou pilhas de materiais descartados. Na maioria dos casos, os voluntários e funcionários de campanhas políticas não hesitam em doar materiais.

Os curadores do museu colheram algumas dezenas de cartazes e broches em New Hampshire enquanto estavam assistindo a comícios e visitando sedes de campanhas, disse Clair Jerry, outra curadora.

Jerry contou que o museu também recebeu materiais mais antigos de pessoas que os haviam guardado em casa e esquecido deles.

O museu recentemente obteve um farolete usado na campanha presidencial de Abraham Lincoln em 1860 e que ficara esquecido no sótão de uma pequena sociedade histórica em Milford, New Hampshire, contou Grinspan.

“Muitos desses objetos vêm das gavetas de coisas descartáveis das pessoas”, disse Jerry.

A Lori Ferber Collectibles, de Scottsdale, Arizona, vem há mais de 40 anos colecionando memorabília de campanhas eleitorais, de governo, fabricantes e vendas para liquidar espólios, disse o vice-presidente da empresa, Steve Ferber.

Especializada em memorabilia presidencial e de campanhas, a firma recentemente comprou e vendeu cerca de 160 mil broches de Richard Nixon e Ronald Reagan que um fabricante guardara num depósito desde os anos 1970 e 1980.

“É espantoso o que as pessoas às vezes colecionam e guardam”, comentou Ferber.

Ele destacou que objetos colecionáveis de candidatos derrotados às vezes valem mais que os dos vencedores: broches da campanha presidencial socialista de Eugene V. Debs em 1920 podem valer entre US$ 500 (R$ 2.200) e US$ 1.000 (R$ 4.200) cada.

Tradução de Clara Allain

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