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Sem dinheiro para moradia, estudantes dormem dentro de carros na Califórnia

Alunos negociam com universidades direito de estacionar dentro delas durante a noite

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The New York Times

Em um dia ensolarado de abril de 2019, Anthony White, 29, ex-veterano dos fuzileiros navais, contou na Assembleia da Califórnia como ele sobreviveu a um semestre como estudante sem dinheiro no MiraCosta College: ele dormiu em seu carro.

White estacionava seu Chevrolet Silverado tarde da noite em terrenos perto de armazéns e tomava banho na academia. Uma vez foi expulso de uma loja de material de construção por escovar os dentes no banheiro. A experiência, segundo ele, foi traumatizante.

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Stephen Cooper, estudante do San Diego City College, passa a noite em um carro - John Francis Peters/The New York Times

A falta de moradia entre estudantes universitários dos EUA tem se tornado um problema cada vez mais visível, e os que frequentam faculdades comunitárias são os mais atingidos: 17% dos estudantes chegaram a ficar sem ter onde morar no ano passado, de acordo com uma pesquisa do The Hope Center for College Community e pela Justiça da Filadélfia. 

Metade deles relatou problemas com as contas: como pagar apenas parte do aluguel, poupar água e luz ou dormir no sofá de amigos ou, algumas vezes, em seus carros.

Para ajudar a mudar a situação, White se tornou ativista e convenceu algumas faculdades da Califórnia a abrir seus estacionamentos durante a noite, para que os estudantes possam passar algumas noites em seus veículos e ter acesso a banheiros.

Naquela tarde de abril, dentro do Capitólio estadual, a ideia de criar espaços para que estudantes pudessem parar os carros à noite recebeu forte apoio dos estudantes, assistentes sociais e funcionários das faculdades, que o anunciaram como "criativo" e "moral".

Logo depois, um projeto de lei sobre o plano foi aprovado na Assembleia da Califórnia.

Conforme as notícias sobre a lei se espalharam, veio a controvérsia. Prefeitos questionaram se ela poderia ajudar ou prejudicar suas cidades.

Um relatório apontou que a proposta custaria US$ 69 milhões aos cofres públicos por ano, com os gastos de segurança e de limpeza representando a maior parte da despesa.

Deputados argumentaram que a ideia enviava uma mensagem insultante aos estudantes sobre o que o Estado considera “moradia adequada”. E defensores dos sem-teto avaliaram a lei como bem-intencionada, mas de visão curta, pois a vasta maioria dos alunos pobres não tem carro.

Em setembro, depois que o Comitê Estadual de Apropriações do Senado divulgou uma versão diluída do projeto, seu autor Marc Berman, membro da Assembleia de Palo Alto, o retirou, citando apoio insuficiente.

A história da lei do "estacionamento seguro", como ficou conhecida na Califórnia, sem dúvida foi uma derrota desanimadora para White e outros estudantes de faculdades comunitárias que dependiam de seus carros para se abrigar.

Mas o tema ganhou manchetes nacionais, aumentando a conscientização sobre um crescente problema de ensino superior e levantando questões importantes sobre o que as redes de assistência social das faculdades comunitárias devem oferecer e quem deve pagar por elas.

"Todos concordam que o problema existe", disse Larry Galizio, presidente da Liga das Faculdades Comunitárias da Califórnia, que fez campanha contra a lei, chamando-a de uma resposta "tamanho único" para um problema complexo.

"A questão é como abordamos isso de uma maneira pragmática e que realmente constitui algo que aborda uma solução."

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Voluntários registram interessados em estacionar seu carro para dormir em um local seguro de San Diego - John Francis Peters/The New York Times

Os defensores dos estudantes sem-teto dizem que o maior obstáculo para atender às necessidades de moradia de estudantes de faculdades comunitárias em todo o país decorre, em grande parte, da confusão sobre quem frequenta essas instituições de dois anos.

“A percepção geral sobre o estudante é que ele mora em casa e goza de apoio familiar”, disse Sara Goldrick-Rab, professora da Temple University, na Filadélfia. “Essas pessoas estão por conta própria. São adultos trabalhadores, com crianças, e estão na faculdade porque não estão ganhando dinheiro suficiente e tentam ter uma vida melhor.”

Stephanie Hernandez, ex-aluna do Palomar Community College, disse que as escolhas que muitos de seus colegas fazem são comoventes. “As pessoas dizem: ‘Eu não comprei comida nem paguei contas para poder colocar gasolina no meu carro, comprar livros ou pagar aluguel”, disse ela.

Para corrigir isso, a maioria dos campi das faculdades comunitárias da Califórnia agora tem despensas de alimentos, produtos de higiene pessoal e, às vezes, material escolar e roupas.

A lei da Califórnia exige que faculdades comunitárias forneçam chuveiros para estudantes sem-teto.

Alguns campi oferecem lavanderia gratuita, jantares e lanches durante o dia. E vários criaram programas gratuitos de estacionamento.

Mas até agora, a maioria dos campi não conseguiu dar respostas amplas, porque são caras e, também, porque faltam pesquisas que apontem quais são as melhores soluções.

Os defensores dos estudantes pressionaram grupos sem fins lucrativos a financiar programas-piloto, tanto para ajudar os alunos quanto para fornecer dados sobre o que realmente funciona.

Em um programa no Tacoma Community College, em Washington, os administradores fizeram uma parceria com a Autoridade de Habitação em 2014 para fornecer moradia a dezenas de estudantes.

Um levantamento inicial descobriu que 60% dos estudantes no programa se formaram ou permaneceram matriculados, em comparação com 16% de um grupo de comparação que não havia sido ajudado.

O programa está sendo expandido para ajudar os alunos da Universidade de Washington.

Outro programa, supervisionado pela Jovenes Inc. —uma provedora de moradias para jovens sem-teto, com sede em Los Angeles— junta-se ao governo de Los Angeles e a fundações privadas para oferecer assistência habitacional a estudantes de três faculdades comunitárias, por meio de subsídios de aluguel, apartamentos temporários ou quartos nas casas de anfitriões que moram perto dos campi.

Os alunos também estão recebendo assistência em planejamento financeiro, apoio acadêmico e aconselhamento psicológico.

Em fevereiro passado, Massachusetts iniciou um programa que ligava quatro faculdades comunitárias a campi de outras instituições para oferecer moradia, refeições e assistência pública a 20 estudantes em período integral.

Os resultados preliminares desses esforços indicam que alguns dos programas menos dispendiosos e mais eficientes fazem parceria com agências de assistência social —como autoridades habitacionais e escritórios federais de assistência nutricional— que já prestam serviços aos mais desfavorecidos.

E eles levam em conta como os fundos para estudantes são realmente limitados.

Em Tacoma, por exemplo, os alunos às vezes recebiam vouchers para pagar aluguel, mas não os usavam porque não tinham dinheiro necessário para pagar o depósito na hora de fechar o contrato. Os funcionários começaram a providenciar isso também, quando necessário.

Evitar burocracia desnecessária ao qualificar estudantes para assistência também é fundamental, de acordo com Russell Lowery-Hart, presidente do Texas Amarillo College no Texas Panhandle, que recebeu reconhecimento nacional por seu trabalho em ajudar estudantes em risco.

Muitos alunos, sem a documentação adequada, podem passar horas dentro dos escritórios da faculdade, apenas para receber assistência negada. Mas não em Amarillo.

"Dentro de 24 horas, temos uma solução", disse Lowery-Hart: "Pagamos o aluguel diretamente, pagamos pelo conserto do carro ou, em alguns casos, demos dinheiro diretamente aos estudantes que não violam sua ajuda financeira. Se eles estão em situação de emergência e precisam de ajuda, não precisam de burocracia. Essa é a nossa abordagem".

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