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Coronavírus

Se o G20 não for útil durante a pandemia, talvez não seja nunca mais

É positivo ter havido consenso em torno de texto que valoriza ciência e cooperação internacional

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Tatiana Prazeres
Florianópolis

Os líderes do G20 se reuniram por videoconferência nesta quinta (26) para tratar da pandemia do coronavírus. Pois já deveriam ter feito isso antes.

É preocupante que a crise cresça num momento de déficit de liderança e descrédito dos mecanismos de governança global.

Essa chamada Cúpula Extraordinária tem valor se vier a ser o começo de uma resposta internacional coordenada à crise. É positivo que tenha havido consenso em torno de uma declaração conjunta que valoriza a ciência, a cooperação internacional e a comunicação responsável no combate à Covid-19.

O presidente Jair Bolsonaro participa de reunião do G20 realizada por meio de videoconferência
O presidente Jair Bolsonaro participa de reunião do G20 realizada por meio de videoconferência - Marcos Correa/Presidência/AFP

O documento, razoavelmente detalhado, aponta iniciativas concretas. É preciso tirá-las do papel de forma rápida e ambiciosa.

O grupo que reúne as 20 maiores economias mundiais mostrou a que veio em 2008-2009, ao promover respostas coordenadas à crise financeira.

Naquela ocasião, os membros do G20 acordaram um conjunto de medidas que incluíam estímulo fiscal, rejeição de barreiras ao comércio internacional e reformas ao sistema financeiro. Ajudou a evitar o salve-se quem puder e contribuiu para a recuperação global.

Desde então, os líderes do G20 se reúnem anualmente, mas pareciam esperar por uma nova crise de grandes proporções para mostrar o valor do grupo. Pois uma crise descomunal chegou. E pegou o G20 no contrapé.

Há algum tempo analistas argumentam que nenhum país ou grupo de países teria condições de liderar uma agenda realmente global.

O G7, que exclui as potências emergentes, teria se tornado obsoleto. E o G20 seria um grupo ineficaz, pela impossibilidade de conciliar visões muito díspares. G-Zero, ou cada um por si, descreveria melhor o estado da cooperação global —ou da falta dela.

O desafio do G20 é enorme. A crise do coronavírus faz os países mais autocentrados. Faz os governos mais voltados aos incêndios domésticos. A pandemia reforça tendências desagregadoras, que já estavam em alta, com aumento do nacionalismo, do protecionismo e do sentimento antiestrangeiro.

Ao mesmo tempo, também é grande o potencial da ação conjunta. A cooperação entre os países do G20 pode vir a acelerar o desenvolvimento de tratamentos, vacinas e novos métodos de diagnóstico para a Covid-19.

Pode facilitar a troca de experiências sobre o combate ao vírus, viabilizar apoio médico e financeiro onde ele é mais necessário.

Pode fazer com que o comércio internacional de suprimentos médicos e mesmo de alimentos não seja desnecessariamente prejudicado. Pode ajudar a mitigar a crise econômica, que será pior que a de 2008-2009. Pode contribuir para minimizar seus impactos sociais.

Uma grande coordenação de esforços dos líderes do mundo parece impensável neste momento. Mas a verdade é que estamos no terreno do impensável.

Quem diria que um terço da população mundial estaria hoje em isolamento por causa de um vírus? Respostas eficazes à calamidade exigirão fazer o impensável —inclusive juntar esforços em nível global.

Nestes tempos sombrios, o G20 tem de servir para que líderes resistam aos seus piores instintos. Tem de fazer com que a pressão dos pares (dos pares responsáveis, naturalmente) favoreça um movimento coordenado.

Não podem faltar visão e coragem aos líderes do G20. Pensar pequeno e entregar resultados minguados é decretar o fim do G20 e se conformar mesmo com o G-Zero.

Se o G20 não for útil agora, talvez não seja nunca mais.

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