Descrição de chapéu Coronavírus

Mortos por coronavírus ficam amontoados em banheiros no Equador

Enfermeiro relata dia a dia de pesadelo em hospital de Guayaquil, cidade afetada pela pandemia no país

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Quito | AFP

Em um hospital de Guayaquil, no Equador, os corpos de mortos por coronavírus chegam a ficar amontoados nos banheiros. Alguns foram embrulhados em mortalhas por enfermeiros porque a equipe do necrotério não estava recebendo material, revela um profissional de saúde que trabalha no local.

O enfermeiro de 35 anos, que aceitou falar com a AFP por telefone, mas não quis ser identificado por medo de ser demitido, compartilha o pesadelo que viveu no sistema de saúde saturado de Guayaquil, um dos maiores focos de propagação do coronavírus na América Latina.

Caixões são vendidos em frente a hospital em Guayaquil, no Equador
Caixões são vendidos em frente a hospital em Guayaquil, no Equador - Jose Sanchez Lindao - 25.abr.20/AFP

O que testemunhou, diz, é traumático e afetou sua vida dentro e fora do trabalho. Quando a emergência começou, em março, cada enfermeiro passou de atender de 15 a 30 pacientes em um turno de 24 horas, lembra.

Segundo ele, chegava tanta gente que, quando o soro ia ser colocado, os pacientes morriam praticamente nas mãos dos profissionais, que passaram a dar alta ou enviar os doentes a outros centros de saúde para liberar os leitos.

O enfermeiro, que há três anos trabalha em um dos centros hospitalares que enfrentam a pandemia no Equador, afirma que há 65 leitos de UTI do hosptial ocupados por pacientes com Covid-19. Foi preciso retirar as máquinas de anestesia dos centros cirúrgicos para supri-las com os respiradores.

De acordo com o relato, os doentes estão sozinhos e se sentem tristes, além de terem que lidar com danos colaterais da medicação, como problemas gastrointestinais. Ele conta que alguns defecam em si mesmos, se sentem mal e pensam que vão permanecer nessa situação para sempre.

Além da própria dor, eles dividem o espaço com pacientes que começam a ter falta de ar, gritando que precisam de oxigênio.

As mortes se multiplicaram rapidamente, segundo o funcionário. Como a equipe do necrotério não estava estocando material, o que restou a ele e a seus colegas, muitas vezes, foi cobrir os corpos e acumulá-los nos banheiros.

A equipe do hospital, acrescenta, teve que segurar a vontade de usar os banheiros, ocupados por cadáveres. Somente quando seis ou sete estão empilhados é que os corpos são recolhidos.

Sindicatos de profissionais do Equador, onde há oficialmente 22.700 infectados, incluindo 576 mortos desde 29 de fevereiro, grande parte em Guayaquil, reportam uma centena de médicos e enfermeiros mortos por Covid-19 e 147 infectados na província costeira de Guayas, da qual Guayaquil é a capital.

Outras duas fontes do serviço público de saúde, que também falaram com a AFP sob condição de anonimato, descreveram fatos similares, como cadáveres colocados no corredor de emergência porque o necrotério estava cheio. Um médico de outro hospital relatou que havia 20 ou 25 corpos esperando para serem recolhidos.

A contagem oficial, no entanto, está um passo atrás da tragédia. Nos primeiros 15 dias de abril, os óbitos triplicaram em relação à média mensal e chegaram a 6.700 na província de Guayas e sua capital, Guayaquil.

Nessa lista estão incluídas vítimas e casos investigados do coronavírus, assim como as de outras doenças. O presidente do Equador, Lenín Moreno, admite que os registros não dão conta. Uma sensação reforçada com o que foi descrito pelo enfermeiro.

Segundo ele, depois que os necrotérios ficam lotados, contêineres refrigerados chegam ao hospital para depositar os corpos, sendo que alguns deles ficam por até dez dias embrulhados em capas que são como uma mala de viagem preta.

Alguns familiares rasgam essa capa, e os fluídos saem. O enfermeiro destaca que isso é um desastre sanitário.

Relata ainda que, em meio à emergência, todo mundo fugiu. A equipe administrativa do hospital se instalou em um local seguro. Os psicólogos que deveriam estar trabalhando saíram de lá, bem como os 32 dentistas que deveriam estar ajudando.

O enfermeiro quase não sente o consolo de ter visto o número de mortos diminuir na semana passada. Na volta para casa, os tormentos o acompanham.

Quando retorna após 24 horas de serviço, com dor nos pés, tenta descansar. Mas logo é despertado pelo pesadelo em que corre até cair e abre a porta do banheiro com os cadáveres. Depois disso, afirma, não é possível voltar a dormir.

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