China tem 'catálogo de má conduta', e EUA devem estar prontos para derrotá-la, diz Pentágono

Secretário de Defesa afirma que vai visitar rival e anuncia exercício militar inédito com a Índia

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São Paulo

A China apresenta um "catálogo de má conduta" em sua relação com os vizinhos, e os Estados Unidos precisam estar prontos para derrotá-la militarmente no Pacífico.

A avaliação, em tom beligerante, foi feita pelo secretário de Defesa dos EUA, Mark Esper, durante um webinário do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, realizado na manhã desta terça (21).

A estratégia americana para o Indo-Pacífico, transformada em prioridade ainda na gestão de Barack Obama (2009-2017), prevê "um futuro conflito de alta intensidade com rivais quase iguais", disse Esper. "Nós esperamos nunca precisar lutar, mas temos de estar preparados para derrotá-lo."

Os porta-aviões Nimitz (dir.) e Ronald Reagan, com escoltas, no mar do Sul da China, há duas semanas
Os porta-aviões Nimitz (dir.) e Ronald Reagan, com escoltas, no mar do Sul da China, há duas semanas - Keenan Daniels/Marinha dos EUA/AFP

O chefe do Pentágono, além de defender investimentos em armas como mísseis hipersônicos, disse que isso só será possível com a colaboração de aliados americanos na região.

Além dos tradicionais e desconfiados parceiros como o Japão, que Esper vê cada vez mais capaz do ponto de vista militar, fez uma deferência especial à Índia.

"Enquanto falo com vocês, o USS Nimitz chegou ao Oceano Índico para manobras com a Marinha indiana", disse, em referência ao porta-aviões de propulsão nuclear que na semana retrasada fez exercícios no mar do Sul da China com outro navio do mesmo tipo, algo que não acontecia desde 2012.

"Estamos comprometidos com um oceano livre. A China não terá zonas de exclusão ou seu próprio império marítimo", disse.

Os inéditos exercícios indo-americanos são realizados perto das ilhas Andamã e Nicobar, territórios indianos considerados um dos gargalos do comércio marítimo do mundo, do qual o regime chinês é o principal ator.

A Índia, que sempre buscou agir de forma independente, sendo um grande parceiro militar da Rússia, por exemplo, tem se aproximado dos EUA sob Donald Trump. No mês passado, protagonizou uma escaramuça militar de fronteira com a China, que deixou dezenas de mortos.

Trump tem buscado reavivar o Quad, um grupo formado por EUA, Índia, Japão e Austrália, por meio de novas manobras navais na região, visando acossar estrategicamente a China por vários flancos.

Esper mordeu, mas também assoprou. "Vamos operar, fazer exercícios. Não estamos procurando conflito, temos linhas de comunicação abertas. Antes do fim do ano, espero visitar a China pela primeira vez como secretário para amplificar a cooperação em áreas de interesse comum, estabelecer sistemas de comunicação em crise", disse.

Mas sua visita também visará "reforçar nossas intenções de competir abertamente no sistema internacional". Ele afirmou que "nenhum de nós quer" ser regido por "valores chineses" ou ver Pequim "dando as cartas no futuro".

O secretário de Defesa dos EUA, Mark Esper, durante evento na Casa Branca, em abril
O secretário de Defesa dos EUA, Mark Esper, durante evento na Casa Branca, em abril - Mandel Ngan - 1º.abr.2020/AFP

Esper lembrou que a política de defesa de Trump preconiza a volta da competição entre grandes potências, citando, além da China, a Rússia de Vladimir Putin. "É uma disputa global", afirmou, em lugares como o Indo-Pacífico, o Ártico, o Oriente Médio e a África.

No dito catálogo de má conduta chinesa, Esper citou especialmente a política de Pequim para Taiwan, a república insular considerada uma província rebelde pelo governo comunista.

"[A China] está mais agressiva, com centenas, milhares de mísseis apontados para Taiwan. [O líder chinês] Xi [Jinping] levou a situação a outro nível."

"Não se engane, [o Partido Comunista Chinês] se comporta assim há anos. Mas hoje suas reais intenções estão à mostra para quem quiser ver."

Esper reafirmou a fala de seu colega Mike Pompeo, secretário de Estado, que na semana passada disse que as pretensões territoriais chinesas sobre 85% do mar do Sul da China eram ilegais. "Não reconhecemos as ilhas artificiais e militarizadas", afirmou, dizendo que este era o tema que mais o preocupava nas relações bilaterais.

O chefe da defesa americana disse ainda que as ameaças chinesas a seus navios na região, que segundo a imprensa estatal de Pequim operam "ao sabor do Exército de Libertação Popular", são "declarações vazias".

"Nós temos porta-aviões no Indo-Pacífico desde a Segunda Guerra Mundial. Vamos continuar lá."

Apesar do tom triunfalista, Esper fez questão de tentar acalmar os aliados regionais, que veem na falta de comprometimento de Trump com o que chama de "guerras inúteis" o temor de um desengajamento global.

Segundo ele, no entorno chinês as relações dos EUA eram muito bilaterais. "O coronavírus tem nos empurrado a um multilateralismo", sugeriu.

EUA e China estão em um momento de grande estresse político, alimentado também pelas perspectivas de uma tentativa bastante difícil de reeleição de Trump em novembro, o que sempre incentiva declarações mais bombásticas.

Desde a semana passada, Washington criticou a política marítima de Pequim, publicou ato retirando o status privilegiado de Hong Kong nas relações com os EUA e viu um grande aliado, o Reino Unido, vetar a presença chinesa em suas redes de 5G e romper tratados com o território semiautônomo devido à repressão chinesa a atos pró-democracia.

A China reagiu, ameaçando suas próprias sanções e acusando os EUA de se intrometerem em sua política doméstica.

Desde que assumiu, em 2017, Trump abriu uma guerra comercial e geopolítica com Pequim. Os países são interdependentes na economia, mas o mercado interno chinês não é capaz de absorver toda a sua produção industrial em caso de as exportações chinesas serem bloqueadas —não só por tarifas, mas também por navios adversários em rotas marítimas.

A guerra tarifária está em trégua, mas a divergência sobre o manejo da crise da pandemia e a repressão chinesa aos atos que se desenrolam em Hong Kong desde o ano passado, que culminaram numa nova lei de segurança nacional no fim de junho, azedaram de vez a relação.

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