Vaiado, autocrata da Belarus aposta em jogo de morde e assopra para se manter no poder

Lukachenko admite compartilhar governo, mas repudia pressão de manifestantes e se recusa a convocar novas eleições

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Minsk e Bruxelas | Reuters e AFP

Pressionado por uma onda crescente de protestos e vaiado por manifestantes durante visita a uma fábrica em Minsk nesta segunda-feira (17), o líder autocrata da Belarus, Aleksandr Lukachenko, indicou que está disposto a compartilhar o poder com outras lideranças políticas, mas afirmou que não haverá novas eleições no país "até que ele seja morto".

De acordo com a agência estatal de notícias Belta, o bielorrusso anunciou que poderia entregar o poder após a realização de um referendo sobre mudanças na Constituição do país. Essas mudanças, diz Lukachenko, já estariam em andamento, mas não acontecerão sob pressão dos manifestantes.

"Faremos as mudanças em um referendo e entregarei meus poderes constitucionais. Mas não sob pressão ou devido às ruas", disse ele durante discurso a trabalhadores em greve de uma das grandes fábricas estatais que são o orgulho de seu modelo econômico de estilo soviético e base de apoio.

O autocrata da Belarus, Aleksandr Lukachenko, durante discurso a apoiadores em Minsk - 16.ago.20/Reuters

Em um novo sinal de sua crescente vulnerabilidade, ele foi recebido por vaias e gritos de "vá embora" e "mentiroso". O transporte foi feito de helicóptero, por questões de segurança.

Milhares de manifestantes marcharam até o local para pedir sua renúncia, principal demanda dos atos que levaram outras centenas de milhares às ruas da capital bielorrussa durante a última semana.

O aparente recuo de Lukachenko, num jogo de morde e assopra, veio depois de um discurso ambíguo, em tom de desafio a manifestantes e opositores. “Vocês estão falando sobre eleições injustas e querem realizar eleições justas”, disse o autocrata à multidão, que gritou “sim!” em resposta. “Minha resposta para vocês é: nós já realizamos eleições e, até que eu seja morto, não haverá nenhuma outra eleição.”

O líder bielorrusso é acusado de fraude no pleito presidencial de 9 de agosto. O contestado resultado das urnas aponta vitória de Lukachenko com pouco mais de 80% dos votos, abrindo caminho para seu sexto mandato à frente do país, depois de 26 anos no poder.

A oferta de um referendo constitucional é vista como uma tentativa de aplacar os protestos, cujos manifestante veem a proposta com ceticismo. Autoridades bielorrussas também deram sinais de recuo, ordenando a libertação de mais de 2.000 das 6.700 pessoas presas durante as manifestações.

Neste domingo (16), pelo menos 100 mil pessoas foram às ruas da Belarus. Em contraste à tensão dos atos menores reprimidos violentamente durante a semana, a polícia não interveio. Nesta segunda, houve manifestações grandes em frente às prisões onde estão Sergei Tikhanovski, candidato preso durante o ciclo eleitoral e substituído pela mulher, Svetlana Tikhanovski, e os detidos durante dos protestos.

"Sim, eu não sou um santo. Vocês conhecem meu lado cruel. Vocês sabem que, se não fosse meu lado cruel, não haveria país", disse Lukachenko à multidão na fábrica em Minsk.

Visivelmente irritado, afirmou que tinha dito "tudo o que gostaria de dizer" e provocou os manifestantes. "Agora vocês podem gritar 'vá embora'", disse, ao deixar o púlpito improvisado em um enorme trator, sob mais vaias e palavras de ordem pedindo sua renúncia.

Funcionários da fábrica disseram à agência de notícias AFP que o número de trabalhadores em greve já alcançou os milhares, ainda que não tenha atingido os números esperados em todo o país.

"Planejamos participar de todas as greves pacíficas e ações de protesto para que o governo finalmente perceba que está enfrentando seu próprio povo", disse a funcionária Ilia Rybkine, 30.

A aparente ponderação do autocrata ao propor uma redução de seus poderes veio depois que Svetlana Tikhanovskaia​, principal candidata da oposição, disse que estava disposta a liderar o país, em um vídeo gravado da Lituânia, onde está exilada desde a última terça-feira (11).

A opositora afirmou que é essencial aproveitar ao máximo o ímpeto gerado pela semana de protestos e pediu a criação de um mecanismo legal que garanta a realização de uma nova e justa eleição presidencial.

Svetlana também se dirigiu aos policiais e pediu que as forças de segurança do país "trocassem de lado" no governo de Lukachenko, dizendo que seu comportamento seria perdoado se o fizessem agora.

A agressividade das forças de segurança foi citada por autoridades da comunidade internacional em críticas ao líder bielorrusso. Dominic Raab, secretário das Relações Exteriores do Reino Unido, disse que o "mundo assistiu com horror à violência usada pelas autoridades bielorrussas para reprimir os protestos pacíficos que se seguiram a esta eleição presidencial fraudulenta".

Nesta segunda, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse que seu governo está observando de perto a "terrível situação" na Belarus. Antes, no sábado (15), o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, viajou a Varsóvia para um encontro com autoridades polonesas, durante uma turnê pela Europa Central.

Pompeo afirmou que os EUA estão discutindo a crise com a União Europeia (UE) para "tentar ajudar o povo bielorrusso a conquistar soberania e liberdade".

Na próxima quarta-feira (19), líderes dos 27 países-membros do bloco europeu participarão de uma videoconferência para discutir a situação na Belarus. "O povo da Belarus tem o direito de decidir sobre seu futuro e eleger livremente seu líder", disse Charles Michel, presidente do Conselho Europeu que reúne os governos nacionais da UE, ao anunciar a cúpula virtual de emergência.

O bloco iniciou um processo para impor sanções a funcionários bielorrussos que seriam responsáveis por fraudes eleitorais e repressão aos protestos após a contestada vitória de Lukachenko nas eleições. Os líderes europeus pretendem discutir outras formas de apoio à Belarus.

Ideias iniciais incluem a criação de um fundo para vítimas de repressão, financiamento de projetos para apoiar o pluralismo da mídia, melhorias no intercâmbio de estudantes com a UE e acesso ao mercado de trabalho do bloco para os trabalhadores bielorrussos.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, por sua vez, disse que Belarus estava sendo alvo de pressão externa e que Moscou está pronta para ajudar o país de acordo com um pacto militar, se necessário. Além do discurso, Putin enviou sinais ao Ocidente.

No fim de semana, houve um exercício militar de simulação de intrusão aérea no território de Kaliningrado, um encrave russo entre a Polônia e a Lituânia tomado da Alemanha ao fim da Segunda Guerra.

A região é altamente militarizada, e a defesa no exercício envolveu os sofisticados sistemas antiaéreos S-400. Ao mesmo tempo, Moscou anunciou nesta segunda novos exercícios na região, que fica na linha de frente de qualquer conflito potencial com a Otan, a aliança militar ocidental.

Cerca de 20 aeronaves e 400 militares da Frota do Báltico farão exercícios de bombardeamento e busca de inimigos. No sábado (15), houve mais uma interceptação de avião espião americano sobre o mar Báltico.

Um caça Su-27 acompanhou uma aeronave RC-135 até ele se afastar do espaço aéreo de Kaliningrado, num incidente que tem sido praticamente semanal neste ano.

Colaborou Igor Gielow

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