Bolivianos em SP protestam após informações de que não poderão votar para presidente

Com a pandemia, embaixada e consulado alegam dificuldades logísticas para organizar o pleito

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Viçosa (MG)

Informações de que bolivianos que vivem no Brasil podem não ter direito a votar nas eleições presidenciais deste ano preocupam a comunidade de imigrantes, que foi para as ruas protestar.

Em São Paulo, grupos se reuniram em frente ao consulado na terça-feira (1) à tarde e nesta quarta-feira (2) de manhã carregando cartazes com dizeres como “O voto no exterior é um direito, não um favor”.

Bolivianos protestam em frente ao consulado do país em São Paulo pelo direito de votar nas eleições gerais da Bolívia durante a pandemia
Bolivianos protestam em frente ao consulado do país em São Paulo pelo direito de votar nas eleições gerais da Bolívia durante a pandemia - Igor Galvão/Divulgação

A eleição boliviana, marcada para 18 de outubro, ocorrerá quase um ano depois do pleito original, anulado por suspeita de fraude. O sucessivo adiamento das datas da nova votação tem sido a causa de protestos no país.

O direito ao voto para bolivianos que moram no exterior é garantido pela Constituição. Mas, com a pandemia, a embaixada e o consulado em São Paulo dizem estar enfrentando dificuldades logísticas e barreiras sanitárias para organizar o pleito.

Segundo uma parte dos imigrantes, porém, trata-se de uma desculpa para impedi-los de votar, já que a maioria dos que vivem no Brasil apoiam a oposição à atual presidente interina Jeanine Añez.

Segundo a apuração oficial da eleição de outubro de 2019, 70% dos bolivianos que vivem no Brasil votaram pela reeleição do ex-presidente Evo Morales. Naquele momento eram cerca de 44 mil eleitores no país, dos quais 97% viviam em São Paulo e arredores.

As preocupações com a possível não realização de eleições no Brasil surgiram quando um documento interno da embaixada, datado de 25 de agosto, começou a circular entre associações de bolivianos. Trata-se de uma carta enviada pelo embaixador a cônsules no restante do país afirmando que as medidas das autoridades brasileiras de restringirem aglomerações tornam “impossível levar adiante as eleições de outubro nas instalações desta embaixada”.

O embaixador da Bolívia no Brasil, Wilfredo Rojo Parada, disse à Folha que aguarda uma posição dos seis consulados em outras cidades brasileiras para informar ao Ministério das Relações Exteriores boliviano das condições para a realização das eleições. Este órgão, por sua vez, transmitirá as informações ao Tribunal Supremo Eleitoral, que tomará a decisão final.

O embaixador diz que a avaliação inicial da representação diplomática é de que a situação não é favorável para que ocorra a votação. "As escolas estão fechadas e em todos os estados estão proibidas aglomerações. Mas cabe ao TSE decidir", afirma.

Questionado se a embaixada avalia outros tipos de espaço para receber os eleitores, ele respondeu que não existe experiência a esse respeito.

"Nunca foram feitas eleições em outros lugares que não os colégios. Em São Paulo são cerca de 40 mil pessoas que podem votar. Também não é fácil conseguir [locais que comportem todas elas]."

O embaixador, que está no cargo desde junho, nega que a pandemia esteja sendo usada como desculpa para impedir o voto da comunidade. "Somos de um governo legítimo e constitucional e valorizamos a democracia e que todo mundo vote. Mas temos que seguir as normas do país anfitrião."

Questionado se foi pedida autorização aos governos de estados e municípios brasileiros, ele diz que aguarda o retorno dos consulados para ter essa informação.

Segundo Parada, o Itamaraty também será consultado.

Ele afirma que o relatório detalhado será enviado à Chancelaria boliviana em no máximo dez dias.

Nesta terça, o cônsul geral da Bolívia em São Paulo, José Luis Bravo, deu uma entrevista à Honda 10, rádio de bolivianos no Brasil, dizendo que a dificuldade principal é encontrar lugares para realizar a votação.

Bravo está no cargo temporariamente e foi enviado pelo governo de Añez, que trocou diplomatas no Brasil e em outros países desde que assumiu.

Segundo ele, das 15 escolas onde se deveria realizar o pleito, 8 estão fechadas, o que dificultou a entrega de cartas de solicitação do espaço pelo consulado. Uma já teria negado o pedido e as demais ainda não teriam respondido.

Na entrevista, ele afirma também que os protestos são manifestações políticas de pessoas guiadas pela oposição e critica o MAS, partido de Evo. Reitera, ainda, que o responsável pela decisão e pela realização das votações não é o consulado, mas o TSE (Tribunal Supremo Eleitoral) da Bolívia.

Consultado pela Folha, o TSE boliviano informou que está na fase de conversas com as embaixadas e autoridades de cada país e que nenhuma decisão foi tomada ainda sobre a realização ou não de eleições no Brasil ou em outros países.

Para os bolivianos descontentes com a situação, as escolas fechadas não são desculpa para deixá-los sem votar.

“Isso não pode ser impedimento. Eles têm que correr atrás, falar com a direção dessas escolas, com autoridades. A gente tem outros espaços dentro da comunidade, igrejas, centros culturais que poderiam ser cedidos. Eles estão tentando justificar o injustificável”, afirma uma das participantes da marcha desta quarta-feira (2), a psicóloga Hiordana Bustamante, 39.

“Estamos indignados porque nosso país passa por uma crise política, econômica e de saúde muito grave. A população pede eleições logo, não podem nos negar esse direito”, acrescenta. Ela está no Brasil há dez anos e é membro do Comitê Brasileiro de Solidariedade ao Povo Boliviano contra o Golpe, que apóia Evo.

Para Hiordana, há falta de transparência do consulado, que fechou as portas durante os atos de terça e quarta e não enviou representante para esclarecer as dúvidas de quem estava lá. “Eles não conhecem as necessidades da comunidade, não têm nenhum diálogo com a gente”, afirma.

A Bolívia vive instabilidade política desde as contestadas eleições presidenciais em novembro de 2019, que concederam uma controversa vitória em primeiro turno a Evo Morales.

Aquele seria seu quarto mandato consecutivo, mas, em meio a acusações de fraude na contagem de votos, protestos violentos em várias cidades e pressão das Forças Armadas, o líder indígena renunciou. Hoje, vive na Argentina com status de refugiado.

Desde então, quem governa é Añez, cuja legitimidade é contestada, porque usou brechas constitucionais para se declarar como a seguinte na linha de sucessão.

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