Leia quais são as revelações da investigação sobre o imposto de renda de Trump

Apuração do New York Times revelou que presidente ficou 11 anos sem pagar taxas ao governo

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The New York Times

O New York Times obteve dados das declarações de rendimentos de Donald Trump e de suas empresas que abrangem quase duas décadas. Durante muito tempo, o republicano se recusou a divulgar essas informações, tornando-se o primeiro presidente dos EUA em décadas a ocultar detalhes de suas finanças.

O presidente dos EUA, Donald Trump, dança em frente a apoiadores durante comício em Jacksonville, na Flórida
O presidente dos EUA, Donald Trump, dança em frente a apoiadores durante comício em Jacksonville, na Flórida - Brendan Smialowski - 24.set.20/AFP

Por isso, suas declarações ao Serviço do Imposto de Renda eram dos documentos mais procurados na história recente. Estas são algumas das principais descobertas da investigação do New York Times:

  • Trump não pagou imposto de renda federal em 11 dos 18 anos que o Times examinou. Em 2017, depois de se tornar presidente, seu imposto a pagar era de apenas US$ 750 (R$ 4.177 na cotação desta segunda).
  • Ele reduziu sua dívida fiscal com medidas questionáveis, incluindo uma restituição de impostos de US$ 72,9 milhões que é objeto de auditoria pela Receita Federal dos EUA (IRS, na sigla em inglês).
  • Muitas de suas conhecidas empresas, como os campos de golfe, declararam grandes prejuízos, o que ajudou Trump a reduzir os impostos devidos.
  • A pressão financeira sobre Trump está aumentando à medida que empréstimos de centenas de milhões de dólares que ele garantiu pessoalmente se aproximam do vencimento.
  • Mesmo enquanto declarava prejuízos, ele conseguiu desfrutar um estilo de vida luxuoso ao fazer deduções fiscais sobre o que a maioria das pessoas consideraria despesas pessoais, como residência, avião e US$ 70 mil em cabeleireiro para um programa de TV.
  • Sua filha Ivanka Trump, embora trabalhasse como funcionária da Trump Organization, parece ter recebido "honorários de consultoria" que também ajudaram a reduzir a conta de impostos da família.
  • Como presidente, Trump recebeu mais dinheiro de fontes estrangeiras e grupos de interesse dos EUA do que se sabia até agora. Os registros não revelam nenhuma conexão não relatada anteriormente com a Rússia.

É importante lembrar que as declarações de renda não são uma visão nua e crua da atividade empresarial de Trump. Ao contrário, são o retrato feito por ele mesmo de suas empresas para o IRS. Mas elas oferecem a imagem mais detalhada já vista.

As manobras fiscais do presidente

Trump não pagou imposto de renda federal na maior parte das últimas duas décadas. Além dos 11 anos em que ele não pagou impostos nos 18 anos examinados pelo New York Times, recolheu apenas US$ 750 em cada um dos dois anos mais recentes —2016 e 2017.

Ele conseguiu evitar impostos enquanto desfrutava o estilo de vida de um bilionário —o que ele afirma ser—, fazendo suas empresas cobrirem custos que muitos considerariam despesas pessoais.

Essas manobras fiscais o diferenciam da maioria dos outros americanos abastados.

Os impostos cobrados dos americanos ricos diminuíram drasticamente nas últimas décadas, e muitos usam brechas para reduzir seus impostos abaixo das taxas legais. Mas a maioria das pessoas ricas ainda paga muito imposto de renda federal.

Em 2017, a alíquota média de IR para 0,001% dos contribuintes com rendimentos mais altos —ou seja, a fatia de 1/100.000 da população mais rica— foi de 24,1%, de acordo com o IRS.

Nas últimas duas décadas, Trump pagou cerca de US$ 400 milhões a menos em impostos federais combinados do que uma pessoa muito rica que pagou todo ano a média para esse grupo.

A evasão fiscal também o diferencia dos presidentes anteriores.

Trump talvez seja o presidente dos Estados Unidos mais rico da história. Mesmo assim, ele costuma pagar menos impostos do que outros presidentes recentes.

Barack Obama e George W. Bush pagaram regularmente mais de US$ 100 mil por ano —e às vezes muito mais— em imposto de renda federal durante seus mandatos.

Trump, em contraste, chefia um governo federal para o qual ele quase não contribuiu com imposto de renda durante muitos anos. Uma grande restituição foi vital para essa evasão fiscal.

Trump enfrentou grandes contas de impostos após o sucesso inicial do programa de televisão "O Aprendiz", mas ele eliminou a maior parte desses pagamentos por meio de uma restituição.

Combinados, Trump inicialmente pagou quase US$ 95 milhões em impostos federais sobre a renda ao longo dos 18 anos. Mais tarde, ele conseguiu recuperar a maior parte desse dinheiro, com juros, solicitando e recebendo restituição de impostos de US$ 72,9 milhões, a partir de 2010.

A restituição reduziu sua conta total de imposto de renda entre 2000 e 2017 para uma média anual de US$ 1,4 milhão. Em comparação, o americano médio entre os 0,001% mais ricos pagou cerca de US$ 25 milhões em impostos federais sobre a renda a cada ano no mesmo período.

O reembolso de US$ 72,9 milhões desde então se tornou o assunto de uma longa batalha com o IRS.

Ao solicitar a restituição, ele citou um prejuízo financeiro gigantesco que pode estar relacionado ao fracasso de seus cassinos em Atlantic City. Publicamente, ele também afirmou que havia renunciado totalmente à sua participação nos cassinos.

Mas a história real pode ser diferente da que contou. A lei federal afirma que os investidores podem reivindicar perda total em um investimento, como fez Trump, apenas se não receberem nada em troca.

Trump parece ter recebido algo: 5% da nova empresa de cassino que se formou quando ele renunciou à sua participação. Em 2011, o IRS iniciou uma auditoria questionando a legitimidade da restituição. Quase uma década depois, o caso continua sem solução, por razões desconhecidas, e poderá acabar em um tribunal federal, no qual pode se tornar uma questão de registro público.

Despesas de empresas e benefícios pessoais

Trump classifica grande parte dos gastos com seu estilo de vida pessoal como custo das empresas.
Suas residências fazem parte da empresa da família, assim como os campos de golfe em que passa tanto tempo. Ele também classificou o custo de sua aeronave, usada para transportá-lo entre suas casas, como despesa da empresa.

Cortes de cabelo —incluindo mais de US$ 70 mil com cabeleireiro durante "O Aprendiz"— recaíram na mesma categoria. O mesmo aconteceu com quase US$ 100 mil pagos à cabeleireira e maquiadora favorita de Ivanka Trump. Tudo isso ajuda a reduzir ainda mais a conta tributária de Trump, porque as empresas podem deduzir suas despesas.

Seven Springs, sua propriedade em Westchester County, no estado de Nova York, é típica de sua definição agressiva de despesas empresariais. Trump comprou a propriedade de mais de 80 hectares em Bedford, em Nova York, em 1996. Seus filhos Eric e Donald Jr. passavam os verões lá quando eram mais jovens.

"Este é realmente o nosso condomínio", disse Eric à revista Forbes em 2014. "Hoje", relata o site da Trump Organization, "Seven Springs é usado como um retiro para a família Trump".

No entanto, Trump pai classificou a propriedade como uma propriedade de investimento, distinta de uma residência pessoal. Como resultado, ele conseguiu descontar US$ 2,2 milhões em impostos sobre a propriedade desde 2014 —apesar de sua lei fiscal de 2017 ter limitado as deduções individuais a apenas US$ 10 mil de impostos sobre propriedades por ano.

'Taxas de consultoria'

Em quase todos os seus projetos, as empresas de Trump reservam cerca de 20% da receita para "taxas de consultoria" inexplicáveis. Essas taxas reduzem os impostos, porque as empresas podem deduzi-las como gastos empresariais, diminuindo o valor do lucro final sujeito a imposto.

Trump arrecadou US$ 5 milhões em um negócio de hotel no Azerbaijão, por exemplo, e relatou US$ 1,1 milhão em taxas de consultoria. Em Dubai, havia uma taxa de US$ 630 mil sobre US$ 3 milhões de receitas. Desde 2010 Trump deduziu cerca de US$ 26 milhões com essas taxas.

Sua filha parece ter recebido alguns desses honorários de consultoria, apesar de ser uma importante executiva da Trump Organization. A investigação do New York Times descobriu uma combinação impressionante: os registros privados de Trump mostram que sua empresa certa vez pagou US$ 747.622 em taxas a um consultor não identificado por projetos de hotéis no Havaí e Vancouver, no Canadá.

Os documentos de divulgação pública de Ivanka Trump —que ela apresentou quando ingressou na equipe da Casa Branca, em 2017— mostram que ela recebeu valor idêntico por meio de uma empresa de consultoria da qual era sócia.

Empresas deficitárias

Muitas das empresas Trump mais renomadas perdem grandes quantias de dinheiro.

Desde 2000, relatou ter perdido mais de US$ 315 milhões nos campos de golfe que costuma descrever como o coração de seu império. Grande parte disso aconteceu no Trump National Doral, resort próximo de Miami que comprou em 2012. E o hotel em Washington, inaugurado em 2016, perdeu mais de US$ 55 milhões.

Uma exceção: a Trump Tower em Nova York, que lhe rende mais de US$ 20 milhões em lucros por ano.
A parte mais bem-sucedida da empresa de Trump é sua marca pessoal.

O New York Times calcula que, entre 2004 e 2018, ele ganhou US$ 427,4 milhões com a venda de sua imagem, a de uma riqueza implacável, por meio de hábil gestão empresarial. O marketing dessa imagem foi um grande sucesso, mesmo que a gestão subjacente de muitas das empresas Trump não o tenha sido.

Outras empresas, especialmente no setor imobiliário, pagaram pelo direito de usar o nome Trump. A marca possibilitou "O Aprendiz" —e o programa elevou a imagem a outro patamar.

Claro, a marca Trump também possibilitou sua eleição como o primeiro presidente dos Estados Unidos sem experiência anterior em governança. Mas suas empresas não lucrativas ainda serviam a um propósito financeiro: reduzir sua conta fiscal.

A Trump Organization —uma coleção de mais de 500 entidades, praticamente todas de propriedade exclusiva de Trump— usou as perdas para compensar os ricos lucros do licenciamento da marca Trump e outras partes lucrativas de suas empresas.

As perdas relatadas dos negócios operacionais foram tão grandes que muitas vezes apagaram totalmente as receitas de licenciamento, permitindo que a organização alegasse que não ganha dinheiro e, portanto, não deve impostos. Esse padrão é antigo para Trump.

O colapso de partes importantes de seus negócios no início da década de 1990 gerou enormes prejuízos que ele usou para reduzir seus impostos durante anos.

Grandes contas à espreita

Com o dinheiro de "O Aprendiz", Trump iniciou sua maior onda de compras desde os anos 1980.

"O Aprendiz" estreou na NBC em 2004 e foi um grande sucesso. Trump recebeu 50% dos lucros e então comprou mais de dez campos de golfe e várias outras propriedades.

As perdas nesses imóveis reduziram a conta de rendimentos. Mas a estratégia enfrentou problemas quando o dinheiro de "O Aprendiz" começou a diminuir. Em 2015, a condição financeira de Trump estava piorando.

Sua campanha presidencial de 2016 pode ter sido em parte uma tentativa de ressuscitar sua marca.

Os registros financeiros não respondem definitivamente a essa pergunta. Mas o momento é consistente: Trump anunciou uma campanha que parecia muito difícil de vencer, mas que quase certamente lhe traria uma nova atenção, ao mesmo tempo que seus negócios precisavam de uma nova abordagem.

A Presidência ajudou sua empresa. Desde que se tornou um dos principais candidatos presidenciais, ele recebeu grandes quantias de lobistas, políticos e autoridades estrangeiras que pagam para ficar em seus hotéis ou ingressar em seus clubes.

A investigação do New York Times dá números precisos sobre esses gastos pela primeira vez.

Uma onda de novos sócios no clube Mar-a-Lago, na Flórida, deu a Trump um adicional de US$ 5 milhões por ano dessa empresa desde 2015. A Associação Evangélica Billy Graham pagou pelo menos US$ 397.602 em 2017 para o hotel de Washington, onde realizou pelo menos um evento durante sua Cúpula Mundial em Defesa dos Cristãos Perseguidos.

Em seus primeiros dois anos na Casa Branca, Trump recebeu milhões de dólares de projetos em países estrangeiros, incluindo US$ 3 milhões das Filipinas, US$ 2,3 milhões da Índia e US$ 1 milhão da Turquia.

Mas a Presidência não resolveu seu principal problema financeiro: muitos de seus negócios continuam perdendo dinheiro. Com o declínio da receita de "O Aprendiz", Trump absorveu as perdas parcialmente por meio de movimentações financeiras únicas que talvez não estejam disponíveis para ele novamente.

Em 2012, fez uma hipoteca de US$ 100 milhões do espaço comercial da Trump Tower. Também vendeu centenas de milhões em ações e títulos.

Mas seus registros financeiros indicam que ele pode ter apenas mais US$ 873 mil para vender.

Em breve, Trump enfrentará várias contas importantes que poderão pressionar ainda mais suas finanças.
Parece que ele não pagou nada da parte principal da hipoteca da Trump Tower, e os US$ 100 milhões vencem em 2022. E se ele perder sua disputa com o IRS sobre a restituição de 2010, poderá dever ao governo mais de US$ 100 milhões (incluindo juros sobre a quantia original).

Ele é pessoalmente responsável por algumas dessas contas.

Na década de 1990, Trump quase se arruinou ao garantir pessoalmente empréstimos de centenas de milhões de dólares, e mais tarde disse que se arrependeu de ter feito isso.

Mas deu o mesmo passo novamente, segundo mostram seus registros fiscais. Ele parece ser responsável por empréstimos que totalizam US$ 421 milhões, a maioria dos quais com vencimento em quatro anos.

Se for reeleito, seus credores poderão ser colocados na posição sem precedentes de avaliar se vão executar a dívida de um presidente em exercício. Quer ganhe quer não, ele provavelmente precisará encontrar novas maneiras de usar sua marca —e sua popularidade entre dezenas de milhões de americanos— para ganhar dinheiro.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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